O Estado de S. Paulo
O que se espera é que, em 2026, a livre
escolha dos brasileiros resulte numa representação parlamentar mais preocupada
com o País
A gestão do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na presidência da Câmara dos Deputados está sendo tão desastrosa que o principal responsável por sua eleição para o cargo (e seu antecessor), deputado Arthur Lira (PP-AL), registrou há dias: “Tem que reorganizar a Casa. Está uma esculhambação”. Ambos merecem a vulgaridade da expressão. Agem na política do modo vulgar com que usam o idioma. Aos dois deveria ser acrescentado o nome de Eduardo Cunha, atualmente filiado ao mesmo partido de Motta.
Algo mais os une. O período em que os três ocuparam a presidência da Câmara dos Deputados – Cunha (2015-2016), Lira (2021-2025) e Motta (atualmente) – foi marcado por sistemática redução da racionalidade do processo orçamentário, com a expansão das emendas parlamentares. Normalizada nas práticas do Legislativo, a vulgaridade das decisões do Congresso sobre o Orçamento da União assumiu proporções que ameaçam comprometer programas de governo. As emendas tornaram-se instrumento de pressão e chantagem política.
Há pouco, a maioria da Câmara e do Senado
aprovou, com grande rapidez, o Orçamento da União para 2026, nele incluindo o
valor de R$ 61,4 bilhões para as emendas parlamentares. Do total, o governo
terá obrigatoriamente de liberar R$ 49,9 bilhões; os restantes R$ 11,5 bilhões
serão pagos de acordo com a disposição do Executivo. Nunca as emendas ocuparam
tanto espaço no Orçamento. Na proposta original, o governo havia reservado R$
44 bilhões.
A festa das emendas parlamentares começou em
2015, quando o deputado Eduardo Cunha, à frente do Centrão e em disputa contra
a enfraquecida presidente Dilma Rousseff (que sofreria o impeachment no ano
seguinte), conseguiu que o Congresso aprovasse uma emenda constitucional
tornando as emendas parlamentares impositivas. Emenda constitucional aprovada
em 2019 (o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não foi o autor da
iniciativa) criou as chamadas emendas Pix, uma modalidade de emenda individual
por meio da qual parlamentares podem destinar recursos diretamente a Estados e
municípios sem finalidade previamente definida (em 2024, o Supremo Tribunal
Federal determinou a necessidade de um plano de trabalho para justificar o uso
desse dinheiro).
Entre 2020 e 2022, boa parte do período com
Lira na presidência da Câmara, o Congresso operou o chamado orçamento secreto,
ou emendas do relator, mecanismo por meio do qual o relator do projeto de lei
orçamentária tinha o direito de incluir emendas de caráter impositivo. No
período em que foi utilizado, esse mecanismo consumiu R$ 54 bilhões. Por causa
da pouca transparência sobre a destinação dos recursos, em dezembro de 2022 o
STF proibiu o uso desse tipo de emenda. Cresceram, desde então, as chamadas
emendas de comissão, mecanismo pelo qual as comissões temáticas permanentes do
Congresso podem apresentar emendas. Recente tentativa de restabelecer as
emendas secretas foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Se havia alguma razão nas queixas dos
parlamentares de que a liberação das emendas era burocrática e dependia de
longas negociações com o governo, a não obrigatoriedade da aplicação dos
recursos permitia ao Executivo preservar um mínimo de coordenação na destinação
dos recursos federais.
A proliferação das emendas parlamentares,
além de ferir o artigo 165 da Constituição, que diz ser privativa do Executivo
a iniciativa da lei orçamentária, agrava um defeito do processo orçamentário.
Como as despesas obrigatórias crescem mais do que a arrecadação, a fatia dos
recursos sobre os quais o governo tem controle, os chamados recursos
discricionários, vai ficando cada vez mais fina. Para o Orçamento de 2026, a
fatia livre soma R$ 190,2 bilhões, de um Orçamento de R$ 2.318,8 bilhões, ou
apenas 8,2% do total (em 2025, representava 9,25%). É com essa fatia que o
governo executa seus planos. As emendas vão tomar cerca de 33% dela no próximo
exercício. Como emendas são distribuídas com base no interesse pessoal de seus
autores, a pulverização compromete planos de interesse regional ou nacional.
Não por coincidência, o período de declínio
do prestígio da Câmara coincide com o avanço das emendas parlamentares. Começa
em 2015, na presidência de Eduardo Cunha. Responsável pelo processo de
impeachment da presidente Dilma Rousseff, Cunha teve seu mandato cassado por
quebra de decoro parlamentar em setembro de 2016, por 450 votos a 10.
Atualmente, articula seu retorno à política. Seus sucessores na presidência
persistiram com competência no trabalho de corrosão da respeitabilidade da
Casa.
Não são poucos os que dizem ser este talvez o pior Congresso desde o fim da ditadura militar. O fato é que o Congresso é escolhido pelos eleitores. O que se espera é que, em 2026, a livre escolha dos brasileiros resulte numa representação parlamentar mais preocupada com o País do que com interesses pessoais dos eleitos.

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