segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Reparação racial é necessária, por Irapuã Santana

O Globo

Não se trata só de reconhecer o racismo, mas de efetivar a responsabilidade civil do Estado de forma concreta

O STF retomou recentemente o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, ação que traz à luz o debate imprescindível sobre as violações maciças de direitos da população negra no Brasil.

Nesse cenário, é imperativo iniciar a análise com um justo e necessário elogio à postura do ministro Luiz Fux, cujo voto demonstrou sensibilidade ímpar e compromisso republicano ao reconhecer a omissão histórica do Estado brasileiro no enfrentamento ao racismo.

O ministro, com a dignidade que o cargo exige, não se furtou a diagnosticar a gravidade do cenário, denunciando medidas que visaram a impor à população negra um ciclo perverso de exclusão e violência, tornando sua relatoria um marco de reconhecimento institucional que merece todos os aplausos da sociedade civil e trazendo um filtro antidiscriminatório ao Direito Constitucional brasileiro, que servirá de estudo para as futuras gerações.

Contudo a análise jurídica da questão exige olhar técnico sobre os requisitos de admissibilidade da própria ação. Embora o mérito da ADPF 973 seja nobre e urgente, ela esbarra num obstáculo processual intransponível: o princípio da subsidiariedade. Para que uma ADPF seja cabível, é necessário comprovar que não há nenhum outro meio eficaz de sanar o dano apontado. É justamente esse requisito formal que a ação não preenche, pois o sistema de Justiça brasileiro já atua de maneira concreta sobre o tema, demonstrando haver vias ordinárias eficazes em pleno funcionamento.

A prova dessa eficácia reside na Ação Civil Pública de Reparação proposta pela Educafro, que tramita na Justiça Federal. Ela não só existe, como já produziu resultados históricos e tangíveis, muito além de declarações de intenções.

Foi no bojo do processo movido pela Educafro que o Estado brasileiro protagonizou um momento inédito e emocionante na História nacional: o pedido formal de desculpas à população negra pela escravidão e suas consequências nefastas que perduram até hoje. O pedido de perdão não foi um ato retórico isolado, mas o reconhecimento jurídico da responsabilidade do Estado, fruto direto de uma ação judicial já em curso.

Portanto, se uma Ação Civil Pública foi capaz de levar o Brasil a admitir sua culpa, fica evidente que a ADPF 973 é desnecessária sob a ótica da subsidiariedade. O Judiciário já dispõe de instrumentos usados com êxito pela sociedade civil organizada.

O reconhecimento da culpa pelo Estado é a premissa básica para reparação na construção de políticas públicas robustas. Assistimos, com o pedido de desculpas oficial, ao início da materialização da justiça. Não se trata só de reconhecer o racismo, mas de efetivar a responsabilidade civil do Estado de forma concreta, como já vem sendo feito.

De toda forma, quanto mais vezes o Estado brasileiro reconhecer que errou, melhor será o caminho para a verdadeira justiça racial, garantindo que o pedido de desculpas seja seguido pelas necessárias compensações históricas que a população negra aguarda há séculos.

Infelizmente, como já foi relatado noutras oportunidades, o governo não se mostrou interessado em tratar do assunto com o respeito e a seriedade que ele exige, de modo que estamos hoje um passo adiante. Já se solidificou o dever de reparar. Agora a luta é para que o país cumpra sua obrigação histórica, saindo dos discursos vazios e passando às ações concretas que podem mudar a vida de todas as pessoas.

 

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