Valor Econômico
O efetivo combate ao crime organizado não
envolve matanças e mais espetacularização, mas requer preparo técnico,
conhecimento do mercado e expertise no complexo sistema financeiro
Segurança pública tende a ser o principal
tema da campanha eleitoral no ano que vem. Representantes dos partidos de
direita têm explorado o assunto com bastante antecedência, e aparente
eficiência. Querem marcar posição no debate do combate ao chamado crime
organizado, ainda que não tenham formalizado o nome (ou nomes) para a disputa à
Presidência da República. Isso, aliás, não importa agora. O mais relevante para
Tarcísios, Zemas e Caiados é colocar o governo em segundo plano no que diz
respeito à matéria da segurança.
Na busca da visibilidade como defensores da ordem pública, aqueles políticos semeiam propostas e ações para colherem frutos a seu favor no futuro. Estão juntos nisso. Operam no estilo trator, com o apoio explícito do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Mota. Não devem ser subestimados.
Prevalece ali a ideia de que o crime
organizado deve ser combatido pela polícia, na rua, na base da troca de tiros.
Quanto mais traficantes ou auxiliares de traficantes forem mortos,
sumariamente, mais aplausos dos eleitores. De fato, a chacina patrocinada pelo
governo do Rio de Janeiro nas favelas coligadas da Penha e do Alemão foi
amplamente apoiada pela população para regozijo do governador Claudio Castro.
Esta semana, uma pesquisa da internacional
Ipsos confirmou a prioridade da segurança. Realizada em 30 países, mostrou que
a preocupação com o crime e a violência em novembro subiu para 52% entre os
entrevistados no Brasil (um mil participantes). Em outubro, o Ipsos havia
captado aquele tipo de preocupação em 40% das respostas.
As pesquisas dão munição aos políticos em
campanha pré-eleitoral e ajudam a explicar a radicalização do projeto de lei
antifacção. O texto original, segundo a proposta do governo, buscou introduzir
meios e modos de combate ao crime pela via financeira. A radicalização, ao
contrário, prega mais poder para a polícia dos Estados, mais matança e mais
espetacularização, cenário apropriado à propagação midiática.
E, no entanto, não faltam exemplos do
fracasso das políticas de combate ao crime implementadas pela via da força
policial. No México, as organizações criminosas não só continuam operando como
estão mais fortes a despeito das ações que deixam milhares de pessoas mortas pelas
ruas. Até o final do ano passado, mais de 450 mil pessoas morreram naquele país
desde que o governo declarou guerra ao tráfico, em 2006. Nos últimos 20 anos,
os cartéis cresceram e se multiplicaram a partir de uma base sólida, a
corrupção. O sucesso do crime organizado naquele país é garantido com a compra
de políticos e juízes que preferem manter o status quo da ineficiência do
combate ao crime.
Os especialistas reforçam que apenas através
do rastreio e do confisco de bens e meios financeiros é possível atacar com
efetividade os grupos dedicados ao tráfego clandestino. Não é novidade. Foi
testado com êxito pelo governo dos Estados Unidos contra os grupos mafiosos que
contrabandeavam bebidas alcoólicas e patrocinavam o jogo clandestino na
primeira metade do século XX. O rastreio do dinheiro viabilizou a prisão de
alguns líderes por evasão fiscal, como se sabe. Na Itália, a atuação do famoso
juiz Giovanni Falcone contra a máfia siciliana tinha um slogan: “siga o
dinheiro”.
O sistema financeiro hoje é muito mais
complexo, com vínculos estreitos entre instituições que atuam dentro e fora do
país, e exige, por isso, inteligência especializada. Não à toa o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, chamou a atenção na semana passada para operações
financeiras do crime que passam por fundos norte-americanos e entram no Brasil
como se fossem investimento estrangeiro direto. Ele também defende a aprovação
da Lei do Devedor Contumaz, em tramitação no Congresso Nacional, contra o
funcionamento de empresas que nunca recolhem impostos, redutos propícios à
“lavagem” de dinheiro.
O efetivo combate ao crime organizado requer
preparo técnico, conhecimento do mercado e expertise em brechas que permitem a
evasão de impostos, além de visão ampla dos vários segmentos financeiros no
país e meios para atuar nos diferentes Estados e municípios em conjunto com as
autoridades locais. Na contramão, os governadores e seus correligionários no
Congresso Nacional querem reforçar os métodos mais rudimentares na lei
antifacção.
Um tratamento mais apropriado ao tema parece
ter surgido da conversa telefônica do presidente Lula com o presidente Donald
Trump na terça-feira. A investigação conjunta, entre países, de operações
financeiras suspeitas de abrigarem o dinheiro do crime é fundamental para inibir
a ação do tráfego ilegal.
Dedico o trecho final deste espaço à memória
de Ary Oswaldo Mattos Filho,
falecido na segunda-feira.
Poucos advogados brasileiros conseguiram se
destacar em áreas diversas com tanta competência. Renomado tributarista, Ary deu
grande contribuição ao setor público no cargo de presidente da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) e, mais tarde, como coordenador de amplo estudo para
a reforma tributária no país. No setor privado, além do exercício da advocacia,
criou a Faculdade de Direito da FGV de São Paulo. Tudo isso com um sorriso
apaziguador e uma determinação abnegada. Uma vez, contou que precisou de muita
paciência para estabelecer o seu primeiro escritório de advocacia. Depois de
meses e meses à mosca, sem visitas nem cliente, surgiu de repente um
representante da Enciclopédia Britânica. Por dias seguidos, ele se apresentava
à secretária e pedia para falar com os sócios. Estes, achando que era um
simples vendedor de enciclopédia, acabavam por dispensá-lo, até descobrirem que
o insistente visitante queria, em verdade, contratar o escritório para
representar a Enciclopédia Britânica no Brasil. Foi o primeiro cliente.
Anos mais tarde, Ary fundou o Mattos Filho
Advogados que se firmaria como um dos grandes escritórios de advocacia
empresarial da América Latina. Apreciador de boas e longas conversas, Ary
Oswaldo fará falta aos amigos.

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