sexta-feira, 28 de novembro de 2025

De tédio não se morre no Brasil, por Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense

Claro que é absolutamente relevante, pela primeira vez na história brasileira, podermos ter levado a julgamento e condenado pessoas e grupos pelo crime de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, incluindo militares de alta patente

Na última semana, o país vivenciou fortes emoções. Sábado passado, fomos despertados com a notícia da decretação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da prisão preventiva do ex-presidente. As primeiras versões sobre a razão da decisão judicial apontavam que a convocação feita pelo seu filho senador de uma vigília em frente ao condomínio onde estava em prisão domiciliar causaria tumulto e poderia criar as condições propícias para uma fuga. Considerando que, semanas antes, outro condenado pela tentativa de golpe tinha fugido para os Estados Unidos, a preocupação parecia fazer sentido.

Porém, algumas horas mais tarde, verificou-se no pedido formulado pela Polícia Federal (PF) o apontamento de um período em que a tornozeleira eletrônica ficara inativa, podendo evidenciar um movimento para sua retirada. Qual não foi a surpresa quando as primeiras imagens mostraram a tentativa de danificar o equipamento com o uso de um ferro de solda, confirmada pelo próprio preso, alegando, no primeiro momento, tê-lo feito por curiosidade e, posteriormente, na audiência de custódia, afirmou ter tido um surto por uso de medicamentos.

Terça-feira, na sequência desse episódio, foi declarado pelo STF que o processo contra ele e mais seis condenados pela tentativa de golpe havia transitado em julgado, sendo determinado o cumprimento imediato das respectivas penas de todos.

Desde então, o que assistimos foi a disputa feroz nas redes sociais entre os dois polos que, desde 2018, monopolizam as publicações. De um lado, os apoiadores do ex-presidente clamando por anistia e insistindo na narrativa que há um clima de perseguição contra ele, mesmo diante das robustas provas que embasaram sua condenação; de outro, os apoiadores do governo comemorando a prisão, em um clima catártico.

Claro que é absolutamente relevante, pela primeira vez na história brasileira, podermos ter levado a julgamento e condenado pessoas e grupos pelo crime de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, incluindo militares de alta patente. Posto isso, vale a pena uma reflexão sobre as interpretações que passaram a circular nas redes e na mídia em geral.

Uma bastante presente tem reverberado a ideia de que estaríamos, finalmente, punindo os golpistas de 1964, trazendo uma visão implícita e, por vezes explícita, de que a Lei da Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, teria sido um equívoco e, no limite, uma capitulação diante da ditadura. Graças a ela, exilados e banidos voltaram para o Brasil, clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os processos nos tribunais militares anulados, presos foram libertados de presídios e delegacias. Ora, ao examinarmos o cenário político à época, é mandatório afirmar que ali foi possível pavimentar o caminho de reconstrução democrática que culminou com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral em janeiro de 1985.

No polo oposto, há aqueles que têm usado a anistia de 46 anos atrás para defender a aplicação de medida similar aos golpistas recentemente condenados. Na base da argumentação, criam a figura imaginária de que o país está sob uma "ditadura do Judiciário". É indiscutível que muitas críticas podem e devem ser feitas ao STF, mas é forçoso reconhecer que sua atuação foi fundamental para a preservação da democracia política.

Entretanto, mais importante do que apontar as características dos dois lados é procurar identificar o caldo de cultura a fomentar tais comportamentos. Refiro-me ao ressentimento, um sentimento deletério que, temperado pelo ódio, substitui a capacidade de diálogo respeitoso entre diferentes pela ideia de eliminar adversários. Prefere-se justiçamento no lugar de justiça, vingança em vez de reparação. No terreno da política, ele se manifesta no ideário antissistema, contra tudo que está aí, na perspectiva de destruir todas as instituições porque, afinal, nenhuma delas presta.

Paradoxalmente, pesquisas de diversos institutos apontem a existência de um percentual significativo de pessoas cansadas desse clima, mas mesmos elas não são imunes à contaminação por esse sentimento que acaba se revelando, de forma quase automática e inconsciente, na hora da tomada de algumas decisões. Infelizmente, esse pano de fundo continuará presente entre nós ainda por um bom tempo, sendo alimentado também por um cotidiano marcado pelo aumento da criminalidade e da violência, gerador da crescente sensação de insegurança e medo.

Tudo indica que tal cenário estará presente, de maneira relevante, no processo eleitoral de 2026. A conferir.

 

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