O Globo
Lula e seu pessoal mais próximo acreditam que
as velhas agendas ainda deveriam trazer a satisfação do público
Lula causou
muitos problemas para seu próprio governo nas últimas semanas. As intervenções
desastradas na Petrobras e na Vale não
apenas destruíram valor dessas duas companhias, em que a União tem dinheiro
aplicado, como prejudicaram o ambiente de negócios. Justamente quando o governo
precisa da adesão de investidores privados para tocar ao menos alguma coisa de
seus planos grandiosos.
Nenhum governo conseguiria construir refinarias, navios e plataformas de petróleo e, ao mesmo tempo, tocar pesados investimentos em transição energética. Além de gerar dúvidas sobre a viabilidade, traz uma incerteza programática: qual o foco, o óleo ou o verde? Ali no núcleo do Planalto, responderão: os dois alvos. Mas, de novo, não há dinheiro para tudo nem, ao que parece, capacidade de organizar e implementar políticas que tragam capital privado.
Mas Lula continua com sorte. A casa está
caindo para o lado de Bolsonaro, e a economia oferece bons sinais. Na semana,
saíram indicadores referentes às vendas do comércio varejista, volume de
serviços prestados e abertura de vagas formais de trabalho, todos referentes a
janeiro; e todos muito bons.
Um detalhe interessante: dos cinco grandes
setores de serviços, sabem o que mais brilhou? Serviços de informação e
comunicação, cujo volume cresceu 1,5% em relação a dezembro passado. E, dentro
desse item, pergunto de novo: quais os de melhor desempenho? Os serviços
audiovisuais, de edição e notícias, com espantosa expansão de 27,6% em janeiro
sobre dezembro. Aqui vamos do streaming às mídias tradicionais. Isso mostra que
as pessoas estão consumindo mais notícias. Claro, o IBGE mede
volume, não qualidade, mas é sempre bom que circulem mais notícias. Se boas ou
ruins, corretas ou fake, isso depende do juízo do público.
Nesse ambiente incluem-se as disputas de
narrativas. Pessoal do Lula alardeia que os bons resultados da economia
decorrem diretamente da ação do governo. Duvidoso. Começa que o governo tem
apenas um ano, pouco tempo para mover uma economia do tamanho do Brasil.
Depois, o único programa econômico de porte é a nova política industrial —
coisa do Alckmin e de alguns lobbies — ainda no papel, sem atrair entusiasmo de
Lula e de Haddad.
O ministro da Fazenda segue na sua batalha
para manter o espírito do ajuste fiscal. Tem conseguido pontos e alguma
indulgência. Todo mundo acha que a meta de déficit zero não será cumprida, mas
deve ser mantida mesmo assim. Tem lógica. Se abandonada a meta, o estrago será
muito maior. Problema grande: muita gente no governo e no PT quer
se livrar logo da meta e acelerar os gastos, especialmente agora que caiu uma
ficha que não esperavam. A avaliação do governo e do presidente está em queda.
Mas como? — pergunta-se em Brasília. A
inflação caiu, há mais emprego, a renda real subiu — o que mais querem? Tem
Bolsa Família mais abrangente, um ganho no salário mínimo, promessa de
financiamentos para os mais pobres. Por que não repercute positivamente para o
presidente?
Essa perplexidade revela que Lula e seu
pessoal mais próximo acreditam que as velhas agendas ainda deveriam trazer a
satisfação do público. Ou que o próprio Lula seria suficiente para atrair o
povo. Esquecem-se de muita coisa. Primeiro, que a vitória de Lula foi muito
apertada, e ele não fez nada para atrair gente do outro lado. Segundo, que a
inflação está desacelerando, mas a vida continua cara. Se um produto sobe de 10
para 20 num determinado mês, a inflação aí é de 100%. Se, no mês seguinte, o
preço continua em 20, a inflação é zero. Mas o produto continua custando
vintão.
Além disso, quando Lula esculhamba o mercado
e os acionistas especuladores da Petrobras, isso eleva a alma da militância,
mas as classes médias gostariam mesmo era de poder lucrar com as ações da
Petrobras. Também gostariam de empregos melhores nos setores de ponta (piloto
de drone, por exemplo), temem a inteligência artificial, como mostram
pesquisas, e querem comprar barato na Shein. Que o
governo quer taxar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário