SUS precisa passar por choque de gestão
O Globo
Mesmo que haja falta de recursos, isso não
justifica o desperdício crônico que aflige sistema
O Sistema Único de Saúde (SUS), criado dois
anos depois da Constituição de 1988, tem por objetivo, expresso na Carta,
garantir o acesso à saúde como direito universal. Até hoje, 35 anos depois,
esse objetivo não é cumprido. O SUS apresenta problemas crônicos de gestão,
normalmente justificados com base na falta de recursos. Durante todo esse
tempo, os governos fracassaram diante da evidente necessidade de um choque de
gestão.
Mesmo numa área em que o SUS se destacava — a vacinação —, o desperdício tem sido flagrante. Entre 2023 e 2024, o prejuízo com lotes de vacinas que perderam a validade somou R$ 1,75 bilhão. “O Brasil ainda sofre resquícios da desorganização no Programa Nacional de Imunizações na gestão passada”, disse ao GLOBO Tânia Coelho, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Pode até ser. Mas as evidências sugerem que o desperdício no SUS é uma doença crônica, não uma afecção aguda adquirida neste ou naquele governo.
Em 2018, um estudo do Banco Mundial em
hospitais do SUS apurou que o sistema operava com apenas 28% da capacidade,
gerando desperdício de R$ 13 bilhões à época. Auditoria divulgada pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) em abril concluiu que, entre 2019 e 2024, o SUS usou
entre 32% e 50% da sua capacidade. “Dentre os riscos e pontos críticos
identificados estão a ociosidade de leitos, salas, médicos e a possibilidade de
ampliação da produção hospitalar”, diz a análise do TCU. “Melhorar a eficiência
hospitalar é essencial para a redução do déficit e para que o SUS consiga
superar desafios emergentes, como o envelhecimento populacional e o aumento da
demanda por serviços de saúde.”
Inspirado no National Health Service (NHS)
britânico, o SUS recebeu no ano passado R$ 204,2 bilhões do governo federal —
4,4% do Orçamento da União, ou ao redor de 2% do PIB. Essa é a menor parcela
dos gastos brasileiros em saúde. “Se pegar tudo o que gastamos, dá cerca de 9%
do PIB, algo semelhante à média dos países da OCDE”, afirma Rudi Rocha, diretor
de Pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps).
No bloco da OCDE, contudo, entre 70% e 80%
dos gastos vêm de fontes públicas. No Brasil, as proporções se invertem, com
uma distorção: a maior parte dos gastos brasileiros em saúde está no setor
privado, que atende à menor parcela da população. Menos de 25% dos brasileiros
têm plano de saúde, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS). Pouco mais de 75% da população, ou quase 160 milhões, depende
exclusivamente de hospitais e centros públicos de atendimento.
É possível, com base nesses dados, argumentar
que o SUS é “cronicamente subfinanciado”, como faz Rocha. Mas isso não
justifica o desperdício nem exime as autoridades de aprimorar a gestão, de modo
a prestar serviços melhores com os recursos já disponíveis. É preciso rever
rotinas, automatizar processos burocráticos e remanejar pessoal para que a
população possa ser atendida onde e quando precisar. Num complexo de saúde com
a participação de União, estados e municípios, reunindo milhares de hospitais e
postos de atendimento, é sempre possível fazer ajustes para gastar de maneira
mais produtiva e eficiente o dinheiro público.
É correta decisão de obrigar Guarda Municipal
armada a usar câmeras
O Globo
Equipamento protege os agentes de acusações
infundadas e os cidadãos do uso abusivo da força
Fez bem a Câmara de Vereadores do Rio em
incluir, na lei que cria uma divisão armada da Guarda Municipal, a exigência de
instalação progressiva de câmeras em uniformes e veículos. O uso do equipamento
não estava previsto na proposta original e foi tema de uma emenda. Não fazia
sentido abrir mão de um dispositivo de segurança cada vez mais empregado para
garantir transparência.
Embora haja resistência às câmeras — não são
raros os casos em que são desligadas ou deliberadamente danificadas —, elas têm
se mostrado um instrumento importante para reduzir mortes de civis e policiais,
como demonstram diversos estudos. As imagens gravadas não são divulgadas. Ficam
guardadas apenas para investigações. Servem para proteger os policiais de
acusações infundadas e os cidadãos do uso abusivo da força.
O objetivo da nova divisão de elite é fazer
policiamento ostensivo, preventivo e comunitário, sem participar de operações
policiais. Será a primeira vez que guardas municipais do Rio portarão armas de
fogo (pistolas .40, segundo o vice-prefeito, Eduardo Cavaliere). A proposta de
uma divisão armada é bem-vinda, uma vez que o novo grupo deverá atuar nas áreas
de maior incidência de crimes. Será fundamental que trabalhe de forma
coordenada com outras forças policiais, de modo a otimizar o policiamento e evitar
desperdício.
A previsão é contratar até 4.200 agentes, de
forma gradual e temporária. Os primeiros 600 deverão ser selecionados entre os
7 mil guardas municipais do Rio. Estima-se que comecem a trabalhar no início do
ano que vem, depois de participar de cursos de formação. Pelo texto aprovado,
poderão manter o porte de arma fora do expediente. A proposta original previa
que eles deveriam deixá-las guardadas quando não estivessem em serviço. Teria
sido melhor assim.
De todo modo, o fortalecimento das guardas municipais tem sido uma tendência nas cidades diante da crise de segurança. A violência é hoje a principal preocupação dos brasileiros, segundo as pesquisas de opinião. Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal autorizou as guardas a fazer policiamento urbano. Com isso, elas têm ganhado mais espaço nos esquemas de segurança. Sem dúvida, podem desempenhar papel importante para coibir roubos e furtos nas ruas — especialmente de celular. É o tipo de crime a que outras forças policiais, assoberbadas, não conseguem dar a devida atenção. Mas é fundamental que ajam com cautela e responsabilidade, uma vez que, por suas características, atuam em áreas de grande circulação. Daí a necessidade de transparência nas ações e a importância das câmeras. As Guardas Municipais precisam ser aliadas do cidadão, não um risco.
Todos os Poderes têm papel na austeridade
fiscal
Valor Econômico
A discussão do projeto de decreto legislativo
de hoje deveria dar lugar a opções positivas sobre o pacote do governo, e não a
um negativismo com fortes laivos eleitorais
O Congresso tem tido um papel importante em
frear as investidas do Executivo por renitentes aumentos de impostos, sem os
quais a meta fiscal não será atingida, já que há resistência do governo a
cortar gastos estruturais. Porém, está longe de cumprir com a austeridade que
agora prega com veemência ao governo Lula, exigindo corretamente que haja
contenção de despesas.
O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), após reuniões com o presidente Lula e o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, das quais resultaram a elaboração de MP com medidas para
compensar o rejeitado aumento do IOF, mudou de ideia ao ouvir as bancadas de
parlamentares e decidiu colocar em votação projetos de decreto legislativo que
fulminarão os aumentos atenuados do IOF. É uma prerrogativa legítima dos
parlamentares, que, no entanto, pecam pela ausência de proposição de
alternativas. Deveria haver já um leque de opções a antepor ao pacote oficial
de aumento de impostos.
Deputados e senadores têm uma
responsabilidade bem maior agora pelo desempenho orçamentário. O Legislativo,
desde a gestão funesta de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), assumiu fatias cada vez
maiores da distribuição de recursos públicos, por meio das emendas impositivas.
Hoje, tem poder sobre quase um quarto de todas as verbas de que o Executivo
dispõe para gastar livremente. De uma média de recursos de R$ 9,3 bilhões por
meio de emendas no período 2015-19, segundo o economista Bráulio Borges (Folha
de S. Paulo, 13-6), os parlamentares passaram a dispor de R$ 50,4 bilhões no
orçamento de 2025, mais algo em torno de R$ 11 bilhões nos gastos próprios do
Ministério da Saúde, um extra acordado com o Planalto devido a uma gambiarra do
Congresso. Recursos do orçamento secreto, barrados pelo Supremo Tribunal
Federal, ressurgiram por decisão do Legislativo sobre restos a pagar caducos.
É preciso deixar de lado o corporativismo de
muitos legisladores e pensar no país - assim como o Judiciário precisa combater
práticas como os supersalários. A atitude do Congresso em relação aos pacotes
fiscais do governo seria outra, talvez mais proativa, se a liberação das
emendas parlamentares não estivesse tão lenta quanto neste momento. O Executivo
tem motivos plausíveis para isso. O Congresso não cumpriu sua missão de votar o
orçamento em 2024, e a execução no ano corrente, por lei limitada a 1/12 dos
gastos, foi, corretamente, reduzida a 1/18 por iniciativa da Fazenda, uma forma
consciente de conter despesas, ainda que excepcional. Por este motivo, o
Tesouro teve superávit em suas contas até abril, em relação a 2024.
Sem orçamento aprovado, o Executivo apenas em
maio pôde fazer um relatório sobre o desempenho de receitas e despesas,
usualmente bimestral, destinado a calibrar as ações para atingir a meta fiscal.
As emendas parlamentares entraram nessa contenção e o Legislativo deveria
colaborar também nesta área com seu quinhão de sacrifício. Afinal, quando se
computa o aumento das despesas da União, há que incluir as transferências para
Estados e municípios, que avançaram muito, e as próprias emendas. Pelos
cálculos de Bráulio Borges, os gastos da União em 2024, de 18,8% do PIB, foram
1,6 ponto percentual superiores à média de 17,2% entre 2006-2010, no segundo
mandato do presidente Lula. Ao menos 0,2% do PIB dessa elevação foi devido ao
aumento das transferências constitucionais, via Fundeb, muito ampliado pelo
Congresso a partir de 2021, e outros 0,4% do PIB das emendas.
Outro motivo de dissabor parlamentar contra o
pacote fiscal são as investidas do ministro Flavio Dino, do STF, ex-ministro da
Justiça de Lula, para garantir a transparência republicana da aplicação das
emendas. Dino fez muito para eliminar os resquícios do orçamento secreto e
disciplinar a prestação de contas sobre quem enviava e recebia verbas da União,
em que quantias e com quais finalidades. O ministro agora vê sinais de
obscuridade no acerto feito pelo Planalto para gastos compensatórios de emendas
travestidas em despesas obrigatórias do orçamento da Saúde. Para parcela dos
líderes do Centrão, porém, as ações de Dino são teleguiadas por Lula.
O Congresso deveria ajudar também a
racionalizar gastos, ao destinar as emendas para obras importantes incluídas no
planejamento centralizado do Executivo, evitando uma pulverização de recursos
anárquica, em projetos paroquiais com fins marcadamente eleitorais. Há enorme
desperdício de recursos da forma com que os parlamentares as alocam hoje, e
vários levantamentos indicam que grande parte das verbas é destinada a custeio
e não a investimentos necessários.
Não há dúvidas de que o atual pacote do
governo é arrecadatório. Motta, em pleito quase unânime, disse que é necessário
cortar e conter despesas, algo imprescindível. O Legislativo, que aprovou o
orçamento, tem todas as condições de indicar, em uma análise técnica, as
despesas que seriam adiáveis ou desnecessárias, incluindo entre elas as emendas
de que dispõe. Se o governo caminha em direção errada, cabe aos parlamentares
corrigir o rumo. Dessa forma, a discussão do projeto de decreto legislativo de
hoje deveria dar lugar a opções positivas sobre o pacote do governo, e não a um
negativismo com fortes laivos eleitorais.
Responsabilidade por desajuste fiscal é de
Lula
Folha de S. Paulo
Congresso tem culpa por buscar privilégios,
mas é ao Executivo que cabe estabelecer diretrizes de política econômica
Sem liderança política do Executivo, dada a
interdição de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) a qualquer
discussão sobre controle de despesas, o país permanece preso em crônica crise
fiscal, com as contas públicas em desajuste alarmante.
Depois de patrocinar um aumento de gastos
permanente de R$ 150 bilhões ao ano por meio da PEC da Gastança, ainda antes da
posse, e de adotar regras insustentáveis para a expansão de gastos
obrigatórios, o governo petista se limita a trabalhar com medidas paliativas,
visando chegar a 2026 sem uma crise aguda.
Diante da fragilidade política do Planalto e
de sua base parlamentar, não é surpresa a resistência do Congresso e da
sociedade à nova investida arrecadatória, que busca
aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e, por meio de
uma medida provisória, majorar outros tributos, como os incidentes sobre
instrumentos financeiros hoje isentos, apostas online e fintechs.
O impasse político em torno dessas medidas
—corretas, isoladamente, mas que teriam mais legitimidade se houvesse um plano
de contenção das despesas— é prova de que não será possível avançar sem um
compromisso claro do Palácio do Planalto.
Culpar gestões anteriores, como fez novamente
o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, é uma estratégia desgastada que não exime o governo Lula de
responsabilidade nem comprará alguma boa vontade do eleitorado.
A piora dos resultados é clara e decorre de
escolhas imprudentes da atual administração. Segundo a Instituição Fiscal
Independente (IFI), ligada ao Senado, o
resultado primário estrutural da União —que exclui gastos com juros e itens não
recorrentes do Orçamento— passou de um superávit de 0,3% do PIB em 2022
para déficits de 1,4% e 1,7% do PIB em 2023 e 2024, respectivamente.
Não há como esconder a deterioração dos
números, e a estratégia de elevar impostos pontualmente não resolverá o
problema.
O Congresso
Nacional não pode se eximir de culpa. A
hipocrisia parlamentar é flagrante: enquanto critica o aumento de impostos,
o Legislativo se recusa a abrir mão de emendas parlamentares, que alcançaram R$
52 bilhões em 2025.
Num toque quase caricatural, soube-se também
que o presidente da Câmara
dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
enquanto posa de arauto da responsabilidade fiscal, propõe
que parlamentares possam acumular salários e aposentadorias.
A resistência em discutir reformas
estruturais, como a desvinculação entre os gastos com saúde e educação e
o crescimento das receitas ou entre os benefícios previdenciários e o salário
mínimo, deixa em suspenso qualquer possibilidade de recuperar a capacidade
financeira e administrativa do Estado.
Lula faria melhor em abandonar a retórica
populista e liderar um entendimento nacional sobre o ajuste fiscal, sob pena de
legar uma herança maldita —possivelmente para si próprio.
Acelerar a revisão de prisões por porte de
maconha
Folha de S. Paulo
Tribunais têm dificuldade para rever casos
que seguem critérios definidos pelo STF, mantendo inocentes atrás das grades
Há quase um ano não é mais crime no Brasil
portar até 40 gramas de maconha ou
seis plantas fêmeas. Em 26 de junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal decidiu
que pessoas
nessa condição devem receber punição administrativa, sem consequências
penais.
No entanto verificaram-se atrasos e
dificuldades de tribunais e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em rever as
condenações dos casos estipulados pela Corte.
É preciso ressaltar que não se trata de um
entendimento trivial. O maior propulsor do encarceramento no país foi a Lei
de Drogas,
de 2006, devido à ausência no diploma de balizas legais para diferenciar
usuários de traficantes.
Dobrou de 14% para 28% a parcela de presos
por tráfico, condenados ou não, entre 2005 e 2014; no estrato feminino, a taxa
aumentou oito vezes entre 2002 e 2018. Boa parte dessas prisões se baseia em
pouca ou nenhuma prova da relação direta dos condenados com a estrutura do
comércio ilegal de drogas.
No mérito, a decisão do STF foi
correta, dado que o consumo pessoal de maconha é questão de foro privado e
deveria ser regulado a partir da garantia das liberdades individuais. O
Supremo, porém, invadiu a seara do Legislativo ao tipificar quantidades.
De todo modo, o estabelecimento de parâmetros
objetivos pode ajudar a conter a subjetividade policial e da Justiça em
investigações e julgamentos de crimes relacionados a drogas.
O problema, agora, é enfrentar a realidade
dos tribunais brasileiros. Surpreende que eles, até o momento, ainda não tenham
apresentado condições institucionais e capacidade técnica para rever as
condenações à luz da decisão do Supremo.
Uma portaria de maio deste 2025 do CNJ
determinou que os tribunais realizem um levantamento, até o dia 26 deste mês,
dos processos que se enquadrem nos critérios de porte estabelecidos pelo STF
—dados que as cortes já deveriam ter à mão. De 30 de junho a 30 de julho, o
conselho dará
início a um mutirão nacional para revisar os casos.
Não se trata de minimizar as dificuldades em
concretizar a medida, dado o número de presos no país que abriga a terceira
maior população carcerária do mundo, com mais de 852 mil detentos, segundo o
Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024.
Os desafios, contudo, não podem mais protelar
a soltura de pessoas que não deveriam estar atrás das grades. Também em prol da
justiça, o Congresso
Nacional precisa debater com respaldo técnico, em vez de ideologia, a
legalização das drogas leves.
Uma proposta esdrúxula
O Estado de S. Paulo
PEC que acaba com a reeleição no Executivo só
atende aos interesses dos atuais mandatários, bagunça eleições e agrava
problema da má qualidade da representação política no País
O Brasil não precisa de mais uma reforma
eleitoral, precisa de uma profunda reforma política. Reformas eleitorais já
houve tantas que, praticamente, não se registram na história recente do País
dois pleitos seguidos que tenham sido realizados sob as mesmas regras. Já uma
reforma política substancial, vale dizer, que se preste a acabar com a
barafunda partidária que só serve para empoderar e enriquecer a caciquia, a
ensejar uma aproximação real entre eleitores e candidatos e contribuir para um
debate mais racional e profícuo sobre os grandes temas nacionais, essa segue
intocada em Brasília.
Nesse sentido, a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 12/2022, aprovada há poucas semanas pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é mais uma que presta um desserviço ao
País. A leitura do texto, que agora aguarda votação no plenário da Casa antes
de seguir para a Câmara dos Deputados, revela que os senadores estão mais
preocupados em atender aos interesses particulares dos atuais mandatários –
como sói acontecer – do que em aprovar uma reforma que trate do problema
fundamental subjacente às sucessivas crises que marcam a vida política
nacional: a má qualidade da representação político-partidária.
Basta dizer que a principal mudança contida
na PEC 12/2022 é o fim da reeleição para cargos do Poder Executivo nas três
esferas da administração pública. Presidente da República, governadores e
prefeitos passariam a exercer um único mandato de cinco anos, em lugar dos
atuais quatro anos, sem possibilidade de disputar uma nova eleição consecutiva.
Os defensores da medida argumentam que seria uma forma de impedir que os
Executivos usem a máquina pública para fortalecer suas próprias candidaturas,
além de evitar que a busca por um novo mandato interdite o bom debate sobre os
problemas da União, dos Estados e dos municípios.
O relator da PEC 12/2022, senador Marcelo
Castro (MDB-PI), afirmou que “a introdução da reeleição (em 1997) foi
completamente contrária à nossa tradição republicana”, concluindo que “está
mais do que na hora de colocarmos fim a esse mal”. Ora, a reeleição está longe
de ser o maior problema político do País. Mais longe ainda está de ser um “mal”
por si só. A reeleição está consagrada em quase todas as democracias mais
sólidas do mundo. Não há nada de ilegítimo no interesse de um incumbente em
buscar a renovação de seu mandato, muito ao contrário. Em essência, a reeleição
é um referendo sobre uma gestão. E aos eleitores é dado expressar nas urnas sua
vontade livre e consciente de manter ou não no poder aquele ou aquela que ora
lhes governa. Acabar com a reeleição, portanto, é tratar os eleitores como
néscios, uma massa incapaz de discernir se o chefe de governo perverte seu
mandato para atingir objetivos pessoais, e não atender ao melhor interesse
público.
Outros absurdos contidos no texto, digno de
arquivo, são a extensão dos mandatos de deputados federais, estaduais e
vereadores para cinco anos e de senadores para nove anos, para eleitos em 2030,
e cinco anos, em 2034, além da unificação das eleições no País. Ou seja, se por
uma infelicidade a PEC 12/2022 for promulgada, só a cada cinco anos haverá
eleição no Brasil, o que obrigaria os cidadãos a escolher, em um único dia,
vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais,
senadores e presidente da República. Quão indigente será o debate sobre os
temas de interesse local e nacional diante de tamanha concentração de cargos em
disputa e questões sociais em jogo? É um despautério.
A reforma política de que o Brasil
verdadeiramente precisa deve incluir o agravamento da chamada cláusula de
barreira, de modo a sanear o quadro de representação partidária, e a introdução
do voto distrital para cargos do Poder Legislativo, meio mais inteligente de
aproximar os candidatos dos eleitores e, consequentemente, qualificar o debate
político no País. O Congresso já aprovou reformas positivas para a qualificação
da política nacional e tem capacidade para tratar uma das mais prementes
questões do País. Mas, em sua redação atual, a PEC 12/2022 é só mais um exemplo
de impulso reformista desconectado do interesse público.
Governismo de oposição
O Estado de S. Paulo
Com um governo sem rumo e impopular e um
Congresso que se assenhora do Orçamento, partidos oficialmente governistas
instituíram o ‘governismo de oposição’ – e Lula assiste inerte
Se o presidente Lula da Silva e seus arcontes
ainda tinham alguma dúvida, resta-lhes reconhecer com todas as letras: a base
de apoio ao governo no Congresso é hoje uma peça de ficção. Não se trata mais
apenas de admitir que o Executivo, politicamente frágil, está emparedado por um
Legislativo forte e ainda mais encorpado pelos poderes que adquiriu sobre o
Orçamento da União; que Lula e seus articuladores precisam lidar com uma base
governista heterogênea, fragmentada, muitas vezes hostil e quase sempre indócil;
ou que o governo coleciona uma constrangedora lista de derrotas. Trata-se de
algo ainda mais grave: não há, nas mãos do governo, uma base parlamentar capaz
de dar sustentação mínima às suas intenções legislativas. Mais do que uma base
desmilinguida, existe hoje um ânimo oposicionista não só no Congresso em geral,
mas entre aqueles que, oficialmente, são governistas.
Chama a atenção a audácia de partidos que
comandam ministérios de Lula, como o PP e o União Brasil, instituírem uma
modalidade nova na sempre singular política brasileira: o “governismo de
oposição” – ou, como queiram, o oposicionismo de governo. Em tal modelo, duas
siglas governistas, conscientes de que reúnem expressivos 109 deputados
federais e 14 senadores, o que lhes dá robustez e independência em relação ao
governo a despeito das pastas que ocupam, convocam a imprensa para dizer que
suas bancadas irão “fechar questão” contra a proposta do governo de aumento de
impostos com o objetivo de compensar o recuo nas medidas do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF). O presidente do União Brasil, Antonio Rueda, não
deixou dúvidas de que lado está: “A escalada de desequilíbrio fiscal criada
pelo atual governo entrou numa rota sem saída”, disse ele, para quem “taxar,
taxar e taxar não pode e não será nunca a saída”.
Esse é o preço que Lula tem a pagar tanto
pela incompetência política no manejo de sua coalizão quanto pela malandragem
explícita em matéria fiscal e tributária. O presidente já havia dado vexame ao
editar o decreto de aumento do IOF. Informado da insatisfação dos deputados, o
governo precisou apresentar alternativas – e novamente ficou clara a intenção
de cumprir a meta fiscal pela via do aumento das receitas, mantendo intocado
qualquer ajuste estrutural pelo lado das despesas. Sem plano fiscal consistente
e duradouro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, optou por “gambiarras
tributárias”, para usar a definição do presidente da Câmara, Hugo Motta. E
assim o governo conseguiu o impensável: transformou um Congresso formado em
grande medida por cupins do Orçamento público em modelo de preocupação com o
gasto público. Nessa história, contudo, não há nem ingênuos nem heróis.
À notória incapacidade governista de exibir
preocupação fiscal se soma o oportunismo de partidos que estão na franja do
governo: de um lado, essas legendas sabem que a popularidade e a perspectiva de
poder são dois atrativos irresistíveis, que ajudam a modular escolhas em
votações importantes – e que, ao contrário, a impopularidade lulista e a
proximidade de um ciclo eleitoral adverso para Lula são dois fatores que as
afastam das hostes do atual governo. De outro lado, veem um dedo do governo na
nova ofensiva do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, sobre as
emendas parlamentares. O mal-estar chegou à ministra Gleisi Hoffmann, da
Secretaria de Relações Institucionais, com um recado: a iniciativa pode
contaminar o pacote de Haddad. Ademais, a Comissão Mista do Orçamento atrelou o
projeto que isenta do Imposto de Renda que ganha até R$ 5 mil ao aumento do
número de deputados e à recuperação de verbas do chamado orçamento secreto.
É Brasília em sua melhor forma: um Congresso
que tenta preservar a musculatura adquirida com o peso das emendas
parlamentares, um governo impopular, emasculado e sem plano de voo claro, e um
Centrão observando a direção dos ventos eleitorais em 2026. Com esse amálgama,
o governo enfrentará, até o fim do mandato, mais do que instabilidades e
derrotas legislativas. Precisará lidar com os sinais trocados de uma base que
se opõe e um governo que não governa. Enquanto isso, Lula – aquele que até
pouco tempo atrás era visto como mestre na arte do convencimento e da
articulação política – assiste inerte.
A ridícula CPI das Bets
O Estado de S. Paulo
Final humilhante da comissão expôs a força do
lobby da jogatina e a fraqueza do Senado
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das
Bets foi encerrada de forma humilhante no dia 12 passado. Por 4 votos a 3, o
colegiado rejeitou o relatório final apresentado pela senadora Soraya Thronicke
(Podemos-MS), que pedia o indiciamento de 16 pessoas. Evidentemente, o poderoso
lobby da jogatina no Congresso sobrepujou o interesse público.
A esta altura, já não é novidade para ninguém
o grande mal que as bets causam às famílias, à sociedade e ao País,
enriquecendo uns poucos empresários à custa da desgraça de milhões de pessoas.
Também é sobejamente conhecido o envolvimento de celebridades do esporte, das
artes e das redes sociais – os tais influencers – que usam sua
reputação para aumentar o número de apostadores e, em retorno, embolsar
polpudos cachês e comissões. E nem sempre esse marketing de influência é
explorado de forma lícita, razão pela qual o objeto da CPI das Bets era
justamente investigar “a crescente influência dos jogos virtuais de apostas
online no orçamento das famílias brasileiras, além da possível associação com
organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro”.
Como a história registra, o fracasso de uma
CPI não é algo inédito no País. A bem da verdade, é o sucesso de uma
investigação parlamentar que, em geral, tem sido digno de nota. Raras foram as
CPIs que elucidaram fatos, propuseram indiciamentos e levaram à punição de
criminosos e ao aprimoramento do arcabouço legislativo brasileiro, seu
principal objetivo. Mas o que torna o ocaso da CPI das Bets particular é a
própria autossabotagem dos trabalhos da comissão por alguns de seus membros ou
forças políticas e econômicas a eles coligadas. A rejeição do relatório final é
a materialização dessa pusilanimidade.
O término estéril da CPI das Bets causa a
impressão de que a comissão foi criada exatamente para isto, para dar em nada.
O circo em que se transformaram algumas sessões, com senadores bajulando, ao
invés de inquirir, testemunhas ou investigados, já antecipava a palhaçada
final. É uma pena, pois há evidências consistentes de que muitas bets foram
criadas com o objetivo de lavar dinheiro advindo de atividades criminosas,
quando não a própria exploração das apostas online ocorrer por meio de fraudes.
Ora, se bets legais, vale dizer, autorizadas a atuar no mercado de
apostas pelo Ministério da Fazenda, já são usadas para fins ilícitos, que dirá
as ilegais, que operam na clandestinidade.
Como se vê, o Senado perdeu uma excelente
oportunidade, talvez por razões inconfessáveis, de moralizar uma atividade
comercial que está cada vez mais presente na vida dos brasileiros. Malgrado ter
visto seu relatório ser rechaçado pelos pares, a senadora Soraya informou que
enviará suas conclusões ao Ministério Público Federal e aos Ministérios da
Fazenda e da Justiça e Segurança Pública.
Agora, resta torcer para que as autoridades responsáveis, livres das pressões que deformaram a CPI das Bets, cumpram seu dever. Os problemas que o Senado deliberadamente se recusou a enfrentar não desapareceram.
A urgência da segurança pública
Correio Braziliense
A eficácia de um plano de melhorias tem de
englobar o trabalho de variados entes estatais, de organizações e da população
Na última quarta-feira, foi divulgado o Mapa
da Segurança Pública de 2025. Os dados, levantados pelo governo federal,
mostraram que, em 2024, o Brasil registrou 35.365 homicídios dolosos (quando há
intenção de matar) contra 37.754 no ano anterior — uma redução de 6,3%. Em uma
realidade de violência constante, uma vez que a média é de 97 crimes desse tipo
por dia, a queda é importante, mas o alto número revela o enorme desafio que o
país enfrenta para garantir tranquilidade aos cidadãos.
A violência urbana assusta e acua a
população, ao mesmo tempo em que preocupa políticos e gestores da segurança. A
pauta atravessa décadas e deixou de ser uma questão presente em debates nos
grandes centros urbanos. Hoje, também tira o sono de moradores de cidades de
menor porte. Enquanto as estatísticas seguem alarmantes, as soluções para a
questão parecem não avançar na velocidade necessária.
O ministro da Justiça e da Segurança Pública,
Ricardo Lewandowski, aposta na aprovação da PEC que coloca na Constituição o
Sistema Único da Segurança Pública, atualmente em tramitação no Congresso. Para
ele, o mecanismo vai suprir a carência de diretrizes nacionais para combater a
criminalidade e dar maior racionalidade aos investimentos destinados à área. A
medida é importante, porém não resolverá tudo.Ter uma gerência integrada das
forças de segurança é essencial, uma vez que as facções demonstram cada vez
mais organização e abrangência territorial. Só que é preciso ir além.
Nacionalmente, o enfrentamento ao crime vai
do latrocínio motivado por um celular às ações com maior complexidade. Sob a
gestão dos estados, as polícias militares, responsáveis pela proteção
ostensiva, são chamadas a dar respostas que em muitos casos dependem do
envolvimento de outras esferas, como a dos agentes de averiguação. Os
investimentos em ferramentas tecnológicas e capacidade estrutural precisam
crescer e ser aplicados com eficiência. Oferecer meios para que as
investigações, baseadas em serviços de inteligência, alcancem um ritmo à frente
dos grupos criminosos é urgente.
A complexidade da Justiça e a impunidade são
outros desafios. É preciso pensar se os inquéritos viram denúncias, que
resultam em julgamentos e em cumprimento devido das penas. Analisar essa
sequência de funcionalidade pode ajudar na identificação e correção das
distorções.
Da mesma forma, a percepção de uma falência
crônica da situação carcerária no país exige discussões. A péssima condição dos
presídios e a corrupção que os cercam são problemas a serem sanados. Não é
novidade que grande parte dos condenados volta a praticar o delito, às vezes,
pior do que aquele que o levou à prisão.
Portanto, a segurança pública não é um tema
isolado que fique a cargo de uma instituição. A eficácia de um plano de
melhorias tem de englobar o trabalho de variados entes estatais, de
organizações e da população. O senso de cooperação entre a União, os estados e
municípios precisa estar sempre afinado, possibilitando a harmonia da atuação
conjunta. Uma estratégia nacional, que deixe para trás interesses pontuais, é o
caminho para encontrar saídas ao imenso emaranhado de ataques que tiram a paz
das pessoas.
Modernização, reestruturação e participação são pilares para combater a insegurança. Medidas nada inusitadas diante de uma condição que se arrasta — e se agrava —, deixando a cada dia os brasileiros mais inconformados. O país não pode seguir apresentando índices altos de violência — e isso em várias esferas, não somente de homicídios dolosos. Nesse contexto, torna-se prioridade máxima uma profunda reavaliação do que vem sendo feito contra a marca impetuosa da criminalidade.
Proteção às mulheres no Brasil é dever de
todos
O Povo (CE)
O Mapa da Segurança Pública de 2024,
divulgado pelo Ministério da Justiça em junho, mostrou o que a realidade
brasileira já escancara em ocorrências e manchetes: o aumento dos casos de
violência contra a mulher. Os dados compilados a partir das bases dos estados
brasileiros mostraram que houve aumento de 0,69% nas mortes violentas de
mulheres. No ano passado, pelo menos quatro mulheres morreram por dia vítimas
de feminicídio no Brasil.
O total de 1.459 mortes por razões
relacionadas ao gênero é o maior da série histórica do Mapa, iniciada em 2013.
As tentativas de homicídio de vítimas do sexo feminino também cresceram, neste
caso, de 16,1%, somando 8.648 no ano passado.
Houve também aumento dos estupros, que
somaram 71.834 vítimas. São 196 mulheres estupradas por dia. Os números,
entretanto, devem ser ainda maiores, considerando o peso da subnotificação, da
falta de acesso e de apoio às mulheres.
O crescimento, conforme o levantamento, vai
na contramão dos homicídios dolosos, que apresentaram redução de 6,33% em
relação a 2023. A taxa de latrocínios - roubos seguidos de morte - também
diminuiu, na margem de 1,6%. Crimes que podem ter relação direta com a
problemática das organizações criminosas, um dos maiores desafios atuais da
segurança pública do País.
No resumo de índices para apresentação
compilada, o Ministério destaca algumas iniciativas a nível federal para o
enfrentamento de crimes contra as mulheres. Como a padronização de informações
de vítimas de violência doméstica e familiar, com o objetivo de identificar
riscos de morte antes que o feminicídio aconteça.
O olhar da prevenção é um dos mais
importantes para que a epidemia da violência contra a mulher diminua suas
vítimas. Zere. E muitos componentes sociais, políticos e jurídicos precisam
estar envolvidos para que as mortes evitáveis não aconteçam. Políticas que
promovam independência cultural e financeira, rede de apoio e acolhimento
eficientes e acessíveis, educação de gênero nas escolas, capacitações contínuas
a profissionais que atuam com os casos.
O Brasil da Lei Maria da Penha já avançou -
muito e após anos de lutas e violências - na formulação de leis que tentam
proteger e punir mais. Mas não basta. É preciso compreender, em suas raízes, o
que se configura o machismo estrutural e sua relação direta com os casos de
violência contra a mulher. Para isso, o esforço precisa ser abrangente,
contínuo, compartilhado e prioritário.
Precisa gerar impacto nas relações íntimas, conjugais, sociais, policiais, de saúde e jurídicas. Demanda haver diálogo entre prevenção, ação e punição. Mudar a cultura que faz as mulheres vítimas se faz urgente no Brasil e perpassa por todos os segmentos da sociedade.
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