sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Selo de Ignácio de Loyola Brandão, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Estampa comemorativa do escritor Ignácio de Loyola Brandão pelos 60 anos de seu primeiro livro lembra que a filatelia é uma educativa fonte de conhecimento, de arte, de história

Há dias, os Correios do Brasil lançaram um selo comemorativo dos 60 anos do primeiro livro de Ignácio de Loyola Brandão, membro não só da Academia Brasileira de Letras, mas também, há mais tempo, da Academia Paulista de Letras.

Ele começou com “Depois do sol”, que também abre o ciclo de livros inspirados em suas descobertas do que virá a ser o elenco de suas observações sobre a cidade grande em que passara a viver vindo de Araraquara, sua terra.

Munido com as referências da idílica cidade de origem, o que se tornou característico dos interioranos de muitos recantos do Brasil, desenvolveu um desdobramento literariamente crítico, próprio do romantismo dos que vêm de longe.

O que no geral tem feito de moradores de grandes e anômalas cidades, como São Paulo, e provavelmente acontece com os de outros cantos do mundo, pessoas de dupla personalidade. As que estão perto e longe ao mesmo tempo dos lugares do vivencial dividido. Pessoas que estão saindo quando estão chegando e chegando quando estão saindo das espacialidades referenciais de sua existência.

Sempre há um lá longe no nosso aqui perto. Perspectiva do estranhamento em relação à terra de adoção. No caso de Loyola, fundamento de sua literatura do Brasil anômico, irracional e absurdo.

Manifestação, em sua obra e em sua pessoa, como poderia dizer Antonio Candido, das necessidades de expressão de um tempo e de um lugar, os de nossa pós-modernidade sem rumo, sem passado nem futuro.

No caso de Loyola, certamente não no sentido de aversão pelo lugar em que está e de nostalgia pelo lugar de onde veio. Muito ao contrário, Loyola nunca está fora do lugar. Todos os lugares são os seus lugares. Quando minha mulher o conheceu e lhe disse que era de Bariri, no interior de São Paulo, ele abriu largo e acolhedor sorriso e disse: “Ah! Você é da Grande Araraquara”.

Falecido em 1993, “seu” Totó, seu pai, ferroviário da Estrada de Ferro Araraquarense, colecionador de selos, teria tido um piripaque se aqui ainda estivesse para colocar em seu álbum de filatelista modesto o selo com a imagem do filho.

Os Correios se lembram de que, além dele, a escritora Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de despejo”, também “foi selo”. O que, pela raridade, aumenta a importância da homenagem filatélica de agora.

Sei o que isso significa. Adolescente, em meados dos anos 1950, quando já trabalhava em fábrica, descobri no lixo do escritório da divisão em que me cabia removê-lo para queimar no acendimento dos fornos de ladrilhos papéis rasgados que pudessem conter informações técnicas com segredos industriais. Não fossem eles indevidamente parar nas mãos de algum catador de papel que pudesse dar-lhes outro destino. Entre esses papéis havia envelopes de cartas recebidas pelos engenheiros, que eu recortava para remover em água os respectivos selos.

Fui, assim, formando minha pequena coleção e fazendo descobertas inesperadas na área da cultura e da história. Para jovens filatelistas, como eu, da classe operária, o selo era a página de um livro.

Não sei como, descobri que um dos jornais de São Paulo, O Tempo, tinha uma bem cuidada seção filatélica. Lia-o todos os sábados. Aprendi o que eram os selos comemorativos, como este, agora, para celebrar os 60 anos da literatura de Loyola. Eram mais bem cuidados do que os selos comuns, estes geralmente feios e sem imagens criativas.

Algumas vezes, comprava selos nas filatélicas do centro de São Paulo. No jornal e nelas fiquei sabendo das coleções temáticas e me interessei pelas que reproduziam obras de arte, pinturas. Em diferentes países, esses selos eram feitos com extremo cuidado técnico, tanto na reprodução fotográfica quanto na impressão. Cheguei a colocar uma porção deles num dos meus álbuns, dedicado à pintura. Mais tarde, dei-o a uma amiga, filatelista, que estava interessada no tema. Arrependi-me no dia seguinte, mas já era tarde.

Não raro, os colecionadores de selos são injustamente tratados como idiotas e infantis pelos que não são infantis mas são idiotas. Na verdade, a filatelia é uma educativa fonte de conhecimento, de arte, de história, da diversidade do mundo. É um redutor de ignorância, um instrumento verdadeiramente subversivo de proteção dos imaturos e simples contra a horizontalização da realidade e a cultura plana a que a cultura vem sendo reduzida.

É significativo que a obliteração do primeiro selo com a efígie de Ignácio de Loyola Brandão tenha ocorrido durante um evento cultural em sua terra. Selos comemorativos, como esse, equivalem a um monumento como os erguidos em praças públicas, apenas para serem vistos. Até mais porque são, assim, colocados em muitas vidas para dar-lhes o que pensar.

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