PL do devedor contumaz merece tramitação célere
Por O Globo
Proposta só avançou depois de operações
contra PCC e Refit. Não é preciso esperar outra para aprová-la
Foi preciso autoridades estaduais e federais
deflagarem a megaoperação contra o grupo do setor de combustíveis Refit,
apontado como maior sonegador do país, para que o presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), anunciasse o relator do projeto de combate a devedores
contumazes, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP). Espera-se que não haja
mais procrastinação. É inaceitável que empresas usem a inadimplência fiscal
como estratégia de negócio, deixando de pagar impostos de forma intencional e
reiterada para levar vantagem sobre a concorrência.
A proposta cria o Código de Defesa do Contribuinte para coibir a atuação de fraudadores. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ela toma o cuidado de não atingir empreendedores de boa-fé em dificuldades financeiras. Não será afetado quem tiver aderido a programas de regularização com o Fisco ou questione a dívida nas esferas administrativa ou judicial, tendo apresentado garantias ou amparado por teses de repercussão geral.
Se não for desfigurado, o projeto trará
ganhos em diversas frentes. Primeiro, tornará o ambiente de negócios mais
justo, retirando a vantagem dos sonegadores ante empresas em dia com o
pagamento de tributos. Segundo, ao dificultar o acúmulo injustificado e
irregular de débitos, elevará a arrecadação e facilitará a gestão das contas
públicas, diminuindo a pressão sobre os gastos.
Há no Brasil apenas 1,2 mil CNPJs
inadimplentes no âmbito federal que seriam enquadrados na definição que o
projeto dá a devedor contumaz: dívida igual ou superior a R$ 15 milhões, maior
que o patrimônio e sem tentativa de repactuação. Durante uma década, esses
CNPJs acumularam débitos de R$ 200 bilhões, segundo estudo da Receita
Federal. Entre as punições previstas no texto estão: perda de
qualquer vínculo com a administração pública (inclusive participação em
licitações e programas de benefícios); fim da possibilidade de pedir ou manter
recuperação judicial; e a classificação como inapto no cadastro de
contribuintes. Caso um dos sócios tente abrir negócio com outro CNPJ, a empresa
nova também será enquadrada.
É uma lástima que o Congresso só tenha agido
depois de pressionado pela opinião pública. Formulado em 2022, o projeto de
Pacheco ganhou força apenas neste ano, depois da Operação Carbono Oculto em
agosto, quando 1.400 agentes cumpriram mandados de prisão e busca em sete
estados para investigar um esquema bilionário ligado ao Primeiro Comando da
Capital (PCC). Entre as suspeitas de crimes constava a fraude fiscal em postos
de gasolina. Em setembro, o Senado finalmente aprovou o texto por 71 votos a
zero e o enviou para apreciação da Câmara.
Num primeiro momento, parecia que a
tramitação seria célere. Em outubro, os deputados aprovaram o regime de
urgência, abrindo caminho para que a proposta fosse direto à votação em
plenário. Faltava escolher relator, algo que só aconteceu depois da operação
contra o Refit, acusado de ser o maior devedor contumaz do país, com débitos de
R$ 26 bilhões. É aconselhável que os deputados não percam mais tempo. As
investigações desmascararam fraudes bilionárias. Não faz sentido esperar uma
nova operação para aprovar regras mais duras.
STF demonstra bom senso ao enterrar tese da
‘revisão da vida toda’
Por O Globo
Se cálculo de benefício deve ser igual para
todos, não tem nexo aposentado poder escolher critério mais vantajoso
Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) ao
resolver em definitivo a controvérsia que ainda cercava a tese conhecida como
“revisão da vida toda” no cálculo de aposentadorias. Por essa tese, quem
contribuía para a Previdência antes
de 1999 poderia escolher, entre duas regras, a mais vantajosa na hora de
calcular quanto receberia do INSS.
O STF decidiu que deve valer unicamente a regra de transição aprovada na
reforma da Previdência daquele ano, que adota no cálculo apenas as
contribuições posteriores a julho de 1994, quando o país conquistou a
estabilidade monetária com o Plano Real.
A “revisão da vida toda” estipulava que, se
vantajoso, o segurado poderia calcular a média de contribuições usando todos os
salários, mesmo os recebidos antes de 1994. Essa tese foi chancelada pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2019 e referendada pelo próprio STF em
2022. Em 2023, porém, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no
Supremo, suspendeu a tramitação de todos os processos sobre o tema até o
julgamento dos recursos impetrados pelo governo.
Na ocasião, o INSS argumentou que o impacto
nas contas da Previdência seria insuportável. No cenário extremo, combinando
pagamentos retroativos e futuros a todos os afetados, o governo falava em até
R$ 480 bilhões, supondo 15 anos de sobrevida média dos segurados. A
Advocacia-Geral da União estimou o custo extra mensal em R$ 2 bilhões (o
pagamento mensal de aposentadorias neste ano tem girado em torno de R$ 45
bilhões). Esses números foram contestados pelo Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário (IBDP). Com base nas regras para pleitear os benefícios, o IBDP
estimou que as novas regras afetariam apenas 383 mil beneficiários, ao custo de
R$ 1,5 bilhão ao longo de cinco anos.
Independentemente de quem tivesse razão,
haveria custo para o Tesouro. Levando isso em conta, em março de 2024, ao
julgar os embargos impetrados pelo INSS, o Supremo voltou atrás no entendimento
anterior e considerou uma única regra válida para quem já contribuía à
Previdência antes de 1999: a transição imposta pela reforma daquele ano,
segundo a qual o benefício deve ser calculado com base em 80% dos maiores
salários recebidos ao longo da carreira, excluídos os anteriores a julho de
1994. Em abril deste ano, o STF definiu que não haveria devolução de valores
pagos com base na tese. Finalmente, nesta semana a Corte cancelou
definitivamente a “revisão da vida toda” e liberou os processos suspensos (há
cerca de 140 mil ações tramitando no Judiciário sobre o tema).
A decisão sem dúvida representa um alívio nas contas da Previdência num momento crítico. À medida que se esgota o impacto da reforma de 2019, já está claro que o país precisará de nova reforma endurecendo as regras de aposentadoria. E, como argumentou o ministro Cristiano Zanin no voto decisivo para derrubar a tese da “revisão da vida toda”, se a Constituição proíbe o uso de critérios diferentes para conceder o benefício, não faz sentido o segurado poder escolher um cálculo que lhe seja mais benéfico.
Oposição a taxas de sindicatos deve ser livre
Por Folha de S. Paulo
Supremo acerta ao impor limites à cobrança da
contribuição assistencial de trabalhadores para entidades
Corte proibiu interferência no direito de
oposição, mas projeto no Congresso institui regras mais claras, com pedido
digital de isenção
Na última terça (25), o Supremo Tribunal
Federal decidiu por unanimidade estabelecer
limites para a contribuição assistencial de trabalhadores
a sindicatos.
Mas, apesar do acerto da medida, ainda restam dúvidas sobre como deve ser
garantido o direito de oposição daqueles que não querem pagá-la.
O caso chegou à mais alta corte do país em
2016, por meio de uma ação movida por um sindicato do Paraná. Em 2017, o
Supremo definiu que a cobrança da contribuição assistencial —taxa usada para
custear negociações de reajustes salariais e outros benefícios com
empregadores, cujo valor é acordado em convenção coletiva— era inconstitucional.
Naquele mesmo ano, a reforma
trabalhista eliminou o imposto sindical, que todos os
trabalhadores, sindicalizados ou não, eram obrigados a pagar desde a era
Getúlio Vargas. Estima-se que, com a mudança, a arrecadação dessa taxa
compulsória tenha caído de R$ 4 bilhões por ano para algumas centenas de
milhões.
Em seguida, o sindicato paranaense entrou com
recurso e, em 2023, o STF voltou
atrás, autorizando a contribuição —desde que fixada em assembleia, que não
exceda 1% dos rendimentos do empregado e que o direito de oposição seja
preservado.
Como alertara esta Folha, tal decisão
embutia o risco de que trabalhadores enfrentassem obstáculos para exercer esse
direito. E foi o que se deu, com diversos
casos de práticas abusivas.
Um sindicato em São Paulo instituiu
a cobrança de 12% ao ano sobre o valor do salário ou o pagamento de uma taxa de
R$ 150 para quem se opusesse; outro no mesmo estado cobrou pagamentos
referentes a 2018.
Trabalhadores reclamaram de prazos muito
curtos para requerer a isenção, longas filas, recusa de documentos
digitalizados e exigência de entrega de carta escrita de próprio punho.
Por isso, a Procuradoria-Geral da República
impetrou embargos de declaração para que o STF complementasse a sua decisão de
2023. Foram esses pedidos da PGR que a
corte ora acolheu.
Ficam proibidas a cobrança retroativa da
contribuição assistencial em relação ao período em que o STF mantinha o
entendimento pela sua inconstitucionalidade e a interferência de terceiros no
livre exercício do direito de oposição. Ademais, o valor da taxa deve prezar
pela razoabilidade e ser compatível com a capacidade econômica da categoria.
Não resta claro, contudo, o que seria
considerado interferência na oposição e de que forma esse direito deve ser
exercido.
Em junho, a Câmara dos
Deputados aprovou um projeto
de lei que facilita o pedido de isenção. Este poderia ser feito pelo
portal Gov.br, por plataformas digitais oferecidas pelos sindicatos,
aplicativos de empresas privadas autorizadas ou até mesmo por email.
O projeto vai ao Senado.
Espera-se que a Casa aprove uma legislação que garanta a proteção de
trabalhadores não sindicalizados de cobranças indevidas.
Uma democracia a menos na África
Por Folha de S. Paulo
Um dos países mais pobres do mundo,
Guiné-Bissau sofre 5º golpe militar desde a independência de Portugal
A rigor, os cidadãos da Guiné-Bissau já
estavam submetidos ao viés autoritário da gestão civil do general reformado
Umaro Embaló
Na véspera da divulgação dos resultados
oficiais das eleições presidencial e legislativa da Guiné-Bissau,
as Forças
Armadas tomaram de assalto a sede do governo e derrubaram o
líder Umaro Sissoco Embaló, candidato à reeleição.
Desde a última quarta-feira (26), o país
lusófono da África Ocidental
soma-se a outros sete vitimados por golpes de Estado entre 2020 e 2024 e a mais
seis hoje sob jugo militar no continente.
A rigor, os cidadãos da Guiné-Bissau já
estavam submetidos ao viés autoritário da gestão civil de Embaló, um general
reformado. Tal inclinação foi explicitada em suas decisões de dissolver o
Parlamento nacional em dezembro de 2023, percebida no país como meio de
silenciar a oposição, e de adiar as eleições marcadas para o fim do ano
passado.
Dessas e outras arbitrariedades, o agora
ex-presidente colheu a extensão de seu mandato por nove meses e, em tese ao
menos, um cenário mais favorável para superar nas urnas seu opositor Fernando
Dias e se manter no poder por mais cinco anos.
O rumo a ser tomado pelo general Horta N’Tam,
chefe do Estado-Maior do Exército empossado
como presidente interino, mostra-se indefinido. Abortar o processo
eleitoral em curso e derrubar com força militar um governo eleito e civil,
porém, em nada sugere uma guinada democrática em futuro próximo.
Tampouco há ilusões sobre a capacidade de um
governo de exceção de atrair investimentos e dar rumos econômicos promissores a
um dos países mais pobres e institucionalmente frágeis do mundo. Pesa ali,
acima de tudo, a condição de entreposto dos cartéis latino-americanos no
escoamento de cocaína para a Europa e
a designação como narcoestado pelas Nações Unidas.
São cerca de 2 milhões de habitantes e uma
renda per capita de apenas US$ 2.800 —um sétimo da brasileira— calculados pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) a partir
da paridade do poder de compra das moedas. No ranking global de desenvolvimento
humano da ONU,
a Guiné-Bissau ocupa a 174ª colocação entre 193 países.
Pobreza e rupturas violentas ali se associam
tragicamente. Este foi o quinto golpe militar —além de outras 18 tentativas—
levado a cabo desde a independência de Portugal,
em 1974.
Há que ser deplorado também o descuido das potências ocidentais com o continente, abandonado nas últimas décadas à influência de nações sem apreço ao Estado democrático de Direito e adeptos da solução das mazelas locais pela via autoritária.
O Pantagruel petista
Por O Estado de S. Paulo
Governo arrecada como nunca, mas a gastança
aumenta ainda mais – basta ver o rombo das estatais. Considerando que para o PT
‘gasto é vida’ e que Lula está em campanha, nada vai mudar
A arrecadação do governo federal em outubro
foi a mais alta para o mês em 30 anos e garantiu o recolhimento também recorde
de R$ 2,3 trilhões em dez meses. Em condições normais, um desempenho assombroso
desses deveria ser suficiente para assegurar o fechamento das contas públicas
neste ano, trazendo mais tranquilidade para as expectativas de 2026. Mas
vivemos sob um governo petista – que, associado a um Congresso fiscalmente
irresponsável, transforma o Estado num Pantagruel de apetite insaciável, que
arrecada muito e gasta muito mais. “Gasto é vida”, diria a inesquecível Dilma
Rousseff.
Tome-se o exemplo das estatais. O déficit
dessas empresas previsto para este ano aumentou de R$ 5,504 bilhões para R$
9,208 bilhões. O rombo monstruoso dos Correios decerto ajuda a explicar esse
resultado, mas o problema é mais, digamos, filosófico: sob o PT, estatais
parecem ser administradas para dar prejuízo, de modo a provar que essas
empresas só existem para atender à população em atividades pelas quais a
iniciativa privada, que só visa ao lucro, não se interessa. Na prática, as
estatais administradas pelo governo petista servem para acomodar apadrinhados
políticos e para bancar projetos de interesse do Palácio do Planalto sem passar
pelo crivo orçamentário.
Por tudo isso, não é possível imaginar que o
atual governo (ou o próximo, caso haja um desastre e Luiz Inácio Lula da Silva
seja reeleito) venha a tomar a única providência capaz de fechar o sorvedouro
de dinheiro público em que se converteram as estatais, isto é, privatizá-las
todas, em respeito ao artigo 173 da Constituição – aquele segundo o qual “a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo”.
Sendo assim, resta ao governo petista
aumentar a arrecadação. A receita contou com o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF), alvo de queda de braço entre os Poderes. Como se sabe, o
aumento das alíquotas fixado pelo Planalto em maio foi derrubado pelo Congresso
em junho e restabelecido pelo STF em julho. A medida provisória perdeu a
validade em outubro porque não houve votação pelos parlamentares. Mesmo assim,
garantiu um reforço de caixa.
Somente em IOF, o governo arrecadou em
outubro R$ 8,1 bilhões, quase 40% a mais do que no mesmo mês do ano passado, e
demonstrou que manterá a disposição de usar o imposto – criado com a finalidade
específica de regular o mercado de crédito – para fins arrecadatórios.
No esforço para aumentar as fontes de receita
para o ano que vem, o governo conseguiu aprovar no Congresso a regra sobre a
compensação tributária, que caiu com a MP do IOF e entrou como “jabuti” no
projeto do Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial. Com a
medida, a previsão é elevar a arrecadação de 2026 em R$ 10 bilhões.
No lado das despesas, o governo, em vez de
cortá-las, simplesmente deixa parte delas fora do arcabouço fiscal. O mais
recente exemplo é a exclusão dos gastos de R$ 500 milhões com Defesa neste ano.
E o governo já fala em tirar das amarras fiscais as despesas que tiver com
segurança pública.
A ministra do Planejamento e Orçamento,
Simone Tebet, reconheceu recentemente que, em matéria de reformas fiscais, o
governo “anda muito lentamente”, mas transferiu a responsabilidade maior para
os “outros Poderes”. “O Poder Executivo tentou”, disse, afirmando que lobbies
impediram os avanços fiscais.
Ora, partiram do próprio presidente Lula os
primeiros obstáculos às propostas de redução de despesas e controle de gastos
elaboradas por técnicos do ministério de Tebet. O pacote, que criou a
expectativa inicial de mudanças em programas ineficientes, novas regras para
concessão de benefícios e revisão da própria indexação do salário mínimo, saiu
absolutamente tímido do Executivo antes de ser ainda mais desidratado no
Congresso. Ficou o dito pelo não dito.
O impulso fiscal diminuiu nos últimos meses,
resultado, talvez, da própria desaceleração da economia, mas o expansionismo
dos gastos continua como grande marca deste governo – o que certamente vai piorar
em 2026, diante dos imperativos eleitorais.
Avança a contrarreforma da Previdência
Por O Estado de S. Paulo
Senado e Câmara sabotam o esforço da reforma
da Previdência na disputa travada com o Palácio do Planalto e alimentam um
monstro com a aposentadoria especial para agentes comunitários
O placar acachapante no Senado, de 57 votos a
0, na aprovação do projeto que concede aposentadoria especial a cerca de 400
mil agentes comunitários de saúde e de combate a endemias mostra que não há
senadores com coragem de votar contra barbaridades populistas como essa.
Estamos mal.
Os senadores do PT deveriam ser os primeiros
a rejeitar a medida, já que são do partido do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que terá de se haver com o bilionário gasto extra representado pela
medida. Mas a natureza perdulária e irresponsável do partido se impôs, e os
senadores petistas votaram em peso a favor.
Como se sabe, a aposentadoria especial foi
pautada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), depois que Lula
o contrariou na nomeação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal. Ou seja,
Alcolumbre deu sequência a uma contrarreforma previdenciária por pura picuinha
paroquial.
Incapaz de frear a contrarreforma no voto, já
que sua base parlamentar não só é insuficiente como, na verdade, sempre torceu
o nariz para a reforma da Previdência (convém lembrar que um ministro de Lula
chegou a dizer que a Previdência não tem déficit), o governo se prepara para a
judicialização e provavelmente vai questionar a constitucionalidade da decisão
no STF. O argumento, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda,
Dario Durigan, é que não houve “o cumprimento das regras fiscais básicas do
País” – isto é, os parlamentares aprovaram o benefício sem dizer de onde sairá
o dinheiro para bancá-lo.
Sem reduzir a irresponsabilidade do
Legislativo que, de fato, ficou comprovada na aprovação de um projeto que pode
custar, pelas estimativas da Fazenda, R$ 24,72 bilhões em dez anos para
beneficiar apenas uma categoria profissional – e abrir caminho para uma
enxurrada de pleitos semelhantes de outros servidores –, chega a ser irônico um
governo gastador como o atual exigir na Justiça respeito às normas de
responsabilidade fiscal.
Há pouco menos de dois meses, a medida, então
como proposta de emenda à Constituição (PEC), foi aprovada na Câmara também por
ampla margem em duas votações – 446 votos a 20 no primeiro turno e 426 a 10, no
segundo. Também naquela ocasião, a motivação da pauta foi mesquinha: o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), precisava melhorar sua imagem
depois de ter patrocinado a aprovação do requerimento de urgência da famigerada
PEC da Blindagem, que tinha a intenção de revestir de camadas extras de
proteção e imunidade parlamentares acusados de crimes.
O texto aprovado agora pelo Senado assegura
aos agentes que cumprirem os requisitos de idade e tempo de serviço o direito à
aposentadoria com integralidade e paridade. Também ficam garantidas a pensão
por morte com os mesmos parâmetros e a aposentadoria por incapacidade
permanente decorrente de doença profissional ou relacionada ao trabalho.
Pelas novas regras, homens poderão se
aposentar aos 52 anos e mulheres aos 50, desde que contem com pelo menos 20
anos de efetivo exercício na função. Há ainda a alternativa de aposentadoria
para quem tiver 15 anos de atuação na área, desde que complete outros 10 em
atividades diferentes. Estados e municípios terão um prazo de até 120 dias após
a publicação da lei para ajustar suas normas.
A nova regra valerá também para agentes que
estejam em readaptação funcional por razões de saúde e para aqueles que tenham
desempenhado suas atividades em diferentes regimes previdenciários ou sob
denominações diversas. O texto ainda assegura que o período trabalhado fora do
regime próprio de servidores estaduais ou municipais – desde que na mesma
função – seja considerado para fins de aposentadoria especial.
Como não é factível esperar dos deputados um
surto de bom senso para reavaliar essa medida absurda, a Câmara infelizmente
deverá aprovar o texto que veio do Senado. Sendo assim, resta rogar ao
presidente Lula que o vete.
Universidades a mancheias
Por O Estado de S. Paulo
Lula anuncia universidades para indígenas e
para o esporte, demagogia que sairá caro
Os governos petistas criaram nada menos que
18 universidades federais desde 2003. Agora, o número chegará a 20: o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de anunciar a criação de uma
universidade para indígenas e uma para o esporte.
Para Lula, pouco importa que as universidades
federais já existentes padeçam de crônica falta de recursos – em algumas delas,
mal há dinheiro para pagar a conta de luz. De nada adianta argumentar que essas
estruturas, uma vez estabelecidas, demandam manutenção, pagamento de salários e
investimentos para os quais não há recursos disponíveis. O que interessa, para
Lula, é exibir como façanha a produção em série de universidades federais, com
a pretensão, segundo ele, de fazer o “filho do pedreiro virar doutor”.
Tudo muito nobre, mas claramente equivocado.
Se a intenção é capacitar os jovens pobres a ingressar nas universidades, Lula
faria bem se incentivasse a educação pública de qualidade desde a primeira
infância. Mas tal iniciativa requer paciência e muito trabalho, além de ser
invisível, ao passo que inaugurar universidades é rápido e vistoso para uma boa
propaganda eleitoral.
As universidades recém-anunciadas são um
primor de demagogia. A Universidade Federal Indígena (Unind), por exemplo,
serve apenas para Lula afetar interesse pela causa dos povos originários.
Quando anunciava a iniciativa, durante uma visita a uma aldeia no Pará, há um
mês, o petista parecia envaidecido de seus feitos, pois em seu governo já tem
“uma ministra indígena, a Funai indígena, o chefe da saúde indígena”, mas ele
queria mais: em suas palavras, faltava “uma universidade indígena”.
O problema é que aos indígenas falta muita
coisa antes de uma “universidade indígena”. Basta lembrar a agonia dos
yanomamis sob o governo petista, ou o estado de miséria que outros povos
indígenas enfrentam – e que levam muitos de seus integrantes a abandonar as
áreas demarcadas em busca de uma vida melhor, como recentemente mostraram
números do IBGE destacados nesta página, no editorial O êxodo indígena e quilombola (17/11/2025).
Já a Universidade Federal do Esporte
(UFEsporte), segundo Lula, servirá para ajudar jovens pobres a se tornarem
atletas de alto rendimento. Para o presidente, essa é uma função do Estado,
porque a iniciativa privada “só entra no jogo quando o cara já é famoso”.
Deixemos de lado essa rematada bobagem, porque os vários atletas brasileiros de
alto rendimento formados em clubes particulares, a maioria dos quais oriundos
de famílias pobres, falam por si. Concentremo-nos na lembrança de que Lula
prometeu fazer do Brasil uma potência olímpica a partir da onerosa realização
dos Jogos do Rio, em 2016, e o resultado foi o sucateamento da maior parte da
estrutura deixada como “legado olímpico”. Portanto, não é com uma “universidade
do esporte” que o Brasil, como num passe de mágica, formará campeões.
Mas Lula, como sabemos, é incorrigível. Nem a “universidade do esporte” mudará a realidade do esporte no Brasil, nem a “universidade indígena” tornará a vida dos indígenas melhor, mas a inauguração de ambas dará boas imagens para sua campanha eleitoral.

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