Folha de S. Paulo
Punição a golpistas convive com um eleitorado
disposto a flexibilizar a defesa da democracia e aceitar desvios autoritários
Racionalidade semelhante orienta setores da
elite política de oposição ao governo Lula, ainda que não necessariamente
bolsonaristas
A recente condenação e prisão de um
ex-presidente e de militares de alta patente por planejarem e
tentarem derrubar o regime democrático brasileiro deveria revigorar nossas
esperanças na resiliência da democracia.
Ainda assim, esse tipo de evidência judicial
e institucional precisa ser interpretado com cautela, pois pesquisas mostram
que eleitores podem
relativizar princípios democráticos quando outros valores pesam
mais.
Pesquisas de opinião reforçam essa impressão. Levantamento do Datafolha realizado a pedido da OAB mostra que 74% dos entrevistados afirmaram que a democracia é sempre melhor que qualquer forma de governo, sugerindo um consenso normativo em torno da democracia.
Estudo do INCT ReDem, da Universidade Federal
do Paraná, publicado em maio, aponta que, apesar do imenso apoio à democracia,
apenas 38% dos brasileiros se diziam satisfeitos ou muito satisfeitos com seu
funcionamento.
Há, portanto, uma dissociação entre apoio
abstrato ao regime e avaliação concreta de seu desempenho.
O professor de Yale Milan Svolik e coautores,
em artigo publicado no Journal of Democracy, realizaram experimentos em sete
países europeus para testar a disposição dos cidadãos em punir políticos que
minam a democracia.
Encontraram que eleitores de direita e
eleitores pouco interessados em política aceitam votar
em candidatos que violam princípios democráticos quando possuem
outras prioridades políticas, como temas ligados à imigração ou à preservação
da família tradicional.
Parte da elite política brasileira, especialmente
aquela que pressiona pela anistia de Jair
Bolsonaro e seus aliados, parece ter identificado posição
semelhante nos eleitores brasileiros.
Só assim, por exemplo, podemos entender por
que o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), defende de forma tão enfática a concessão de
anistia ao ex-presidente.
Tarcísio parece acreditar que essa posição
não resultará em perda de votos em 2026, pois avalia que seu eleitorado atribui
valores ao atual governo que ferem mais seus interesses do que a restrição de
liberdades civis que resultaria de um rompimento democrático.
Racionalidade semelhante orienta setores da
elite política de oposição ao governo Lula,
ainda que não necessariamente bolsonaristas.
Para esse grupo, a defesa de valores que
falam aos seus eleitores pode mitigar críticas a outras ações, inclusive
práticas fisiologistas e de interesse próprio, como evidenciado na
expressiva votação da
PEC da blindagem na Câmara dos Deputados.
A questão que fica é qual será a capacidade
da democracia brasileira de seguir resiliente a ataques no médio e longo prazo.
O apoio declarado à democracia não impede
que, diante de conflitos de valores ou interesses, cidadãos e líderes políticos
deixem de sancionar comportamentos antidemocráticos, o que representa um risco
real para o futuro da democracia.
A resiliência institucional depende não
apenas de decisões judiciais e regras formais, mas também da disposição de
eleitores e elites de priorizarem a integridade democrática.
E, diante desse quadro, a pergunta inevitável
é: estaremos preparados para defender a democracia quando o próximo teste
chegar?

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