sábado, 16 de março de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Por que o povo não aplaude?

O Globo

Lula e seu pessoal mais próximo acreditam que as velhas agendas ainda deveriam trazer a satisfação do público

Lula causou muitos problemas para seu próprio governo nas últimas semanas. As intervenções desastradas na Petrobras e na Vale não apenas destruíram valor dessas duas companhias, em que a União tem dinheiro aplicado, como prejudicaram o ambiente de negócios. Justamente quando o governo precisa da adesão de investidores privados para tocar ao menos alguma coisa de seus planos grandiosos.

Nenhum governo conseguiria construir refinarias, navios e plataformas de petróleo e, ao mesmo tempo, tocar pesados investimentos em transição energética. Além de gerar dúvidas sobre a viabilidade, traz uma incerteza programática: qual o foco, o óleo ou o verde? Ali no núcleo do Planalto, responderão: os dois alvos. Mas, de novo, não há dinheiro para tudo nem, ao que parece, capacidade de organizar e implementar políticas que tragam capital privado.

Mas Lula continua com sorte. A casa está caindo para o lado de Bolsonaro, e a economia oferece bons sinais. Na semana, saíram indicadores referentes às vendas do comércio varejista, volume de serviços prestados e abertura de vagas formais de trabalho, todos referentes a janeiro; e todos muito bons.

Um detalhe interessante: dos cinco grandes setores de serviços, sabem o que mais brilhou? Serviços de informação e comunicação, cujo volume cresceu 1,5% em relação a dezembro passado. E, dentro desse item, pergunto de novo: quais os de melhor desempenho? Os serviços audiovisuais, de edição e notícias, com espantosa expansão de 27,6% em janeiro sobre dezembro. Aqui vamos do streaming às mídias tradicionais. Isso mostra que as pessoas estão consumindo mais notícias. Claro, o IBGE mede volume, não qualidade, mas é sempre bom que circulem mais notícias. Se boas ou ruins, corretas ou fake, isso depende do juízo do público.

Nesse ambiente incluem-se as disputas de narrativas. Pessoal do Lula alardeia que os bons resultados da economia decorrem diretamente da ação do governo. Duvidoso. Começa que o governo tem apenas um ano, pouco tempo para mover uma economia do tamanho do Brasil. Depois, o único programa econômico de porte é a nova política industrial — coisa do Alckmin e de alguns lobbies — ainda no papel, sem atrair entusiasmo de Lula e de Haddad.

O ministro da Fazenda segue na sua batalha para manter o espírito do ajuste fiscal. Tem conseguido pontos e alguma indulgência. Todo mundo acha que a meta de déficit zero não será cumprida, mas deve ser mantida mesmo assim. Tem lógica. Se abandonada a meta, o estrago será muito maior. Problema grande: muita gente no governo e no PT quer se livrar logo da meta e acelerar os gastos, especialmente agora que caiu uma ficha que não esperavam. A avaliação do governo e do presidente está em queda.

Mas como? — pergunta-se em Brasília. A inflação caiu, há mais emprego, a renda real subiu — o que mais querem? Tem Bolsa Família mais abrangente, um ganho no salário mínimo, promessa de financiamentos para os mais pobres. Por que não repercute positivamente para o presidente?

Essa perplexidade revela que Lula e seu pessoal mais próximo acreditam que as velhas agendas ainda deveriam trazer a satisfação do público. Ou que o próprio Lula seria suficiente para atrair o povo. Esquecem-se de muita coisa. Primeiro, que a vitória de Lula foi muito apertada, e ele não fez nada para atrair gente do outro lado. Segundo, que a inflação está desacelerando, mas a vida continua cara. Se um produto sobe de 10 para 20 num determinado mês, a inflação aí é de 100%. Se, no mês seguinte, o preço continua em 20, a inflação é zero. Mas o produto continua custando vintão.

Além disso, quando Lula esculhamba o mercado e os acionistas especuladores da Petrobras, isso eleva a alma da militância, mas as classes médias gostariam mesmo era de poder lucrar com as ações da Petrobras. Também gostariam de empregos melhores nos setores de ponta (piloto de drone, por exemplo), temem a inteligência artificial, como mostram pesquisas, e querem comprar barato na Shein. Que o governo quer taxar.

 

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