O Globo
Tomamos um banho de atraso, preconceito e
truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima
Com as convenções partidárias, começou,
oficialmente, o processo eleitoral. Dizem que teremos eleições históricas. De
certa maneira, todas as eleições são históricas, se considerarmos que muitas
resultam em programas transformadores, outras resultam em impeachment. Nunca
passam em branco.
Na verdade, é necessário admitir que as
eleições têm inúmeros traços singulares e pedem também uma certa preparação do
eleitor para os meses de campanha.
O primeiro ponto a destacar é a violência.
Já houve um assassinato em Foz do Iguaçu, as redes estão inundadas por insultos
e, em Minas, um homem foi preso por ameaçar pendurar os ministros do Supremo de
cabeça para baixo.
Não sei se a melhor tática é prender quem faz ameaças. Em alguns países, as pessoas passam a ser apenas monitoradas. O que não deixa de ser uma escolha arriscada; se cometem um crime, a responsabilidade acaba se transferindo para quem hesitou em prendê-las.
De qualquer forma, nesse capítulo, meu
programa de eleitor é contribuir para baixar a bola. Sempre que houver
discussão perigosa, esfriar os ânimos.
É preciso também fazer com que as opções
violentas paguem um preço eleitoral. Não é difícil. Outro dia, um grupo
bolsonarista cercou uma comitiva de deputados de esquerda, na Tijuca, no Rio.
Truculentos e armados, acabaram expulsando os adversários da rua. Reinaram
solitários para uma plateia de algumas centenas de pessoas. Mas as notícias
negativas sobre seu ato atingiram milhares de eleitores. A violência, em termos
de voto, é um tiro no pé.
Um segundo aspecto que importa nestas
eleições é a defesa da democracia. Circula um manifesto redigido em São Paulo,
e todos os eleitores interessados em defender o Estado de Direito devem
assiná-lo. Mas isso não basta. O manifesto pede um estado de vigília
permanente, e esse estado, sim, pode nos unir em momentos difíceis.
Sobre fake news, também temos responsabilidades:
não deixar que prosperem. Nos EUA já existem cursos para que as pessoas se
defendam de fake news, consultando fontes, desconfiando de interesses ocultos
por trás de uma notícia falsa.
Algo essencial na campanha é compreender
como, em muitos aspectos, o Brasil foi devastado pela extrema direita. Cabe um
esforço maior para a reconstrução, a fim de que um programa de retomada do
ciclo vital do país seja formulado.
Felizmente, as entrevistas com os
candidatos têm sido construtivas. Não há mais cascas de banana, apenas um
esforço sério para questionar as ideias para o país.
Há um aspecto em que tenho insistido,
sempre que posso, no diálogo com candidatos: qual o papel da sociedade na
retomada do crescimento?
No Brasil de hoje, existe um abismo entre
política e sociedade. Muito possivelmente, esse abismo não desaparecerá. No
entanto é preciso que haja clareza sobre as possibilidades de as pessoas
construírem um Brasil melhor, a despeito até dos políticos.
No auge da pandemia, quando Bolsonaro
relutava em comprar vacinas, ficou evidente que a própria sociedade o faria,
embora as produtoras quisessem negociar apenas com governos.
Se as eleições forem mesmo históricas, cada
gesto de um simples eleitor terá importância. Longe estão os tempos em que
falar de História significava falar de grandes vultos, de gente que vira
estátua.
Hoje, compreendemos que os fios da História
são tecidos por mãos humildes, por discretas escolhas cotidianas que, somadas,
acabam fazendo que o país ande para a frente.
Tomamos um banho de atraso, preconceito e
truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Não estaremos tão atarefados quanto os
candidatos. Mas, como eleitores, há o que fazer nesta campanha. Um dos pontos
que nunca é demais lembrar: nunca se esqueçam das eleições para o Congresso,
apesar do pouco destaque na imprensa.
Um Parlamento melhor, ainda que apenas um
pouco melhor, já representa recuperar um dos importantes sinais vitais da
democracia.
Como estamos no início da campanha, há
ainda muito o que escrever sobre ela.
Um comentário:
Vai ser difícil melhorar o parlamento,o orçamento secreto vai eleger os oportunistas de sempre.
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