Segundo eles, falha deveria levar à criação de procedimentos de revisão
Cristina Tardáguila – O Globo
RIO — Depois de o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) anunciar que havia se equivocado na divulgação dos resultados da polêmica pesquisa sobre violência contra a mulher, ex-diretores do órgão e especialistas em pesquisas de opinião se debruçaram sobre o assunto e deram duros vereditos sobre o caso. Para Edson Nunes, que foi vice-presidente executivo do órgão entre 1985 e 1994, o Ipea pode ter cometido esse “erro grotesco e banal” porque trabalhou “fora de seu foco”.
— Esse erro que acabaram de anunciar é grotesco e banal. É lamentável — disse Nunes, classificando a entidade como sendo uma das “de mais alta lisura e resistência” do país: — Uma pesquisa desse tipo tem que passar por muitas mãos e ser fartamente revista antes de ser divulgada.
Então, o primeiro ponto a ser apontado aqui é que a respeitabilidade do Ipea sofre muito com essa falha. Depois, que esse erro tem muito a ver com o trabalho em si. O Ipea não tem a tradição de fazer pesquisas de opinião. No Brasil, temos meia dúzia de entidades que fazem esse trabalho muito bem: o Ibope, o Datafolha, o Vox Populi... O Ipea trabalha com dados econômicos e parece que está fora de seu foco.
Nunes, que diz não ter memória de um desmentido desse porte no país, também critica a escolha do tema que foi pesquisado. Para ele, o assunto não estaria na seara de domínio dos pesquisadores do Ipea:
— Essa escolha foi péssima, e o resultado agrediu homens e mulheres. Tanto foi assim que todo mundo do ramo ficou com uma pulga atrás da orelha depois de ouvir os resultados da pesquisa e acabou indo atrás da metodologia deles para ver onde tinham errado. Mas, esse erro aí, nós nunca pegaríamos. Eles trocaram a pergunta 23 com a pergunta 24, e os resultados saíram trocados.
A deputada estadual Aspásia Camargo (PV-RJ), que presidiu o Ipea entre 1993 e 1995, também lamentou o erro cometido e revelado pelo instituto.
— Certamente o que aconteceu ali foi um misto de cansaço, com a existência de equipes pequenas, trabalhando sobre coisas muito complexas. Para mim, faltou um leitor externo que pedisse aos pesquisadores mais certeza sobre suas conclusões — ponderou ela: — Se eu ainda estivesse na presidência do instituto, sendo mulher e bisbilhoteira como sou, teria me trancado numa sala com esse trabalho e duvidado dele. A gente tem que desconfiar sempre das pesquisas, mesmo quando elas vêm de instituições sérias. Agora, acho importante refazermos um levantamento sobre violência contra a mulher. Ainda temos 26% de pessoas que acham que mulher que mostra o corpo merece ser estuprada. Ainda é um dado ruim.
O sociólogo Simon Schwartzman, que foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1994 e 1998, destacou, por sua vez, a importância de o Ipea reconhecer publicamente sua falha:
— É importante que o instituto venha a público corrigir seu erro. Isso é para elogiar. Mas tem uma outra questão no ar: o instituto é da área econômica, e o tema da pesquisa é das ciências sociais. Isso quer dizer que o pessoal do Ipea não estava dentro da competência deles. Talvez tenham entrado num campo que não dominam muito bem.
Já o economista Sérgio Besserman, que também presidiu o IBGE, não acredita que o erro afete a imagem do Ipea. Para ele, o importante é reconhecer o erro com transparência e aproveitar a oportunidade para rever protocolos internos. Besserman explicou que, diferentemente do Ipea, os institutos que trabalham com pesquisa primária, como o IBGE, adotam procedimentos críticos antes de divulgar resultados. Ele lembra, porém, que, como o Ipea faz pesquisa analíticas, impor o mesmo cuidado ao órgão poderia ser interpretado como censura. Mesmo assim, a falha pode servir à criação de procedimentos que aumentem a segurança dos resultados. (Colaborou: Chico Otavio)
Um comentário:
É, mas um diretor atual disse que era 'um erro bobo' e durma-se com um barulho desses. Seria cômico, se não fosse trágico.
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