Por Sofia Aguiar, Renan Truffi e Fernando Exman / Valor Econômico
Ministra diz que fará novas reuniões com
lideranças do Congresso sobre corte de despesas
Com a responsabilidade de
resolver um dos maiores impasses do governo Lula nesta terceira gestão, a
ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), está adotando uma
postura pragmática quanto às negociações em torno do novo pacote fiscal. O governo,
diz ela, vai tentar demover os parlamentares de derrubarem as medidas, mas
alerta: se os congressistas insistirem nesse caminho, o resultado vai afetar
também as emendas do Legislativo porque um novo contingenciamento e bloqueio
das contas públicas será inevitável: “Bate aqui e bate lá”.
Gleisi
recebeu o Valor para
uma conversa sobre o cenário conturbado vivido pelo Planalto nos últimos dias.
Apesar da situação, a ministra avalia que o Executivo acerta nas propostas e
faz acenos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que era alvo frequente de
suas críticas enquanto presidente do PT.
De acordo com ela, o governo fará novas reuniões com lideranças do
Congresso para avançar nas discussões sobre corte de despesas. Por outro lado,
descarta qualquer alteração nos pisos de saúde e educação e na desvinculação
dos benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo.
Sobre
as críticas de que o governo precisa ir além do aumento da arrecadação, Gleisi
rebate e pede que tais partidos proponham um texto nesse sentido. “Ninguém quer
votar medida impopular. Da esquerda à direita. Ninguém quer pôr o dedo na
castanha quente”, disse.
De olho
no cenário eleitoral de 2026, a titular da articulação política acredita que
Lula “chegará bem” ao pleito, mesmo sob queda de aprovação da gestão petista.
Porém, para ela, o chefe do Executivo federal tem que viajar mais pelo Brasil
como forma de promover o governo.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: O
Congresso tem cobrado do governo medidas estruturantes, mas, ao mesmo tempo,
não está ajudando no avanço dessas medidas. Qual sua avaliação sobre isso?
Gleisi Hoffmann: As medidas que nós
apresentamos agora ao Congresso são medidas estruturantes porque elas atacam
privilégios tributários. São medidas para que setores que não pagam nenhum tipo
de imposto ou pagam pouco passem a pagar mais. E são setores com muito dinheiro.
Então, acho que são medidas estruturantes, sim, e atacam despesas tributárias.
Valor: Mas
existe uma dúvida se o governo não está misturando dois conceitos, ou seja, um
que é o de distorções do sistema tributário e o outro as chamadas medidas
estruturantes. Alguns especialistas apontam essas diferenças...
Gleisi: Combater privilégios, para mim, é
estruturante, porque isso drena os recursos do Orçamento, além de ser uma
injustiça do ponto de vista social e econômico. E nós estamos enviando nessa
medida provisória algumas medidas relativas à despesa, como em relação ao
Seguro Defeso, às compensações previdenciárias e o Pé-De-Meia, que foi para
dentro do orçamento da educação. Isso não é pouca coisa. Nós só não mandamos
outras medidas porque ficamos de discutir com os líderes e com os presidentes
das Casas num segundo momento.
Valor: É uma contradição do Congresso
exigir que o governo corte mais despesas, mas, em outra frente, pedir mais
emendas parlamentares ao Orçamento?
Gleisi: O Congresso também está sofrendo um corte porque nós fizemos um contingenciamento e bloqueio que são em cima de emendas, que são despesas discricionárias. O arcabouço fiscal vale tanto para o Executivo como para o Congresso.
"Ninguém quer votar medida impopular. Ninguém quer pôr o dedo na castanha quente”
Valor: E
a limitação dos supersalários e a reforma da previdência dos militares, temas
defendidos pelo governo e que estão em segundo plano no Congresso?
Gleisi: São medidas que ficaram para
discutirmos na próxima reunião. Nós temos que pegar um conjunto de medidas que
dizem respeito às despesas para fazer essa discussão.
Valor: Quando
deve ser essa próxima reunião?
Gleisi: Nós vamos combinar com o presidente
Hugo Motta. Ele vai fazer a reunião [na segunda-feira] com os líderes e nós
vamos combinar [esse encontro].
Valor: Nesta
segunda-feira (16), também vão colocar em votação a urgência do PDL que susta o
decreto do governo do IOF, sob a justificativa de que não foram apresentadas
medidas de corte de despesa. Com qual cenário a senhora trabalha?
Gleisi: O novo decreto do IOF mostra o
empenho que o governo tem para dialogar com o Congresso. E [o decreto] foi
feito conversando com os líderes, adequando-se ao que eles falaram, porque a
gente queria fazer a coisa de forma compartilhada. É muito importante para que
a gente tenha espaço fiscal no Orçamento, inclusive, para que possamos
descontingenciar o Orçamento tanto para o Executivo como para o Legislativo. Se
isso não acontecer, todo mundo vai sofrer com um aperto orçamentário. Penso que
conseguiremos demovê-los de votar a derrubada do decreto no diálogo. Com um bom
diálogo, manteremos o decreto.
Valor: E a medida provisória?
Gleisi: Nós vamos ter 180 dias para fazer o
debate da medida provisória com a Casa. O Congresso também tem legitimidade de
fazer as adequações. Queremos sentar e ver onde que podemos fazer adequações.
Valor: O
governo se surpreendeu com essa postura do Motta de pautar a urgência do PDL?
Gleisi: Eu vejo que o presidente Motta sofre
muita pressão, não só dos parlamentares, mas também de setores [da economia].
Obviamente, ele deu vazão a essas outras vozes que acabaram pressionando por
uma posição. Acho que chegaremos a um bom termo.
Valor: Há
uma avaliação de que a reação contundente do Congresso ao pacote tem relação
com o fluxo de liberação de emendas. O que é verdade nisso?
Gleisi: Neste ano nós temos uma situação bem
diferente porque o Orçamento ficou pronto em abril. Entre ser sancionado e ele
[Orçamento] receber as emendas parlamentares tem um tempo. Nós começamos a
empenhar as emendas individuais agora. E é importante dizer também que, com a
lei que foi votada em cima do acordo feito com o STF, nós estamos com um
processo orçamentário bem mais complexo, com várias exigências. Isso realmente
acaba impactando [na liberação das emendas].
Valor: Essas
novas regras estabelecidas pelo STF para o pagamento de emendas têm sido um dos
motivos que fizeram o Congresso ficar mais hostil às medidas do governo?
Gleisi: Eu acho que o Congresso realmente reclamou porque, obviamente, os parlamentares querem que as emendas já estejam sendo distribuídas. Eles estão andando nas suas bases, conversando com os prefeitos e, vamos lembrar, nós estamos em ano pré-eleitoral. Isso tudo tem influência no humor e no comportamento parlamentar. Mas não tem como fazer milagre. Não teve, por parte do Executivo, nenhuma intenção de prender o Orçamento, de não liberar emendas, zero.
"Nós temos o dever de não deixar a extrema-direita ganhar novamente a eleição no Brasil”
Valor: Se o Congresso derrubar o
decreto e o pacote fiscal, o governo vai tentar mantê-lo via STF?
Gleisi: Eu espero que isso não aconteça
porque seria muito ruim para o Brasil. E o Congresso tem responsabilidade com
esse país e com o arcabouço fiscal que ele também aprovou. Se acontecer isso em
última instância, nós vamos aumentar o contingenciamento e o bloqueio [do
Orçamento]. Isso seria ruim também para o Congresso com as emendas, que são
igualmente submetidas a bloqueio e contingenciamento.
Valor: Qual
o tamanho do contingenciamento necessário, caso o Congresso derrube o pacote?
Gleisi: A Fazenda trabalha [nos cálculos] e
não me passou. Nós estamos acreditando que as medidas que estamos enviando
sejam aprovadas, se não integralmente como estão, mas em sua maioria. Mas
sempre caberá ao Congresso 25% do contingenciamento, porque as emendas
parlamentares são parte dos recursos discricionários. Eles [congressistas] já
estão impactados com o corte que foi feito. O Congresso aprovou essas regras,
então bate aqui e bate lá.
Valor: Um
dos pontos nesse conjunto de propostas é a redução dos gastos tributários. Como
é que isso vai ser atacado? Vai ser enviado um novo projeto ao Congresso ou
não? Deve ser um corte de 10%, linear para todos os benefícios tributários?
Gleisi: A priori, essa é a ideia, de ser 10%
linear, por meio de um projeto de lei complementar. Tem um projeto que já foi
aprovado pelo Senado [de autoria do senador Espiridião Amin (PP-SC)], está na
Câmara e que pode ser uma opção. Em vez de o governo mandar uma proposta, esse
projeto pode ser a base para apresentarmos junto com os parlamentares um
substitutivo, adequando o projeto àquilo que nós estamos achando que é o ideal,
que é o justo sobre essa questão dos benefícios tributários. O relatório que aprovou
as contas da União no TCU [Tribunal de Contas da União] faz algumas ressalvas.
Uma delas é benefício tributário e a outra é volume de emendas.
Valor: Qual é a estratégia nesse corte
linear de 10% dos benefícios tributários? Isso deixa muitos setores um pouco
descontentes em vez de poucos setores muito descontentes. É mais fácil aprovar
por isso?
Gleisi: A avaliação dos líderes e também dos
presidentes [da Câmara e Senado] é que é mais fácil aprovar [desta forma]. Foi
uma proposta que foi verbalizada para nós pelo presidente Hugo Motta.
Valor: Para
especialistas, o governo pode perder a oportunidade de avaliar a qualidade dos
incentivos tributários individualmente, como a Zona Franca de Manaus e o
Simples Nacional.
Gleisi: Esses [casos] são previstos na
Constituição. Nós vamos trabalhar com uma lei complementar a priori, então não
pegariam esses dois benefícios que você citou. Mas pegam uma parte grande de
benefícios. A Fazenda está fazendo um estudo sobre isso. Não é uma matéria que
já tem um martelo batido sobre como vai ser.
Valor: Quais
setores a senhora avalia que precisam contribuir nessa questão? A senhora
enxerga algum setor com benefícios exacerbados?
Gleisi: A medida provisória já responde,
quando, por exemplo, prevê um imposto de 5% sobre a LCA e LCI. Não compreendo a
gritaria sobre isso. Nós estamos falando de cobrar imposto de rentista. Hoje
nós temos, entre esses fundos, R$ 1,7 trilhão [em benefícios]. Por que não pode
pagar um pouco de imposto? Não é o agricultor que vai pagar imposto. Aliás,
essas letras são interessantes. Porque o que elas captam, 50% vão mais ou menos
para financiar a atividade produtiva e 50% ficam na instituição financeira. O rentista
ganha dos dois e não paga nada. O trabalhador médio, uma empregada, uma
professora, pode pagar até 27,5% de Imposto de Renda. Então, é uma gritaria
muito injusta. Aumentar o imposto das bets é correto: foi de 12% para 18% e eu
acho que poderia ser até mais. A questão de taxação maior dos bancos, com o
JCP, e aumentar os impostos para as fintechs e equiparar.
Valor: Qual sua opinião sobre a defesa
de Motta para uma reforma administrativa?
Gleisi: Se você me perguntar se o governo vai
querer fazer uma grande reforma, não está no nosso radar. Nós já fizemos
algumas grandes reformas nos últimos tempos. Então também tem que dar um tempo
para que isso possa ter impacto na realidade. Agora, buscar medidas de
eficiência administrativa, o governo não é contra, vai colaborar.
Valor: A
senhora vê alguma medida de corte de gasto mais madura?
Gleisi: Não, não vejo nenhuma mais madura.
Discutimos todas essas medidas de despesa e, quando chega na hora de votar,
também tem resistência da base parlamentar. Ninguém quer votar medida
impopular. Da esquerda à direita. Ninguém quer pôr o dedo na castanha quente.
Eu acho tão bonito falar que tem que ter medidas de corte, eu até vi a
entrevista do pessoal do União Brasil com o PP. Apresente as medidas de corte.
Já vem com a assinatura de toda a bancada para ver se dá jeito de passar.
Porque essa é a realidade que enfrentamos. Não adianta tapar o sol com a
peneira.
Valor: Tem
previsão de mexer com pisos de saúde e educação e desvinculação do salário
mínimo?
Gleisi: Não tem possibilidade de mexer nisso.
Valor: A
questão do Fundeb que o ministro Haddad apresentou, é consensual no governo?
Ela reduziria o volume de aportes que o governo federal precisaria fazer
agora...
Gleisi: É algo que o governo discute e pode
discutir com o Congresso. Obviamente que tem que discutir com os parlamentares,
com a bancada da educação, que é muito forte no Congresso. Isso é
constitucional, ou seja, precisa de uma PEC.
Valor: Enquanto
presidente do PT, a senhora fazia críticas à política fiscal de Haddad. O que
mudou?
Gleisi: Eu era crítica ao arcabouço fiscal,
mas fui vencida nessa discussão. A parte maior ganhou, o governo implementou,
nós temos que fazer as entregas. E acho que as medidas que o ministro Fernando
Haddad está propondo agora são bastante efetivas para um equilíbrio
orçamentário e trazem justiça tributária. Por isso que eu não entendo essa
gritaria.
Valor: Haverá um pente-fino em relação
às siglas que compõem a base aliada, mas votam contra?
Gleisi: Tem dois tipos de apoios partidários.
Aquele apoio em que você faz uma coligação formal e um apoio em que você não
faz uma coligação formal, mas você tem, pelo menos, uma parte desse partido
apoiando a candidatura. O que nos cabe é procurar buscar e agregar para que
esses partidos venham da forma mais inteira possível para uma aliança em 2026.
Se não vierem formalmente, queremos que setores relevantes deles estejam junto
com o presidente Lula.
Valor: Como
a senhora acha que Lula vai chegar à eleição de 2026, diante da queda de
popularidade?
Gleisi: Ele vai chegar bem. Nós temos o dever
de não deixar a extrema-direita ganhar novamente a eleição no Brasil. Nós
vínhamos recuperando [a aprovação nas pesquisas] e teve uma interrupção. Penso
que isso se deve muito à situação do INSS. Acaba que a população também está
tendo uma visão de desgaste.
Valor: Há
uma espécie de cansaço em relação à figura de Lula?
Gleisi: Eu não concordo, nós temos uma
pesquisa interna em que 79% das pessoas acham que o Lula devia falar mais. Acho
que as pessoas estão com carência dele conversar mais e estar presente.
Valor: Então
a senhora concorda que Lula tem deixado a política local de lado e preferido
agendas internacionais?
Gleisi: Eu sempre digo para ele: “Presidente,
vamos viajar bastante o Brasil”. Mas eu não tenho dúvidas que é muito
importante esse papel dele no mundo. É óbvio que a gente, do ponto de vista da
política e que vai fazer a disputa política, vai ficar querendo que ele esteja
mais presente aqui. Mas é muito importante as viagens que ele faz.
Valor: Há
uma discussão de que não há alternativa ao nome de Lula no campo da esquerda. O
que acha?
Gleisi: Lula é um líder, não é um quadro político. Então, é
difícil você ter alguém que o substitua nesse patamar. A gente tem bons nomes:
Haddad, Camilo [Santana, ministro da Educação] e Rui [Costa, ministro da Casa
Civil]. Temos alternativas, mas eu acho que não na dimensão do Lula. Nós não
temos o direito de deixar a extrema-direita ganhar. O Lula tem que ser o nosso
candidato.
Valor: E
tem também a senhora.
Gleisi: Eu não tive experiência de governo.
Valor: Mas
foi ministra-chefe da Casa Civil...
Gleisi: É verdade, mas eu estou dizendo com o
voto, né? O crivo do voto para a gestão.
Valor: Houve
um acordo para que os nomeados mais recentes para a Esplanada não saíssem
candidatos na eleição de 2026 e ficassem até o fim do governo?
Gleisi: Comigo o presidente não falou nada a
esse respeito. Obviamente, se ele pedir para ficar, eu vou ficar. Mas eu
particularmente defendo que todos que têm votos podem concorrer. Nós precisamos
eleger um time forte no Congresso Nacional.
Valor: A
senhora esperava uma condução diferente de Gabriel Galípolo no comando do Banco
Central? Qual a expectativa da senhora para o Copom desta semana?
Gleisi: Não. Os dois últimos aumentos de juros já estavam precificados. O Galípolo não tinha o que fazer. Eu gostaria, é claro, que os juros caíssem, porque são estratosféricos. Não se justifica ter essa taxa neste cenário macroeconômico. O que está sendo colocado é que talvez tenha que manter. Não sei. Estou falando a minha opinião, o que eu gostaria.
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