segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Fernando Gabeira - Eleições, roteiro de um não candidato

O Globo

Tomamos um banho de atraso, preconceito e truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima

Com as convenções partidárias, começou, oficialmente, o processo eleitoral. Dizem que teremos eleições históricas. De certa maneira, todas as eleições são históricas, se considerarmos que muitas resultam em programas transformadores, outras resultam em impeachment. Nunca passam em branco.

Na verdade, é necessário admitir que as eleições têm inúmeros traços singulares e pedem também uma certa preparação do eleitor para os meses de campanha.

O primeiro ponto a destacar é a violência. Já houve um assassinato em Foz do Iguaçu, as redes estão inundadas por insultos e, em Minas, um homem foi preso por ameaçar pendurar os ministros do Supremo de cabeça para baixo.

Não sei se a melhor tática é prender quem faz ameaças. Em alguns países, as pessoas passam a ser apenas monitoradas. O que não deixa de ser uma escolha arriscada; se cometem um crime, a responsabilidade acaba se transferindo para quem hesitou em prendê-las.

De qualquer forma, nesse capítulo, meu programa de eleitor é contribuir para baixar a bola. Sempre que houver discussão perigosa, esfriar os ânimos.

É preciso também fazer com que as opções violentas paguem um preço eleitoral. Não é difícil. Outro dia, um grupo bolsonarista cercou uma comitiva de deputados de esquerda, na Tijuca, no Rio. Truculentos e armados, acabaram expulsando os adversários da rua. Reinaram solitários para uma plateia de algumas centenas de pessoas. Mas as notícias negativas sobre seu ato atingiram milhares de eleitores. A violência, em termos de voto, é um tiro no pé.

Um segundo aspecto que importa nestas eleições é a defesa da democracia. Circula um manifesto redigido em São Paulo, e todos os eleitores interessados em defender o Estado de Direito devem assiná-lo. Mas isso não basta. O manifesto pede um estado de vigília permanente, e esse estado, sim, pode nos unir em momentos difíceis.

Sobre fake news, também temos responsabilidades: não deixar que prosperem. Nos EUA já existem cursos para que as pessoas se defendam de fake news, consultando fontes, desconfiando de interesses ocultos por trás de uma notícia falsa.

Algo essencial na campanha é compreender como, em muitos aspectos, o Brasil foi devastado pela extrema direita. Cabe um esforço maior para a reconstrução, a fim de que um programa de retomada do ciclo vital do país seja formulado.

Felizmente, as entrevistas com os candidatos têm sido construtivas. Não há mais cascas de banana, apenas um esforço sério para questionar as ideias para o país.

Há um aspecto em que tenho insistido, sempre que posso, no diálogo com candidatos: qual o papel da sociedade na retomada do crescimento?

No Brasil de hoje, existe um abismo entre política e sociedade. Muito possivelmente, esse abismo não desaparecerá. No entanto é preciso que haja clareza sobre as possibilidades de as pessoas construírem um Brasil melhor, a despeito até dos políticos.

No auge da pandemia, quando Bolsonaro relutava em comprar vacinas, ficou evidente que a própria sociedade o faria, embora as produtoras quisessem negociar apenas com governos.

Se as eleições forem mesmo históricas, cada gesto de um simples eleitor terá importância. Longe estão os tempos em que falar de História significava falar de grandes vultos, de gente que vira estátua.

Hoje, compreendemos que os fios da História são tecidos por mãos humildes, por discretas escolhas cotidianas que, somadas, acabam fazendo que o país ande para a frente.

Tomamos um banho de atraso, preconceito e truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima.

Não estaremos tão atarefados quanto os candidatos. Mas, como eleitores, há o que fazer nesta campanha. Um dos pontos que nunca é demais lembrar: nunca se esqueçam das eleições para o Congresso, apesar do pouco destaque na imprensa.

Um Parlamento melhor, ainda que apenas um pouco melhor, já representa recuperar um dos importantes sinais vitais da democracia.

Como estamos no início da campanha, há ainda muito o que escrever sobre ela.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Vai ser difícil melhorar o parlamento,o orçamento secreto vai eleger os oportunistas de sempre.