O Estado de S. Paulo
Se a ação militar de Israel em Gaza seguir restrita ao uso da força, corre o risco de perder a batalha pela mente da população e de setores importantes da opinião pública
Um dos aspectos críticos da ofensiva israelense em Gaza tem consistido na ausência de trabalho junto da população civil, aprisionada, em certo sentido, entre o Hamas e as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), embora fosse até agora um sustentáculo do grupo terrorista. Israel já derrotou militarmente o Hamas, mas nada fez para anular seu domínio sobre a população civil, que continuou a ser capturada e dominada por ele. Conquistava territórios e, depois, os abandonava, como se o seu trabalho estivesse concluído.
Tornou-se refém de um círculo vicioso, com o
Hamas vindo logo a ocupar esse território abandonado, mantendo a população
civil sob seu jugo, tentando implantar-se novamente, e Israel voltando a
atacar, e assim por diante. A IDF não passava para uma outra fase, a de ajudar
a população civil, rompendo com esse círculo vicioso, mostrando na prática que
uma outra vida é possível, baseada no fornecimento de mantimentos, assistência
hospitalar e, posteriormente, educação.
Ao não fazê-lo, deixou o espaço livre para
que o Hamas voltasse a capturar o espaço que tinha perdido. E ele o fez
enquanto força policial, por meio de seus grupos violentos de segurança,
perseguindo e assassinando os que tinham eventualmente colaborado com Israel.
Dessa maneira, continuou a apoderar-se da ajuda humanitária, saqueando
comboios, apropriando-se de mantimentos para seu uso e também revendendo-os a
preços exorbitantes para os palestinos. Controlava este “seu mercado”. Seus
líderes, assim tornados bilionários, vivem confortavelmente no Catar. A
hipocrisia não tem limites e muitos ainda acreditam nela!
Em consequência, ao extorquir a população,
arrecada recursos para pagar seus militantes e recrutar novos. E a ajuda
“humanitária” é um meio de financiamento. Tudo isso com a cumplicidade e o
beneplácito das agências da ONU, em particular da Agência das Nações Unidas de
Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA). O Hamas
consegue, todavia, alardear entre a opinião pública mundial uma preocupação sua
com a população, tendo obtido, inclusive, a adesão de países europeus. Mantém,
assim, a sua autoridade policial, como se fosse algo normal. Anormal, porém,
consiste em apoiá-lo como o faz o presidente Lula, com toques cada vez mais
acentuados de antissemitismo.
Agora, o jogo está mudando.
Em maio de 2025, Israel, com o suporte dos
EUA, contratou uma ONG suíça para efetuar a distribuição de mantimentos em
Gaza. Há uma mudança de estratégia. Os seus membros são americanos,
voluntários, enquanto a IDF, naqueles perímetros, executa o trabalho de
proteção militar. Mantimentos são, então, distribuídos diretamente, não
passando pela mediação do Hamas, que fica, portanto, sem qualquer forma de
controle da população civil, perdendo a sua autoridade. Tentou impedir que isso
acontecesse, mas os palestinos acorreram, não obedecendo às diretrizes
terroristas, o que não deixa de ser um ato de revolta. A barreira do medo está
sendo vencida. Um homem chegou a agradecer, num vídeo que viralizou, “a todos
os que nos ajudam, sejam eles muçulmanos, americanos ou infiéis”, com crianças
em torno dele carregando nos ombros os fardos.
Imediatamente, vendo o perigo de rompimento
de sua dominação sobre a população civil, o Hamas reagiu por intermédio de uma
campanha internacional denunciando Israel por prestar essa ajuda. Ataca,
inclusive, no campo, a ajuda humanitária que apregoa defender. Assassina os
seus trabalhadores. Os porta-vozes da ONU, que podem ser denominados de
porta-vozes do Hamas, passaram a declarar que a ajuda humanitária teria perdido
a sua “neutralidade”.
Ora, o argumento chega a ser hilário, uma vez
que a UNRWA era e é completamente instrumentalizada por essa organização
terrorista, fazendo seu jogo e conferindo-lhe uma aparência de reconhecimento
internacional.
Essas agências temem, aliás, perder a sua
função e as suas fontes de financiamento. Nunca tiveram nem têm qualquer
preocupação com a neutralidade, sendo sempre parciais, além de mentirosas.
Se um determinado território é ocupado
militarmente, após ter estado sob a dominação islamista radical, torna-se um
fator central agir junto dessa população, para lhe mostrar que o medo e a
violência podem ser erradicados.
Se o espaço ficar vazio politicamente e
ideologicamente, os terroristas voltarão a ocupá-lo. Israel deveria
preocupar-se primordialmente, nesta nova fase, com o bem-estar material,
proteger escolas, hospitais e centros de abastecimento – preocupações essas que
não fazem parte da cartilha do Hamas.
Se a ação militar israelense permanecer
restrita ao uso da força, ela corre o sério risco de perder a batalha pela
mente da população e de setores importantes da opinião pública. E a opinião
pública é um fator importante da própria estratégia de guerra, pela influência
que exerce em diferentes governos, sobretudo os democráticos. Muitos têm caído
na armadilha ideológica dos terroristas, a começar pelo governo brasileiro,
cujos membros chegam a ser, alguns, protagonistas. Já nem mais escondem sua
parcialidade e os seus interesses.
*Professor de filosofia na Ufrgs
Nenhum comentário:
Postar um comentário