terça-feira, 26 de agosto de 2025

Tarcísio, Bolsonaro, Churchill e o fascismo, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Valdemar Costa Neto quer filiar o governador de São Paulo ao PL

“Tarcísio já me disse que se for candidato irá para o PL”. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, se vira nos 30 para manter a lealdade a Jair Bolsonaro sem perder o bonde da história. No evento desta segunda, promovido pelo grupo Esfera em São Paulo, foi o símbolo da barata voa do bolsonarismo. “Estaríamos mortos se [Donald] Trump não tivesse sido eleito. E agora ele, Trump, é a única saída que temos”. Só quando foi indagado se a ação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA tinha apoio do partido, reconheceu que seu correligionário “faz as coisas por conta própria”.

Costa Neto está prestes a perder o pote de ouro que a filiação do ex-presidente lhe deu em 2022, quando o PL elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados e recebeu a maior fatia dos fundos partidário e eleitoral. Falou da esperança numa candidatura Bolsonaro e depois nem ele mesmo parecia acreditar no que acabara de dizer. Tinha diante de si um auditório que, minutos antes, havia interrompido o discurso do governador Tarcísio de Freitas três vezes com aplausos.

Espera ter um rumo mais definido depois da visita que fará a Bolsonaro na quarta-feira. O único consolo para o desespero do presidente do PL é a recuperação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas. As chances de Lula preservam, no principal polo antilulista, o bolsonarismo, a expectativa de que é possível manter o capital político. Como Eduardo está fora do jogo e a ex-primeira-dama, Michelle, segue por raia própria, nunca absorvida pelo grupo, sobra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

A insistência com a qual a chapa Ricardo Nunes/Melo Araújo, indicado por Bolsonaro, foi lembrada ontem mostra que o lobby por Flávio na vice de Tarcísio é grande. No meio do painel do qual participou, ao lado de Gilberto Kassab (PSD), Baleia Rossi (MDB) e Antonio Rueda (União), Valdemar Costa Neto exibiu dado de uma pesquisa que acabara de receber mostrando que o apoio de Bolsonaro valeria 30% dos votos: “Leva qualquer um para o segundo turno”. A pressão deriva da percepção de que a chance de Lula, dada a profusão de nomes de oposição, está em vencer a eleição no primeiro turno.

Rueda, que tem uma federação com o PP, cita o governador do União, Ronaldo Caiado (GO), e a senadora Tereza Cristina (PP-MS), mas, em virtude da obsessão de seu parceiro de federação pela vice, amplia o conceito. Diz que a federação estará “na chapa majoritária”. É uma concessão ao senador Ciro Nogueira. O presidente do PP mostrou-se embevecido com Tarcísio (“Toda vez que estou ao seu lado me encho de coragem e esperança com o futuro do país”) na mesma proporção com a qual voltou-se contra Lula -“ataca sistematicamente nosso parceiro histórico”. Era de Trump que falava.

Dos presidentes de partidos presentes, Kassab e Baleia foram aqueles mais reticentes a uma candidatura unida do bloco de centro-direita desde o primeiro turno. Kassab se refugia na candidatura do governador do Paraná, Ratinho Jr., enquanto acena para Tarcísio num segundo turno - “provocaria reflexão no PSD”. De sua passagem pelo Palácio do Planalto, no início do mês, deixou a convicção de que o PSD liberará os palanques estaduais. Baleia Rossi lança mão do subterfúgio “Ponte para o Futuro II” para dizer que, mais importante que um nome, é ter um “projeto para o Brasil”.

Por mais que cada presidente de partido tenha seus próprios projetos, todos eles passam pela candidatura Tarcísio, que abriu o evento abertamente abraçado a 2026. Não parece o candidato estreante de 2022, que tropeçava em conceitos e figuras de linguagem. Esmerou-se em frases de efeito (“a palavra conduz e o exemplo arrasta”) e incorporou o personagem: “Um governo de direita entrega este resultado social porque tem criatividade, inteligência e preparo técnico”.

Tarcísio sinaliza que quer driblar a cobrança por se afastar do padrinho incorporando outros personagens ao seu discurso. Ontem falou de quatro: Javier Milei, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Winston Churchill. O presidente argentino entrou como exemplo de redução do tamanho do Estado. O enxugamento de Tarcísio não vai rifar emendas parlamentares. O orçamento vai crescer tanto que - foi o que disse - não vão ser R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões que vão fazer diferença.

Pela maneira como descreveu Vargas e seu sucessor, JK, começa a construir o ideário de que ele, como sucessor de Lula, repetiria a história. “Lá atrás a gente teve uma pessoa que governou o Brasil pelo maior período de tempo que foi Getúlio Vargas. Teve um acervo de realizações e retornou ao poder em 1950 num período tumultuado abreviado por uma tragédia. Depois daquele líder popular, o Brasil ficou imerso numa confusão. Então vem JK, um líder disruptivo. Ia fazer 50 anos em cinco, mas construiu Brasília em três. A gente hoje precisa fazer 40 anos em quatro”.

Atravessou, então, o canal da Mancha. “Quando o Reino Unido estava imerso na Segunda Guerra, Churchill fez a seguinte pergunta: ‘O que eles pensam de nós?’. A pergunta que temos que fazer é: o que nós pensamos de nós mesmos”. O governador não mencionou Bolsonaro nem o tarifaço. Tampouco deu a referência do discurso ao qual se referia, mas aquele com o qual o primeiro-ministro britânico fez história foi pronunciado em 13 de maio de 1940. “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas”, disse Churchill ao assumir o governo e a guerra contra Hitler. Foi com o apoio de trabalhistas e liberais que enfrentou a pressão conservadora por um pacto com o fascismo.

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