quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Torniquete da direita não combate o crime, por Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

O efetivo combate ao crime organizado não envolve matanças e mais espetacularização, mas requer preparo técnico, conhecimento do mercado e expertise no complexo sistema financeiro

Segurança pública tende a ser o principal tema da campanha eleitoral no ano que vem. Representantes dos partidos de direita têm explorado o assunto com bastante antecedência, e aparente eficiência. Querem marcar posição no debate do combate ao chamado crime organizado, ainda que não tenham formalizado o nome (ou nomes) para a disputa à Presidência da República. Isso, aliás, não importa agora. O mais relevante para Tarcísios, Zemas e Caiados é colocar o governo em segundo plano no que diz respeito à matéria da segurança.

Na busca da visibilidade como defensores da ordem pública, aqueles políticos semeiam propostas e ações para colherem frutos a seu favor no futuro. Estão juntos nisso. Operam no estilo trator, com o apoio explícito do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Mota. Não devem ser subestimados.

Prevalece ali a ideia de que o crime organizado deve ser combatido pela polícia, na rua, na base da troca de tiros. Quanto mais traficantes ou auxiliares de traficantes forem mortos, sumariamente, mais aplausos dos eleitores. De fato, a chacina patrocinada pelo governo do Rio de Janeiro nas favelas coligadas da Penha e do Alemão foi amplamente apoiada pela população para regozijo do governador Claudio Castro.

Esta semana, uma pesquisa da internacional Ipsos confirmou a prioridade da segurança. Realizada em 30 países, mostrou que a preocupação com o crime e a violência em novembro subiu para 52% entre os entrevistados no Brasil (um mil participantes). Em outubro, o Ipsos havia captado aquele tipo de preocupação em 40% das respostas.

As pesquisas dão munição aos políticos em campanha pré-eleitoral e ajudam a explicar a radicalização do projeto de lei antifacção. O texto original, segundo a proposta do governo, buscou introduzir meios e modos de combate ao crime pela via financeira. A radicalização, ao contrário, prega mais poder para a polícia dos Estados, mais matança e mais espetacularização, cenário apropriado à propagação midiática.

E, no entanto, não faltam exemplos do fracasso das políticas de combate ao crime implementadas pela via da força policial. No México, as organizações criminosas não só continuam operando como estão mais fortes a despeito das ações que deixam milhares de pessoas mortas pelas ruas. Até o final do ano passado, mais de 450 mil pessoas morreram naquele país desde que o governo declarou guerra ao tráfico, em 2006. Nos últimos 20 anos, os cartéis cresceram e se multiplicaram a partir de uma base sólida, a corrupção. O sucesso do crime organizado naquele país é garantido com a compra de políticos e juízes que preferem manter o status quo da ineficiência do combate ao crime.

Os especialistas reforçam que apenas através do rastreio e do confisco de bens e meios financeiros é possível atacar com efetividade os grupos dedicados ao tráfego clandestino. Não é novidade. Foi testado com êxito pelo governo dos Estados Unidos contra os grupos mafiosos que contrabandeavam bebidas alcoólicas e patrocinavam o jogo clandestino na primeira metade do século XX. O rastreio do dinheiro viabilizou a prisão de alguns líderes por evasão fiscal, como se sabe. Na Itália, a atuação do famoso juiz Giovanni Falcone contra a máfia siciliana tinha um slogan: “siga o dinheiro”.

O sistema financeiro hoje é muito mais complexo, com vínculos estreitos entre instituições que atuam dentro e fora do país, e exige, por isso, inteligência especializada. Não à toa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamou a atenção na semana passada para operações financeiras do crime que passam por fundos norte-americanos e entram no Brasil como se fossem investimento estrangeiro direto. Ele também defende a aprovação da Lei do Devedor Contumaz, em tramitação no Congresso Nacional, contra o funcionamento de empresas que nunca recolhem impostos, redutos propícios à “lavagem” de dinheiro.

O efetivo combate ao crime organizado requer preparo técnico, conhecimento do mercado e expertise em brechas que permitem a evasão de impostos, além de visão ampla dos vários segmentos financeiros no país e meios para atuar nos diferentes Estados e municípios em conjunto com as autoridades locais. Na contramão, os governadores e seus correligionários no Congresso Nacional querem reforçar os métodos mais rudimentares na lei antifacção.

Um tratamento mais apropriado ao tema parece ter surgido da conversa telefônica do presidente Lula com o presidente Donald Trump na terça-feira. A investigação conjunta, entre países, de operações financeiras suspeitas de abrigarem o dinheiro do crime é fundamental para inibir a ação do tráfego ilegal.

Dedico o trecho final deste espaço à memória de Ary Oswaldo Mattos Filho, falecido na segunda-feira.

Poucos advogados brasileiros conseguiram se destacar em áreas diversas com tanta competência. Renomado tributarista, Ary deu grande contribuição ao setor público no cargo de presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, mais tarde, como coordenador de amplo estudo para a reforma tributária no país. No setor privado, além do exercício da advocacia, criou a Faculdade de Direito da FGV de São Paulo. Tudo isso com um sorriso apaziguador e uma determinação abnegada. Uma vez, contou que precisou de muita paciência para estabelecer o seu primeiro escritório de advocacia. Depois de meses e meses à mosca, sem visitas nem cliente, surgiu de repente um representante da Enciclopédia Britânica. Por dias seguidos, ele se apresentava à secretária e pedia para falar com os sócios. Estes, achando que era um simples vendedor de enciclopédia, acabavam por dispensá-lo, até descobrirem que o insistente visitante queria, em verdade, contratar o escritório para representar a Enciclopédia Britânica no Brasil. Foi o primeiro cliente.

Anos mais tarde, Ary fundou o Mattos Filho Advogados que se firmaria como um dos grandes escritórios de advocacia empresarial da América Latina. Apreciador de boas e longas conversas, Ary Oswaldo fará falta aos amigos.

 

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