O Globo
Não se trata só de reconhecer o racismo, mas
de efetivar a responsabilidade civil do Estado de forma concreta
O STF retomou recentemente o julgamento da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, ação que traz à
luz o debate imprescindível sobre as violações maciças de direitos da população
negra no Brasil.
Nesse cenário, é imperativo iniciar a análise
com um justo e necessário elogio à postura do ministro Luiz Fux, cujo voto
demonstrou sensibilidade ímpar e compromisso republicano ao reconhecer a
omissão histórica do Estado brasileiro no enfrentamento ao racismo.
O ministro, com a dignidade que o cargo exige, não se furtou a diagnosticar a gravidade do cenário, denunciando medidas que visaram a impor à população negra um ciclo perverso de exclusão e violência, tornando sua relatoria um marco de reconhecimento institucional que merece todos os aplausos da sociedade civil e trazendo um filtro antidiscriminatório ao Direito Constitucional brasileiro, que servirá de estudo para as futuras gerações.
Contudo a análise jurídica da questão exige
olhar técnico sobre os requisitos de admissibilidade da própria ação. Embora o
mérito da ADPF 973 seja nobre e urgente, ela esbarra num obstáculo processual
intransponível: o princípio da subsidiariedade. Para que uma ADPF seja cabível,
é necessário comprovar que não há nenhum outro meio eficaz de sanar o dano
apontado. É justamente esse requisito formal que a ação não preenche, pois o
sistema de Justiça brasileiro já atua de maneira concreta sobre o tema,
demonstrando haver vias ordinárias eficazes em pleno funcionamento.
A prova dessa eficácia reside na Ação Civil
Pública de Reparação proposta pela Educafro, que tramita na Justiça Federal.
Ela não só existe, como já produziu resultados históricos e tangíveis, muito
além de declarações de intenções.
Foi no bojo do processo movido pela Educafro
que o Estado brasileiro protagonizou um momento inédito e emocionante na
História nacional: o pedido formal de desculpas à população negra pela
escravidão e suas consequências nefastas que perduram até hoje. O pedido de
perdão não foi um ato retórico isolado, mas o reconhecimento jurídico da
responsabilidade do Estado, fruto direto de uma ação judicial já em curso.
Portanto, se uma Ação Civil Pública foi capaz
de levar o Brasil a admitir sua culpa, fica evidente que a ADPF 973 é
desnecessária sob a ótica da subsidiariedade. O Judiciário já dispõe de
instrumentos usados com êxito pela sociedade civil organizada.
O reconhecimento da culpa pelo Estado é a
premissa básica para reparação na construção de políticas públicas robustas.
Assistimos, com o pedido de desculpas oficial, ao início da materialização da
justiça. Não se trata só de reconhecer o racismo, mas de efetivar a
responsabilidade civil do Estado de forma concreta, como já vem sendo feito.
De toda forma, quanto mais vezes o Estado
brasileiro reconhecer que errou, melhor será o caminho para a verdadeira
justiça racial, garantindo que o pedido de desculpas seja seguido pelas
necessárias compensações históricas que a população negra aguarda há séculos.
Infelizmente, como já foi relatado noutras
oportunidades, o governo não se mostrou interessado em tratar do assunto com o
respeito e a seriedade que ele exige, de modo que estamos hoje um passo
adiante. Já se solidificou o dever de reparar. Agora a luta é para que o país
cumpra sua obrigação histórica, saindo dos discursos vazios e passando às ações
concretas que podem mudar a vida de todas as pessoas.

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