Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O histórico é tão robusto que não cabe mais relembrar todos os casos a cada novo episódio de desfaçatez produzido pelo Congresso Nacional. Ora é a Câmara, ora é o Senado, tanto faz ser no plenário ou no ambiente das comissões, o vexame já não tem hora nem lugar para acontecer no Poder Legislativo.
Muitos nem chegam à imprensa, outros passam pelos jornais rapidamente porque a fila anda e vem outro atrás para substituir. Há ainda os que nem alcançam repercussão, talvez por enjoativos demais.
Já vamos ao caso dos vereadores adicionais, mas antes passemos por uma dessas ações quase imperceptíveis, publicada no jornal O Globo há dez dias: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou uma emenda constitucional que amplia aos parlamentares prerrogativas hoje exclusivas do presidente da República.
A proposta é do ex-presidente da CCJ, deputado Leonardo Picciani, e permite que, mediante a assinatura de 51 deputados e 8 senadores, o Congresso aumente o efetivo das Forças Armadas, crie cargos e dê reajustes para servidores públicos, legisle sobre a organização administrativa do Executivo e do Judiciário e proponha mudanças tributárias.
Além disso, com 10% das assinaturas em cada Casa será possível afastar as restrições para aumento de despesas em uma série de setores e temas listados pela Constituição. Resumo da ópera: dá autonomia ao Parlamento para dispor do caixa à vontade.
O mesmo Parlamento que abre mão da soberania para o Executivo sem o menor problema, ao custo baixo de queixumes formais contra o excesso de medidas provisórias.
O mesmo Parlamento que não cumpre sentença do Supremo Tribunal Federal relativa à fidelidade partidária.
O mesmo Parlamento que reclama da intromissão do Judiciário, mas só corre para preencher os vácuos quando se trata de desmanchar decisões da Justiça consideradas desvantajosas aos partidos ou aos interesses de deputados e senadores.
O mesmo Parlamento que escandaliza o País com a criação de 7.343 vagas de vereadores e acerta urgência na conclusão do processo de forma a que os novos edis possam tomar posse já em fevereiro próximo.
“Quanto mais demorar a aprovação final, mais difícil será para a Justiça Eleitoral querer retroagir”, argumenta o relator da matéria no Senado, César Borges.
Ou seja, sacramente-se logo a gandaia antes que a Justiça queira pôr ordem na casa.
Como, de resto, tentou em 2004 ao refazer os cálculos de representação nos municípios e acabar com 8 mil cadeiras de vereadores Brasil afora.
Mas o Legislativo não sossegou enquanto não recuperou quase totalmente o contingente de empregos bem remunerados nas Câmaras Municipais, onde aqueles senhores e senhoras, além de trabalhar em prol de suas comunidades, servem como cabos eleitorais (financiados pelo Estado) para prefeitos, deputados, senadores e governadores.
Mantêm também abertas mais de 7 mil portas de acesso à carreira política.
Fora isso, para que servem mesmo esses 7.343 vereadores?
Segundo o sofisma denominado de argumento no Parlamento, para assegurar o equilíbrio da representatividade municipal do povo brasileiro.
Além de cinismo, a alegação revela seletividade. Há anos o Congresso vive um desequilíbrio de representação sem que suas excelências vejam necessidade urgente de alterar a distorção.
Por ela, um Estado enorme e populoso como São Paulo fica restrito a 70 deputados e outros pouco ocupados têm assegurado o mínimo de 8 cadeiras. Não há sequer interesse em conferir se outro critério de cálculo, como a população dos Estados, não garantiria uma repartição mais justa.
Claro, isso implica o risco de perda. E, como se tem observado, o Congresso só absorve bem os danos quando de natureza moral.
Enveredam por caminho equivocado as críticas de ordem financeira à medida. O Parlamento erra ao aumentar a quantidade de vereadores não porque o mundo esteja em “em plena crise” econômica ou porque o ato enseje acréscimo de despesas aos orçamentos municipais.
Esse tipo de argumento só abre espaço para que o Congresso pretenda encerrar a discussão alegando que não haverá mais gastos com vereadores.
Erra porque não há necessidade de mais vereadores, porque reformula uma decisão anterior da Justiça por puro corporativismo, porque deixa de lado outros temas urgentes para cuidar de futilidades.
Erra porque menospreza o interesse e a opinião nacionais, porque trata com desdém o decoro parlamentar, porque se conforma com uma relação subalterna com o Executivo, porque se acha no direito de ignorar sentença do Supremo Tribunal Federal.
Erra, sobretudo, porque não se dá ao respeito, enfia os pés pelas mãos e, de farra em farra, vai descendo a ladeira, ultrapassando todos os limites. Nem mais da compostura exigida de gente com mandato público, mas do puro e simples senso do ridículo.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O histórico é tão robusto que não cabe mais relembrar todos os casos a cada novo episódio de desfaçatez produzido pelo Congresso Nacional. Ora é a Câmara, ora é o Senado, tanto faz ser no plenário ou no ambiente das comissões, o vexame já não tem hora nem lugar para acontecer no Poder Legislativo.
Muitos nem chegam à imprensa, outros passam pelos jornais rapidamente porque a fila anda e vem outro atrás para substituir. Há ainda os que nem alcançam repercussão, talvez por enjoativos demais.
Já vamos ao caso dos vereadores adicionais, mas antes passemos por uma dessas ações quase imperceptíveis, publicada no jornal O Globo há dez dias: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou uma emenda constitucional que amplia aos parlamentares prerrogativas hoje exclusivas do presidente da República.
A proposta é do ex-presidente da CCJ, deputado Leonardo Picciani, e permite que, mediante a assinatura de 51 deputados e 8 senadores, o Congresso aumente o efetivo das Forças Armadas, crie cargos e dê reajustes para servidores públicos, legisle sobre a organização administrativa do Executivo e do Judiciário e proponha mudanças tributárias.
Além disso, com 10% das assinaturas em cada Casa será possível afastar as restrições para aumento de despesas em uma série de setores e temas listados pela Constituição. Resumo da ópera: dá autonomia ao Parlamento para dispor do caixa à vontade.
O mesmo Parlamento que abre mão da soberania para o Executivo sem o menor problema, ao custo baixo de queixumes formais contra o excesso de medidas provisórias.
O mesmo Parlamento que não cumpre sentença do Supremo Tribunal Federal relativa à fidelidade partidária.
O mesmo Parlamento que reclama da intromissão do Judiciário, mas só corre para preencher os vácuos quando se trata de desmanchar decisões da Justiça consideradas desvantajosas aos partidos ou aos interesses de deputados e senadores.
O mesmo Parlamento que escandaliza o País com a criação de 7.343 vagas de vereadores e acerta urgência na conclusão do processo de forma a que os novos edis possam tomar posse já em fevereiro próximo.
“Quanto mais demorar a aprovação final, mais difícil será para a Justiça Eleitoral querer retroagir”, argumenta o relator da matéria no Senado, César Borges.
Ou seja, sacramente-se logo a gandaia antes que a Justiça queira pôr ordem na casa.
Como, de resto, tentou em 2004 ao refazer os cálculos de representação nos municípios e acabar com 8 mil cadeiras de vereadores Brasil afora.
Mas o Legislativo não sossegou enquanto não recuperou quase totalmente o contingente de empregos bem remunerados nas Câmaras Municipais, onde aqueles senhores e senhoras, além de trabalhar em prol de suas comunidades, servem como cabos eleitorais (financiados pelo Estado) para prefeitos, deputados, senadores e governadores.
Mantêm também abertas mais de 7 mil portas de acesso à carreira política.
Fora isso, para que servem mesmo esses 7.343 vereadores?
Segundo o sofisma denominado de argumento no Parlamento, para assegurar o equilíbrio da representatividade municipal do povo brasileiro.
Além de cinismo, a alegação revela seletividade. Há anos o Congresso vive um desequilíbrio de representação sem que suas excelências vejam necessidade urgente de alterar a distorção.
Por ela, um Estado enorme e populoso como São Paulo fica restrito a 70 deputados e outros pouco ocupados têm assegurado o mínimo de 8 cadeiras. Não há sequer interesse em conferir se outro critério de cálculo, como a população dos Estados, não garantiria uma repartição mais justa.
Claro, isso implica o risco de perda. E, como se tem observado, o Congresso só absorve bem os danos quando de natureza moral.
Enveredam por caminho equivocado as críticas de ordem financeira à medida. O Parlamento erra ao aumentar a quantidade de vereadores não porque o mundo esteja em “em plena crise” econômica ou porque o ato enseje acréscimo de despesas aos orçamentos municipais.
Esse tipo de argumento só abre espaço para que o Congresso pretenda encerrar a discussão alegando que não haverá mais gastos com vereadores.
Erra porque não há necessidade de mais vereadores, porque reformula uma decisão anterior da Justiça por puro corporativismo, porque deixa de lado outros temas urgentes para cuidar de futilidades.
Erra porque menospreza o interesse e a opinião nacionais, porque trata com desdém o decoro parlamentar, porque se conforma com uma relação subalterna com o Executivo, porque se acha no direito de ignorar sentença do Supremo Tribunal Federal.
Erra, sobretudo, porque não se dá ao respeito, enfia os pés pelas mãos e, de farra em farra, vai descendo a ladeira, ultrapassando todos os limites. Nem mais da compostura exigida de gente com mandato público, mas do puro e simples senso do ridículo.
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