segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PL do devedor contumaz merece tramitação célere

Por O Globo 

Proposta só avançou depois de operações contra PCC e Refit. Não é preciso esperar outra para aprová-la

Foi preciso autoridades estaduais e federais deflagarem a megaoperação contra o grupo do setor de combustíveis Refit, apontado como maior sonegador do país, para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciasse o relator do projeto de combate a devedores contumazes, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP). Espera-se que não haja mais procrastinação. É inaceitável que empresas usem a inadimplência fiscal como estratégia de negócio, deixando de pagar impostos de forma intencional e reiterada para levar vantagem sobre a concorrência.

A proposta cria o Código de Defesa do Contribuinte para coibir a atuação de fraudadores. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ela toma o cuidado de não atingir empreendedores de boa-fé em dificuldades financeiras. Não será afetado quem tiver aderido a programas de regularização com o Fisco ou questione a dívida nas esferas administrativa ou judicial, tendo apresentado garantias ou amparado por teses de repercussão geral.

Se não for desfigurado, o projeto trará ganhos em diversas frentes. Primeiro, tornará o ambiente de negócios mais justo, retirando a vantagem dos sonegadores ante empresas em dia com o pagamento de tributos. Segundo, ao dificultar o acúmulo injustificado e irregular de débitos, elevará a arrecadação e facilitará a gestão das contas públicas, diminuindo a pressão sobre os gastos.

Há no Brasil apenas 1,2 mil CNPJs inadimplentes no âmbito federal que seriam enquadrados na definição que o projeto dá a devedor contumaz: dívida igual ou superior a R$ 15 milhões, maior que o patrimônio e sem tentativa de repactuação. Durante uma década, esses CNPJs acumularam débitos de R$ 200 bilhões, segundo estudo da Receita Federal. Entre as punições previstas no texto estão: perda de qualquer vínculo com a administração pública (inclusive participação em licitações e programas de benefícios); fim da possibilidade de pedir ou manter recuperação judicial; e a classificação como inapto no cadastro de contribuintes. Caso um dos sócios tente abrir negócio com outro CNPJ, a empresa nova também será enquadrada.

É uma lástima que o Congresso só tenha agido depois de pressionado pela opinião pública. Formulado em 2022, o projeto de Pacheco ganhou força apenas neste ano, depois da Operação Carbono Oculto em agosto, quando 1.400 agentes cumpriram mandados de prisão e busca em sete estados para investigar um esquema bilionário ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Entre as suspeitas de crimes constava a fraude fiscal em postos de gasolina. Em setembro, o Senado finalmente aprovou o texto por 71 votos a zero e o enviou para apreciação da Câmara.

Num primeiro momento, parecia que a tramitação seria célere. Em outubro, os deputados aprovaram o regime de urgência, abrindo caminho para que a proposta fosse direto à votação em plenário. Faltava escolher relator, algo que só aconteceu depois da operação contra o Refit, acusado de ser o maior devedor contumaz do país, com débitos de R$ 26 bilhões. É aconselhável que os deputados não percam mais tempo. As investigações desmascararam fraudes bilionárias. Não faz sentido esperar uma nova operação para aprovar regras mais duras.

STF demonstra bom senso ao enterrar tese da ‘revisão da vida toda’

Por O Globo

Se cálculo de benefício deve ser igual para todos, não tem nexo aposentado poder escolher critério mais vantajoso

Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) ao resolver em definitivo a controvérsia que ainda cercava a tese conhecida como “revisão da vida toda” no cálculo de aposentadorias. Por essa tese, quem contribuía para a Previdência antes de 1999 poderia escolher, entre duas regras, a mais vantajosa na hora de calcular quanto receberia do INSS. O STF decidiu que deve valer unicamente a regra de transição aprovada na reforma da Previdência daquele ano, que adota no cálculo apenas as contribuições posteriores a julho de 1994, quando o país conquistou a estabilidade monetária com o Plano Real.

A “revisão da vida toda” estipulava que, se vantajoso, o segurado poderia calcular a média de contribuições usando todos os salários, mesmo os recebidos antes de 1994. Essa tese foi chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2019 e referendada pelo próprio STF em 2022. Em 2023, porém, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo, suspendeu a tramitação de todos os processos sobre o tema até o julgamento dos recursos impetrados pelo governo.

Na ocasião, o INSS argumentou que o impacto nas contas da Previdência seria insuportável. No cenário extremo, combinando pagamentos retroativos e futuros a todos os afetados, o governo falava em até R$ 480 bilhões, supondo 15 anos de sobrevida média dos segurados. A Advocacia-Geral da União estimou o custo extra mensal em R$ 2 bilhões (o pagamento mensal de aposentadorias neste ano tem girado em torno de R$ 45 bilhões). Esses números foram contestados pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Com base nas regras para pleitear os benefícios, o IBDP estimou que as novas regras afetariam apenas 383 mil beneficiários, ao custo de R$ 1,5 bilhão ao longo de cinco anos.

Independentemente de quem tivesse razão, haveria custo para o Tesouro. Levando isso em conta, em março de 2024, ao julgar os embargos impetrados pelo INSS, o Supremo voltou atrás no entendimento anterior e considerou uma única regra válida para quem já contribuía à Previdência antes de 1999: a transição imposta pela reforma daquele ano, segundo a qual o benefício deve ser calculado com base em 80% dos maiores salários recebidos ao longo da carreira, excluídos os anteriores a julho de 1994. Em abril deste ano, o STF definiu que não haveria devolução de valores pagos com base na tese. Finalmente, nesta semana a Corte cancelou definitivamente a “revisão da vida toda” e liberou os processos suspensos (há cerca de 140 mil ações tramitando no Judiciário sobre o tema).

A decisão sem dúvida representa um alívio nas contas da Previdência num momento crítico. À medida que se esgota o impacto da reforma de 2019, já está claro que o país precisará de nova reforma endurecendo as regras de aposentadoria. E, como argumentou o ministro Cristiano Zanin no voto decisivo para derrubar a tese da “revisão da vida toda”, se a Constituição proíbe o uso de critérios diferentes para conceder o benefício, não faz sentido o segurado poder escolher um cálculo que lhe seja mais benéfico.

Oposição a taxas de sindicatos deve ser livre

Por Folha de S. Paulo

Supremo acerta ao impor limites à cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores para entidades

Corte proibiu interferência no direito de oposição, mas projeto no Congresso institui regras mais claras, com pedido digital de isenção

Na última terça (25), o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade estabelecer limites para a contribuição assistencial de trabalhadores a sindicatos. Mas, apesar do acerto da medida, ainda restam dúvidas sobre como deve ser garantido o direito de oposição daqueles que não querem pagá-la.

O caso chegou à mais alta corte do país em 2016, por meio de uma ação movida por um sindicato do Paraná. Em 2017, o Supremo definiu que a cobrança da contribuição assistencial —taxa usada para custear negociações de reajustes salariais e outros benefícios com empregadores, cujo valor é acordado em convenção coletiva— era inconstitucional.

Naquele mesmo ano, a reforma trabalhista eliminou o imposto sindical, que todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, eram obrigados a pagar desde a era Getúlio Vargas. Estima-se que, com a mudança, a arrecadação dessa taxa compulsória tenha caído de R$ 4 bilhões por ano para algumas centenas de milhões.

Em seguida, o sindicato paranaense entrou com recurso e, em 2023, o STF voltou atrás, autorizando a contribuição —desde que fixada em assembleia, que não exceda 1% dos rendimentos do empregado e que o direito de oposição seja preservado.

Como alertara esta Folha, tal decisão embutia o risco de que trabalhadores enfrentassem obstáculos para exercer esse direito. E foi o que se deu, com diversos casos de práticas abusivas.

Um sindicato em São Paulo instituiu a cobrança de 12% ao ano sobre o valor do salário ou o pagamento de uma taxa de R$ 150 para quem se opusesse; outro no mesmo estado cobrou pagamentos referentes a 2018.

Trabalhadores reclamaram de prazos muito curtos para requerer a isenção, longas filas, recusa de documentos digitalizados e exigência de entrega de carta escrita de próprio punho.

Por isso, a Procuradoria-Geral da República impetrou embargos de declaração para que o STF complementasse a sua decisão de 2023. Foram esses pedidos da PGR que a corte ora acolheu.

Ficam proibidas a cobrança retroativa da contribuição assistencial em relação ao período em que o STF mantinha o entendimento pela sua inconstitucionalidade e a interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição. Ademais, o valor da taxa deve prezar pela razoabilidade e ser compatível com a capacidade econômica da categoria.

Não resta claro, contudo, o que seria considerado interferência na oposição e de que forma esse direito deve ser exercido.

Em junho, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que facilita o pedido de isenção. Este poderia ser feito pelo portal Gov.br, por plataformas digitais oferecidas pelos sindicatos, aplicativos de empresas privadas autorizadas ou até mesmo por email.

O projeto vai ao Senado. Espera-se que a Casa aprove uma legislação que garanta a proteção de trabalhadores não sindicalizados de cobranças indevidas.

Uma democracia a menos na África

Por Folha de S. Paulo

Um dos países mais pobres do mundo, Guiné-Bissau sofre 5º golpe militar desde a independência de Portugal

A rigor, os cidadãos da Guiné-Bissau já estavam submetidos ao viés autoritário da gestão civil do general reformado Umaro Embaló

Na véspera da divulgação dos resultados oficiais das eleições presidencial e legislativa da Guiné-Bissau, as Forças Armadas tomaram de assalto a sede do governo e derrubaram o líder Umaro Sissoco Embaló, candidato à reeleição.

Desde a última quarta-feira (26), o país lusófono da África Ocidental soma-se a outros sete vitimados por golpes de Estado entre 2020 e 2024 e a mais seis hoje sob jugo militar no continente.

A rigor, os cidadãos da Guiné-Bissau já estavam submetidos ao viés autoritário da gestão civil de Embaló, um general reformado. Tal inclinação foi explicitada em suas decisões de dissolver o Parlamento nacional em dezembro de 2023, percebida no país como meio de silenciar a oposição, e de adiar as eleições marcadas para o fim do ano passado.

Dessas e outras arbitrariedades, o agora ex-presidente colheu a extensão de seu mandato por nove meses e, em tese ao menos, um cenário mais favorável para superar nas urnas seu opositor Fernando Dias e se manter no poder por mais cinco anos.

O rumo a ser tomado pelo general Horta N’Tam, chefe do Estado-Maior do Exército empossado como presidente interino, mostra-se indefinido. Abortar o processo eleitoral em curso e derrubar com força militar um governo eleito e civil, porém, em nada sugere uma guinada democrática em futuro próximo.

Tampouco há ilusões sobre a capacidade de um governo de exceção de atrair investimentos e dar rumos econômicos promissores a um dos países mais pobres e institucionalmente frágeis do mundo. Pesa ali, acima de tudo, a condição de entreposto dos cartéis latino-americanos no escoamento de cocaína para a Europa e a designação como narcoestado pelas Nações Unidas.

São cerca de 2 milhões de habitantes e uma renda per capita de apenas US$ 2.800 —um sétimo da brasileira— calculados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a partir da paridade do poder de compra das moedas. No ranking global de desenvolvimento humano da ONU, a Guiné-Bissau ocupa a 174ª colocação entre 193 países.

Pobreza e rupturas violentas ali se associam tragicamente. Este foi o quinto golpe militar —além de outras 18 tentativas— levado a cabo desde a independência de Portugal, em 1974.

Há que ser deplorado também o descuido das potências ocidentais com o continente, abandonado nas últimas décadas à influência de nações sem apreço ao Estado democrático de Direito e adeptos da solução das mazelas locais pela via autoritária.

O Pantagruel petista

Por O Estado de S. Paulo

Governo arrecada como nunca, mas a gastança aumenta ainda mais – basta ver o rombo das estatais. Considerando que para o PT ‘gasto é vida’ e que Lula está em campanha, nada vai mudar

A arrecadação do governo federal em outubro foi a mais alta para o mês em 30 anos e garantiu o recolhimento também recorde de R$ 2,3 trilhões em dez meses. Em condições normais, um desempenho assombroso desses deveria ser suficiente para assegurar o fechamento das contas públicas neste ano, trazendo mais tranquilidade para as expectativas de 2026. Mas vivemos sob um governo petista – que, associado a um Congresso fiscalmente irresponsável, transforma o Estado num Pantagruel de apetite insaciável, que arrecada muito e gasta muito mais. “Gasto é vida”, diria a inesquecível Dilma Rousseff.

Tome-se o exemplo das estatais. O déficit dessas empresas previsto para este ano aumentou de R$ 5,504 bilhões para R$ 9,208 bilhões. O rombo monstruoso dos Correios decerto ajuda a explicar esse resultado, mas o problema é mais, digamos, filosófico: sob o PT, estatais parecem ser administradas para dar prejuízo, de modo a provar que essas empresas só existem para atender à população em atividades pelas quais a iniciativa privada, que só visa ao lucro, não se interessa. Na prática, as estatais administradas pelo governo petista servem para acomodar apadrinhados políticos e para bancar projetos de interesse do Palácio do Planalto sem passar pelo crivo orçamentário.

Por tudo isso, não é possível imaginar que o atual governo (ou o próximo, caso haja um desastre e Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito) venha a tomar a única providência capaz de fechar o sorvedouro de dinheiro público em que se converteram as estatais, isto é, privatizá-las todas, em respeito ao artigo 173 da Constituição – aquele segundo o qual “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.

Sendo assim, resta ao governo petista aumentar a arrecadação. A receita contou com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), alvo de queda de braço entre os Poderes. Como se sabe, o aumento das alíquotas fixado pelo Planalto em maio foi derrubado pelo Congresso em junho e restabelecido pelo STF em julho. A medida provisória perdeu a validade em outubro porque não houve votação pelos parlamentares. Mesmo assim, garantiu um reforço de caixa.

Somente em IOF, o governo arrecadou em outubro R$ 8,1 bilhões, quase 40% a mais do que no mesmo mês do ano passado, e demonstrou que manterá a disposição de usar o imposto – criado com a finalidade específica de regular o mercado de crédito – para fins arrecadatórios.

No esforço para aumentar as fontes de receita para o ano que vem, o governo conseguiu aprovar no Congresso a regra sobre a compensação tributária, que caiu com a MP do IOF e entrou como “jabuti” no projeto do Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial. Com a medida, a previsão é elevar a arrecadação de 2026 em R$ 10 bilhões.

No lado das despesas, o governo, em vez de cortá-las, simplesmente deixa parte delas fora do arcabouço fiscal. O mais recente exemplo é a exclusão dos gastos de R$ 500 milhões com Defesa neste ano. E o governo já fala em tirar das amarras fiscais as despesas que tiver com segurança pública.

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, reconheceu recentemente que, em matéria de reformas fiscais, o governo “anda muito lentamente”, mas transferiu a responsabilidade maior para os “outros Poderes”. “O Poder Executivo tentou”, disse, afirmando que lobbies impediram os avanços fiscais.

Ora, partiram do próprio presidente Lula os primeiros obstáculos às propostas de redução de despesas e controle de gastos elaboradas por técnicos do ministério de Tebet. O pacote, que criou a expectativa inicial de mudanças em programas ineficientes, novas regras para concessão de benefícios e revisão da própria indexação do salário mínimo, saiu absolutamente tímido do Executivo antes de ser ainda mais desidratado no Congresso. Ficou o dito pelo não dito.

O impulso fiscal diminuiu nos últimos meses, resultado, talvez, da própria desaceleração da economia, mas o expansionismo dos gastos continua como grande marca deste governo – o que certamente vai piorar em 2026, diante dos imperativos eleitorais.

Avança a contrarreforma da Previdência

Por O Estado de S. Paulo

Senado e Câmara sabotam o esforço da reforma da Previdência na disputa travada com o Palácio do Planalto e alimentam um monstro com a aposentadoria especial para agentes comunitários

O placar acachapante no Senado, de 57 votos a 0, na aprovação do projeto que concede aposentadoria especial a cerca de 400 mil agentes comunitários de saúde e de combate a endemias mostra que não há senadores com coragem de votar contra barbaridades populistas como essa. Estamos mal.

Os senadores do PT deveriam ser os primeiros a rejeitar a medida, já que são do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá de se haver com o bilionário gasto extra representado pela medida. Mas a natureza perdulária e irresponsável do partido se impôs, e os senadores petistas votaram em peso a favor.

Como se sabe, a aposentadoria especial foi pautada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), depois que Lula o contrariou na nomeação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, Alcolumbre deu sequência a uma contrarreforma previdenciária por pura picuinha paroquial.

Incapaz de frear a contrarreforma no voto, já que sua base parlamentar não só é insuficiente como, na verdade, sempre torceu o nariz para a reforma da Previdência (convém lembrar que um ministro de Lula chegou a dizer que a Previdência não tem déficit), o governo se prepara para a judicialização e provavelmente vai questionar a constitucionalidade da decisão no STF. O argumento, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, é que não houve “o cumprimento das regras fiscais básicas do País” – isto é, os parlamentares aprovaram o benefício sem dizer de onde sairá o dinheiro para bancá-lo.

Sem reduzir a irresponsabilidade do Legislativo que, de fato, ficou comprovada na aprovação de um projeto que pode custar, pelas estimativas da Fazenda, R$ 24,72 bilhões em dez anos para beneficiar apenas uma categoria profissional – e abrir caminho para uma enxurrada de pleitos semelhantes de outros servidores –, chega a ser irônico um governo gastador como o atual exigir na Justiça respeito às normas de responsabilidade fiscal.

Há pouco menos de dois meses, a medida, então como proposta de emenda à Constituição (PEC), foi aprovada na Câmara também por ampla margem em duas votações – 446 votos a 20 no primeiro turno e 426 a 10, no segundo. Também naquela ocasião, a motivação da pauta foi mesquinha: o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), precisava melhorar sua imagem depois de ter patrocinado a aprovação do requerimento de urgência da famigerada PEC da Blindagem, que tinha a intenção de revestir de camadas extras de proteção e imunidade parlamentares acusados de crimes.

O texto aprovado agora pelo Senado assegura aos agentes que cumprirem os requisitos de idade e tempo de serviço o direito à aposentadoria com integralidade e paridade. Também ficam garantidas a pensão por morte com os mesmos parâmetros e a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença profissional ou relacionada ao trabalho.

Pelas novas regras, homens poderão se aposentar aos 52 anos e mulheres aos 50, desde que contem com pelo menos 20 anos de efetivo exercício na função. Há ainda a alternativa de aposentadoria para quem tiver 15 anos de atuação na área, desde que complete outros 10 em atividades diferentes. Estados e municípios terão um prazo de até 120 dias após a publicação da lei para ajustar suas normas.

A nova regra valerá também para agentes que estejam em readaptação funcional por razões de saúde e para aqueles que tenham desempenhado suas atividades em diferentes regimes previdenciários ou sob denominações diversas. O texto ainda assegura que o período trabalhado fora do regime próprio de servidores estaduais ou municipais – desde que na mesma função – seja considerado para fins de aposentadoria especial.

Como não é factível esperar dos deputados um surto de bom senso para reavaliar essa medida absurda, a Câmara infelizmente deverá aprovar o texto que veio do Senado. Sendo assim, resta rogar ao presidente Lula que o vete.

Universidades a mancheias

Por O Estado de S. Paulo

Lula anuncia universidades para indígenas e para o esporte, demagogia que sairá caro

Os governos petistas criaram nada menos que 18 universidades federais desde 2003. Agora, o número chegará a 20: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de anunciar a criação de uma universidade para indígenas e uma para o esporte.

Para Lula, pouco importa que as universidades federais já existentes padeçam de crônica falta de recursos – em algumas delas, mal há dinheiro para pagar a conta de luz. De nada adianta argumentar que essas estruturas, uma vez estabelecidas, demandam manutenção, pagamento de salários e investimentos para os quais não há recursos disponíveis. O que interessa, para Lula, é exibir como façanha a produção em série de universidades federais, com a pretensão, segundo ele, de fazer o “filho do pedreiro virar doutor”.

Tudo muito nobre, mas claramente equivocado. Se a intenção é capacitar os jovens pobres a ingressar nas universidades, Lula faria bem se incentivasse a educação pública de qualidade desde a primeira infância. Mas tal iniciativa requer paciência e muito trabalho, além de ser invisível, ao passo que inaugurar universidades é rápido e vistoso para uma boa propaganda eleitoral.

As universidades recém-anunciadas são um primor de demagogia. A Universidade Federal Indígena (Unind), por exemplo, serve apenas para Lula afetar interesse pela causa dos povos originários. Quando anunciava a iniciativa, durante uma visita a uma aldeia no Pará, há um mês, o petista parecia envaidecido de seus feitos, pois em seu governo já tem “uma ministra indígena, a Funai indígena, o chefe da saúde indígena”, mas ele queria mais: em suas palavras, faltava “uma universidade indígena”.

O problema é que aos indígenas falta muita coisa antes de uma “universidade indígena”. Basta lembrar a agonia dos yanomamis sob o governo petista, ou o estado de miséria que outros povos indígenas enfrentam – e que levam muitos de seus integrantes a abandonar as áreas demarcadas em busca de uma vida melhor, como recentemente mostraram números do IBGE destacados nesta página, no editorial O êxodo indígena e quilombola (17/11/2025).

Já a Universidade Federal do Esporte (UFEsporte), segundo Lula, servirá para ajudar jovens pobres a se tornarem atletas de alto rendimento. Para o presidente, essa é uma função do Estado, porque a iniciativa privada “só entra no jogo quando o cara já é famoso”. Deixemos de lado essa rematada bobagem, porque os vários atletas brasileiros de alto rendimento formados em clubes particulares, a maioria dos quais oriundos de famílias pobres, falam por si. Concentremo-nos na lembrança de que Lula prometeu fazer do Brasil uma potência olímpica a partir da onerosa realização dos Jogos do Rio, em 2016, e o resultado foi o sucateamento da maior parte da estrutura deixada como “legado olímpico”. Portanto, não é com uma “universidade do esporte” que o Brasil, como num passe de mágica, formará campeões.

Mas Lula, como sabemos, é incorrigível. Nem a “universidade do esporte” mudará a realidade do esporte no Brasil, nem a “universidade indígena” tornará a vida dos indígenas melhor, mas a inauguração de ambas dará boas imagens para sua campanha eleitoral.

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