quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Banco Central e a pressão de mão dupla. Por Vera Magalhães

O Globo

Se houve negligência ou avaliação incorreta dos riscos oferecidos pelo Master, isso deve ficar claro

A economia brasileira vai terminando 2025 demonstrando resiliência maior que a calculada e descrevendo um pouso bem mais lento que o esperado diante de um choque de juros duradouro como o praticado pelo Banco Central.

Do ponto de vista da economia real, o governo tem muito bumbo para bater, a despeito da permanência dos juros altos. O desemprego fechará o ano na menor taxa histórica, a inflação, mesmo beirando o topo da meta, foi domada, e o PIB deverá crescer acima do projetado pelo terceiro ano consecutivo. Esses deverão ser alguns dos estandartes de Lula na campanha à reeleição, encorpando o discurso de um mandato dedicado a reduzir as desigualdades econômicas e sociais.

Juntam-se a esses dados projetos de iniciativa do Executivo com alto potencial de impacto eleitoral, como a reforma do Imposto de Renda e o Programa Luz do Povo, que estabelece a tarifa social de energia elétrica, entrou em vigor em meados do ano e é reconhecido em pesquisas como um canhão em termos de popularidade.

Acontece que a desaceleração mais lenta que o esperado, tanto da economia como da inflação, lança uma dúvida quanto à possibilidade de o Copom começar a baixar os juros já em janeiro, como espera o governo, e essa é uma água no chope do Planalto neste réveillon.

A pressão pela queda dos juros, restrita a Lula, ao entorno palaciano e ao PT quando o BC estava sob o comando de Roberto Campos Neto, viveu uma trégua durante os primeiros meses da troca da guarda, mas, no último período, ganhou a adesão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e até de setores do empresariado e dos bancos.

Se a permanência de crescimento considerável e a atividade econômica ainda mais tépida que o imaginado levarem a novo adiamento do início de queda da Selic, o tom das cobranças sobre o colegiado comandado por Gabriel Galípolo tende a subir. Isso coincide com um período em que o BC aparece no epicentro de um caso eivado de esquisitices: o inquérito que apura a suspeita de fraude na tentativa de venda do Banco Master ao BRB, que tramita no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria de Dias Toffoli.

A forma como Toffoli tem conduzido as investigações, cercadas de cuidados, com a decretação de sigilo e decisões para lá de controversas, como o anúncio de que haveria uma acareação antes mesmo dos depoimentos individuais das partes, deixa o BC vulnerável e tem levado à hipótese de mesmo a liquidação do banco, decretada pela autoridade monetária, ser anulada pelo Supremo.

A Febraban e outras entidades ligadas ao setor financeiro saíram em defesa da autonomia do BC e da necessidade de preservar sua independência como regulador do sistema, mas o governo, o tempo todo, tem se mantido distante da polêmica, evitando tomar parte dos lances muitas vezes confusos que têm marcado o caso.

A depender de como o desenrolar do inqu Master deixar vulneráveis diretores ou o colegiado como um todo e tomar a agenda do BC no início de 2026, a confluência desse assunto com a necessária decisão sobre os juros poderá tornar tudo ainda mais inflamável para a instituição na largada do ano eleitoral.

Existe intensa pressão política nos bastidores desse que já é o escândalo financeiro mais rumoroso das últimas décadas, e o cipoal de relações exposto até aqui recomenda extrema cautela por parte das autoridades que conduzem as investigações, além de responsabilidade para não fragilizar uma instituição vital como o BC.

Se houve negligência ou avaliação incorreta dos riscos oferecidos pelo Master, isso deve ficar claro, mas carregar nas tintas nesse caminho como forma de até rever a liquidação do banco de Daniel Vorcaro pode levar a uma crise de proporções razoáveis pelo grau de incerteza que isso acarretará para todo o sistema financeiro e para a credibilidade do BC como órgão fiscalizador. E misturar esse tema com a cada vez maior pressão pela queda dos juros, então, é apostar duplamente no caos.

 

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