segunda-feira, 16 de junho de 2025

Gleisi diz que se Congresso derrubar pacote emendas serão afetadas: ‘bate aqui, bate lá’

Por Sofia Aguiar, Renan Truffi e Fernando Exman / Valor Econômico

Ministra diz que fará novas reuniões com lideranças do Congresso sobre corte de despesas

Com a responsabilidade de resolver um dos maiores impasses do governo Lula nesta terceira gestão, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), está adotando uma postura pragmática quanto às negociações em torno do novo pacote fiscal. O governo, diz ela, vai tentar demover os parlamentares de derrubarem as medidas, mas alerta: se os congressistas insistirem nesse caminho, o resultado vai afetar também as emendas do Legislativo porque um novo contingenciamento e bloqueio das contas públicas será inevitável: “Bate aqui e bate lá”.

Gleisi recebeu o Valor para uma conversa sobre o cenário conturbado vivido pelo Planalto nos últimos dias. Apesar da situação, a ministra avalia que o Executivo acerta nas propostas e faz acenos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que era alvo frequente de suas críticas enquanto presidente do PT.

De acordo com ela, o governo fará novas reuniões com lideranças do Congresso para avançar nas discussões sobre corte de despesas. Por outro lado, descarta qualquer alteração nos pisos de saúde e educação e na desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo.

Sobre as críticas de que o governo precisa ir além do aumento da arrecadação, Gleisi rebate e pede que tais partidos proponham um texto nesse sentido. “Ninguém quer votar medida impopular. Da esquerda à direita. Ninguém quer pôr o dedo na castanha quente”, disse.

De olho no cenário eleitoral de 2026, a titular da articulação política acredita que Lula “chegará bem” ao pleito, mesmo sob queda de aprovação da gestão petista. Porém, para ela, o chefe do Executivo federal tem que viajar mais pelo Brasil como forma de promover o governo.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: O Congresso tem cobrado do governo medidas estruturantes, mas, ao mesmo tempo, não está ajudando no avanço dessas medidas. Qual sua avaliação sobre isso?

Gleisi Hoffmann: As medidas que nós apresentamos agora ao Congresso são medidas estruturantes porque elas atacam privilégios tributários. São medidas para que setores que não pagam nenhum tipo de imposto ou pagam pouco passem a pagar mais. E são setores com muito dinheiro. Então, acho que são medidas estruturantes, sim, e atacam despesas tributárias.

Valor: Mas existe uma dúvida se o governo não está misturando dois conceitos, ou seja, um que é o de distorções do sistema tributário e o outro as chamadas medidas estruturantes. Alguns especialistas apontam essas diferenças...

Gleisi: Combater privilégios, para mim, é estruturante, porque isso drena os recursos do Orçamento, além de ser uma injustiça do ponto de vista social e econômico. E nós estamos enviando nessa medida provisória algumas medidas relativas à despesa, como em relação ao Seguro Defeso, às compensações previdenciárias e o Pé-De-Meia, que foi para dentro do orçamento da educação. Isso não é pouca coisa. Nós só não mandamos outras medidas porque ficamos de discutir com os líderes e com os presidentes das Casas num segundo momento.

Valor: É uma contradição do Congresso exigir que o governo corte mais despesas, mas, em outra frente, pedir mais emendas parlamentares ao Orçamento?

Gleisi: O Congresso também está sofrendo um corte porque nós fizemos um contingenciamento e bloqueio que são em cima de emendas, que são despesas discricionárias. O arcabouço fiscal vale tanto para o Executivo como para o Congresso.

"Ninguém quer votar medida impopular. Ninguém quer pôr o dedo na castanha quente”

Valor: E a limitação dos supersalários e a reforma da previdência dos militares, temas defendidos pelo governo e que estão em segundo plano no Congresso?

Gleisi: São medidas que ficaram para discutirmos na próxima reunião. Nós temos que pegar um conjunto de medidas que dizem respeito às despesas para fazer essa discussão.

Valor: Quando deve ser essa próxima reunião?

Gleisi: Nós vamos combinar com o presidente Hugo Motta. Ele vai fazer a reunião [na segunda-feira] com os líderes e nós vamos combinar [esse encontro].

Valor: Nesta segunda-feira (16), também vão colocar em votação a urgência do PDL que susta o decreto do governo do IOF, sob a justificativa de que não foram apresentadas medidas de corte de despesa. Com qual cenário a senhora trabalha?

Gleisi: O novo decreto do IOF mostra o empenho que o governo tem para dialogar com o Congresso. E [o decreto] foi feito conversando com os líderes, adequando-se ao que eles falaram, porque a gente queria fazer a coisa de forma compartilhada. É muito importante para que a gente tenha espaço fiscal no Orçamento, inclusive, para que possamos descontingenciar o Orçamento tanto para o Executivo como para o Legislativo. Se isso não acontecer, todo mundo vai sofrer com um aperto orçamentário. Penso que conseguiremos demovê-los de votar a derrubada do decreto no diálogo. Com um bom diálogo, manteremos o decreto.

Valor: E a medida provisória?

Gleisi: Nós vamos ter 180 dias para fazer o debate da medida provisória com a Casa. O Congresso também tem legitimidade de fazer as adequações. Queremos sentar e ver onde que podemos fazer adequações.

Valor: O governo se surpreendeu com essa postura do Motta de pautar a urgência do PDL?

Gleisi: Eu vejo que o presidente Motta sofre muita pressão, não só dos parlamentares, mas também de setores [da economia]. Obviamente, ele deu vazão a essas outras vozes que acabaram pressionando por uma posição. Acho que chegaremos a um bom termo.

Valor: Há uma avaliação de que a reação contundente do Congresso ao pacote tem relação com o fluxo de liberação de emendas. O que é verdade nisso?

Gleisi: Neste ano nós temos uma situação bem diferente porque o Orçamento ficou pronto em abril. Entre ser sancionado e ele [Orçamento] receber as emendas parlamentares tem um tempo. Nós começamos a empenhar as emendas individuais agora. E é importante dizer também que, com a lei que foi votada em cima do acordo feito com o STF, nós estamos com um processo orçamentário bem mais complexo, com várias exigências. Isso realmente acaba impactando [na liberação das emendas].

Valor: Essas novas regras estabelecidas pelo STF para o pagamento de emendas têm sido um dos motivos que fizeram o Congresso ficar mais hostil às medidas do governo?

Gleisi: Eu acho que o Congresso realmente reclamou porque, obviamente, os parlamentares querem que as emendas já estejam sendo distribuídas. Eles estão andando nas suas bases, conversando com os prefeitos e, vamos lembrar, nós estamos em ano pré-eleitoral. Isso tudo tem influência no humor e no comportamento parlamentar. Mas não tem como fazer milagre. Não teve, por parte do Executivo, nenhuma intenção de prender o Orçamento, de não liberar emendas, zero.

"Nós temos o dever de não deixar a extrema-direita ganhar novamente a eleição no Brasil”

Valor: Se o Congresso derrubar o decreto e o pacote fiscal, o governo vai tentar mantê-lo via STF?

Gleisi: Eu espero que isso não aconteça porque seria muito ruim para o Brasil. E o Congresso tem responsabilidade com esse país e com o arcabouço fiscal que ele também aprovou. Se acontecer isso em última instância, nós vamos aumentar o contingenciamento e o bloqueio [do Orçamento]. Isso seria ruim também para o Congresso com as emendas, que são igualmente submetidas a bloqueio e contingenciamento.

Valor: Qual o tamanho do contingenciamento necessário, caso o Congresso derrube o pacote?

Gleisi: A Fazenda trabalha [nos cálculos] e não me passou. Nós estamos acreditando que as medidas que estamos enviando sejam aprovadas, se não integralmente como estão, mas em sua maioria. Mas sempre caberá ao Congresso 25% do contingenciamento, porque as emendas parlamentares são parte dos recursos discricionários. Eles [congressistas] já estão impactados com o corte que foi feito. O Congresso aprovou essas regras, então bate aqui e bate lá.

Valor: Um dos pontos nesse conjunto de propostas é a redução dos gastos tributários. Como é que isso vai ser atacado? Vai ser enviado um novo projeto ao Congresso ou não? Deve ser um corte de 10%, linear para todos os benefícios tributários?

Gleisi: A priori, essa é a ideia, de ser 10% linear, por meio de um projeto de lei complementar. Tem um projeto que já foi aprovado pelo Senado [de autoria do senador Espiridião Amin (PP-SC)], está na Câmara e que pode ser uma opção. Em vez de o governo mandar uma proposta, esse projeto pode ser a base para apresentarmos junto com os parlamentares um substitutivo, adequando o projeto àquilo que nós estamos achando que é o ideal, que é o justo sobre essa questão dos benefícios tributários. O relatório que aprovou as contas da União no TCU [Tribunal de Contas da União] faz algumas ressalvas. Uma delas é benefício tributário e a outra é volume de emendas.

Valor: Qual é a estratégia nesse corte linear de 10% dos benefícios tributários? Isso deixa muitos setores um pouco descontentes em vez de poucos setores muito descontentes. É mais fácil aprovar por isso?

Gleisi: A avaliação dos líderes e também dos presidentes [da Câmara e Senado] é que é mais fácil aprovar [desta forma]. Foi uma proposta que foi verbalizada para nós pelo presidente Hugo Motta.

Valor: Para especialistas, o governo pode perder a oportunidade de avaliar a qualidade dos incentivos tributários individualmente, como a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional.

Gleisi: Esses [casos] são previstos na Constituição. Nós vamos trabalhar com uma lei complementar a priori, então não pegariam esses dois benefícios que você citou. Mas pegam uma parte grande de benefícios. A Fazenda está fazendo um estudo sobre isso. Não é uma matéria que já tem um martelo batido sobre como vai ser.

Valor: Quais setores a senhora avalia que precisam contribuir nessa questão? A senhora enxerga algum setor com benefícios exacerbados?

Gleisi: A medida provisória já responde, quando, por exemplo, prevê um imposto de 5% sobre a LCA e LCI. Não compreendo a gritaria sobre isso. Nós estamos falando de cobrar imposto de rentista. Hoje nós temos, entre esses fundos, R$ 1,7 trilhão [em benefícios]. Por que não pode pagar um pouco de imposto? Não é o agricultor que vai pagar imposto. Aliás, essas letras são interessantes. Porque o que elas captam, 50% vão mais ou menos para financiar a atividade produtiva e 50% ficam na instituição financeira. O rentista ganha dos dois e não paga nada. O trabalhador médio, uma empregada, uma professora, pode pagar até 27,5% de Imposto de Renda. Então, é uma gritaria muito injusta. Aumentar o imposto das bets é correto: foi de 12% para 18% e eu acho que poderia ser até mais. A questão de taxação maior dos bancos, com o JCP, e aumentar os impostos para as fintechs e equiparar.

Valor: Qual sua opinião sobre a defesa de Motta para uma reforma administrativa?

Gleisi: Se você me perguntar se o governo vai querer fazer uma grande reforma, não está no nosso radar. Nós já fizemos algumas grandes reformas nos últimos tempos. Então também tem que dar um tempo para que isso possa ter impacto na realidade. Agora, buscar medidas de eficiência administrativa, o governo não é contra, vai colaborar.

Valor: A senhora vê alguma medida de corte de gasto mais madura?

Gleisi: Não, não vejo nenhuma mais madura. Discutimos todas essas medidas de despesa e, quando chega na hora de votar, também tem resistência da base parlamentar. Ninguém quer votar medida impopular. Da esquerda à direita. Ninguém quer pôr o dedo na castanha quente. Eu acho tão bonito falar que tem que ter medidas de corte, eu até vi a entrevista do pessoal do União Brasil com o PP. Apresente as medidas de corte. Já vem com a assinatura de toda a bancada para ver se dá jeito de passar. Porque essa é a realidade que enfrentamos. Não adianta tapar o sol com a peneira.

Valor: Tem previsão de mexer com pisos de saúde e educação e desvinculação do salário mínimo?

Gleisi: Não tem possibilidade de mexer nisso.

Valor: A questão do Fundeb que o ministro Haddad apresentou, é consensual no governo? Ela reduziria o volume de aportes que o governo federal precisaria fazer agora...

Gleisi: É algo que o governo discute e pode discutir com o Congresso. Obviamente que tem que discutir com os parlamentares, com a bancada da educação, que é muito forte no Congresso. Isso é constitucional, ou seja, precisa de uma PEC.

Valor: Enquanto presidente do PT, a senhora fazia críticas à política fiscal de Haddad. O que mudou?

Gleisi: Eu era crítica ao arcabouço fiscal, mas fui vencida nessa discussão. A parte maior ganhou, o governo implementou, nós temos que fazer as entregas. E acho que as medidas que o ministro Fernando Haddad está propondo agora são bastante efetivas para um equilíbrio orçamentário e trazem justiça tributária. Por isso que eu não entendo essa gritaria.

Valor: Haverá um pente-fino em relação às siglas que compõem a base aliada, mas votam contra?

Gleisi: Tem dois tipos de apoios partidários. Aquele apoio em que você faz uma coligação formal e um apoio em que você não faz uma coligação formal, mas você tem, pelo menos, uma parte desse partido apoiando a candidatura. O que nos cabe é procurar buscar e agregar para que esses partidos venham da forma mais inteira possível para uma aliança em 2026. Se não vierem formalmente, queremos que setores relevantes deles estejam junto com o presidente Lula.

Valor: Como a senhora acha que Lula vai chegar à eleição de 2026, diante da queda de popularidade?

Gleisi: Ele vai chegar bem. Nós temos o dever de não deixar a extrema-direita ganhar novamente a eleição no Brasil. Nós vínhamos recuperando [a aprovação nas pesquisas] e teve uma interrupção. Penso que isso se deve muito à situação do INSS. Acaba que a população também está tendo uma visão de desgaste.

Valor: Há uma espécie de cansaço em relação à figura de Lula?

Gleisi: Eu não concordo, nós temos uma pesquisa interna em que 79% das pessoas acham que o Lula devia falar mais. Acho que as pessoas estão com carência dele conversar mais e estar presente.

Valor: Então a senhora concorda que Lula tem deixado a política local de lado e preferido agendas internacionais?

Gleisi: Eu sempre digo para ele: “Presidente, vamos viajar bastante o Brasil”. Mas eu não tenho dúvidas que é muito importante esse papel dele no mundo. É óbvio que a gente, do ponto de vista da política e que vai fazer a disputa política, vai ficar querendo que ele esteja mais presente aqui. Mas é muito importante as viagens que ele faz.

Valor: Há uma discussão de que não há alternativa ao nome de Lula no campo da esquerda. O que acha?

Gleisi: Lula é um líder, não é um quadro político. Então, é difícil você ter alguém que o substitua nesse patamar. A gente tem bons nomes: Haddad, Camilo [Santana, ministro da Educação] e Rui [Costa, ministro da Casa Civil]. Temos alternativas, mas eu acho que não na dimensão do Lula. Nós não temos o direito de deixar a extrema-direita ganhar. O Lula tem que ser o nosso candidato.

Valor: E tem também a senhora.

Gleisi: Eu não tive experiência de governo.

Valor: Mas foi ministra-chefe da Casa Civil...

Gleisi: É verdade, mas eu estou dizendo com o voto, né? O crivo do voto para a gestão.

Valor: Houve um acordo para que os nomeados mais recentes para a Esplanada não saíssem candidatos na eleição de 2026 e ficassem até o fim do governo?

Gleisi: Comigo o presidente não falou nada a esse respeito. Obviamente, se ele pedir para ficar, eu vou ficar. Mas eu particularmente defendo que todos que têm votos podem concorrer. Nós precisamos eleger um time forte no Congresso Nacional.

Valor: A senhora esperava uma condução diferente de Gabriel Galípolo no comando do Banco Central? Qual a expectativa da senhora para o Copom desta semana?

Gleisi: Não. Os dois últimos aumentos de juros já estavam precificados. O Galípolo não tinha o que fazer. Eu gostaria, é claro, que os juros caíssem, porque são estratosféricos. Não se justifica ter essa taxa neste cenário macroeconômico. O que está sendo colocado é que talvez tenha que manter. Não sei. Estou falando a minha opinião, o que eu gostaria.

Nenhum comentário: