segunda-feira, 16 de junho de 2025

Israel e a dominação do Hamas - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Se a ação militar de Israel em Gaza seguir restrita ao uso da força, corre o risco de perder a batalha pela mente da população e de setores importantes da opinião pública

Um dos aspectos críticos da ofensiva israelense em Gaza tem consistido na ausência de trabalho junto da população civil, aprisionada, em certo sentido, entre o Hamas e as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), embora fosse até agora um sustentáculo do grupo terrorista. Israel já derrotou militarmente o Hamas, mas nada fez para anular seu domínio sobre a população civil, que continuou a ser capturada e dominada por ele. Conquistava territórios e, depois, os abandonava, como se o seu trabalho estivesse concluído.

Tornou-se refém de um círculo vicioso, com o Hamas vindo logo a ocupar esse território abandonado, mantendo a população civil sob seu jugo, tentando implantar-se novamente, e Israel voltando a atacar, e assim por diante. A IDF não passava para uma outra fase, a de ajudar a população civil, rompendo com esse círculo vicioso, mostrando na prática que uma outra vida é possível, baseada no fornecimento de mantimentos, assistência hospitalar e, posteriormente, educação.

Ao não fazê-lo, deixou o espaço livre para que o Hamas voltasse a capturar o espaço que tinha perdido. E ele o fez enquanto força policial, por meio de seus grupos violentos de segurança, perseguindo e assassinando os que tinham eventualmente colaborado com Israel. Dessa maneira, continuou a apoderar-se da ajuda humanitária, saqueando comboios, apropriando-se de mantimentos para seu uso e também revendendo-os a preços exorbitantes para os palestinos. Controlava este “seu mercado”. Seus líderes, assim tornados bilionários, vivem confortavelmente no Catar. A hipocrisia não tem limites e muitos ainda acreditam nela!

Em consequência, ao extorquir a população, arrecada recursos para pagar seus militantes e recrutar novos. E a ajuda “humanitária” é um meio de financiamento. Tudo isso com a cumplicidade e o beneplácito das agências da ONU, em particular da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA). O Hamas consegue, todavia, alardear entre a opinião pública mundial uma preocupação sua com a população, tendo obtido, inclusive, a adesão de países europeus. Mantém, assim, a sua autoridade policial, como se fosse algo normal. Anormal, porém, consiste em apoiá-lo como o faz o presidente Lula, com toques cada vez mais acentuados de antissemitismo.

Agora, o jogo está mudando.

Em maio de 2025, Israel, com o suporte dos EUA, contratou uma ONG suíça para efetuar a distribuição de mantimentos em Gaza. Há uma mudança de estratégia. Os seus membros são americanos, voluntários, enquanto a IDF, naqueles perímetros, executa o trabalho de proteção militar. Mantimentos são, então, distribuídos diretamente, não passando pela mediação do Hamas, que fica, portanto, sem qualquer forma de controle da população civil, perdendo a sua autoridade. Tentou impedir que isso acontecesse, mas os palestinos acorreram, não obedecendo às diretrizes terroristas, o que não deixa de ser um ato de revolta. A barreira do medo está sendo vencida. Um homem chegou a agradecer, num vídeo que viralizou, “a todos os que nos ajudam, sejam eles muçulmanos, americanos ou infiéis”, com crianças em torno dele carregando nos ombros os fardos.

Imediatamente, vendo o perigo de rompimento de sua dominação sobre a população civil, o Hamas reagiu por intermédio de uma campanha internacional denunciando Israel por prestar essa ajuda. Ataca, inclusive, no campo, a ajuda humanitária que apregoa defender. Assassina os seus trabalhadores. Os porta-vozes da ONU, que podem ser denominados de porta-vozes do Hamas, passaram a declarar que a ajuda humanitária teria perdido a sua “neutralidade”.

Ora, o argumento chega a ser hilário, uma vez que a UNRWA era e é completamente instrumentalizada por essa organização terrorista, fazendo seu jogo e conferindo-lhe uma aparência de reconhecimento internacional.

Essas agências temem, aliás, perder a sua função e as suas fontes de financiamento. Nunca tiveram nem têm qualquer preocupação com a neutralidade, sendo sempre parciais, além de mentirosas.

Se um determinado território é ocupado militarmente, após ter estado sob a dominação islamista radical, torna-se um fator central agir junto dessa população, para lhe mostrar que o medo e a violência podem ser erradicados.

Se o espaço ficar vazio politicamente e ideologicamente, os terroristas voltarão a ocupá-lo. Israel deveria preocupar-se primordialmente, nesta nova fase, com o bem-estar material, proteger escolas, hospitais e centros de abastecimento – preocupações essas que não fazem parte da cartilha do Hamas.

Se a ação militar israelense permanecer restrita ao uso da força, ela corre o sério risco de perder a batalha pela mente da população e de setores importantes da opinião pública. E a opinião pública é um fator importante da própria estratégia de guerra, pela influência que exerce em diferentes governos, sobretudo os democráticos. Muitos têm caído na armadilha ideológica dos terroristas, a começar pelo governo brasileiro, cujos membros chegam a ser, alguns, protagonistas. Já nem mais escondem sua parcialidade e os seus interesses.

*Professor de filosofia na Ufrgs

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