Executivo
continua sem plano para sustentar a retomada no próximo ano
A
maior dívida do governo, neste momento, é um plano de sustentação econômica
para 2021. Cuidar da outra dívida, aquela já superior a R$ 6,5 trilhões e a 90%
do PIB, ficará mais simples se a atividade crescer, as empresas ganharem fôlego
e houver melhores condições de emprego. Não pode haver maior prioridade que
essa, o crescimento, para um país com cerca de 30 milhões de trabalhadores
subaproveitados – em busca de emprego, desalentados, em compasso de espera ou
insuficientemente ocupados. Sem retomada segura, nem o barateamento da mão de
obra, uma fixação do ministro da Economia, resultará em contratações. Nenhum
empresário normal contrata funcionários sem necessidade.
O
desafio é especialmente complicado: prolongar a recuperação iniciada em maio,
depois do grande tombo, e ao mesmo tempo reiniciar o conserto das contas
públicas, interrompido para enfrentamento da pandemia. Nada parecido com um
plano foi até hoje apresentado. A equipe econômica parece apostar na sorte,
enquanto o presidente cuida de sua reeleição e das encrencas de seus filhos.
O
Ministério da Economia projeta expansão econômica de 3,2% em 2021. É um número
pouco menor que o do mercado, 3,3% na última pesquisa Focus. O Brasil
atravessará um ano, em qualquer desses casos, sem atingir o patamar, já muito
baixo, de 2019. Pior que isso: ainda estará longe do nível de atividade
anterior à recessão de 2015-2016.
Mas
até os míseros 3,2% estimados para 2021 dependerão de vento a favor. Para esse
crescimento a equipe econômica só conta com a convergência de alguns fatores
positivos. Isso fica bem claro em documento recente da Secretaria de Política
Econômica.
Será
possível prolongar a retomada, segundo esse documento, mesmo sem manter em 2021
o auxílio emergencial concedido aos mais vulneráveis. O consumo será em parte
sustentado, de acordo com o texto, pela poupança acumulada na quarentena por
famílias de renda média e renda média alta. Também se aposta numa recuperação
do emprego informal, a partir da melhora do setor de serviços, e na manutenção
de boas condições de crédito.
Em
outras palavras, ninguém deve esperar, pelo menos do Executivo, ações voltadas
diretamente para a sustentação da retomada. Estímulos dependerão do Banco
Central (BC). Mas quem pode garantir a manutenção de juros estimulantes?
Juros
baixos serão mantidos, prometem os condutores da política monetária, enquanto
houver compromisso de responsabilidade fiscal. Mas esse compromisso pode ser
ameaçado por ministros defensores de maiores gastos e por aliados fisiológicos.
O conjunto se completa com um presidente em busca da reeleição e claramente
inclinado a ações populistas.
O
dia a dia do mercado reflete, nas oscilações da bolsa de valores, nas alterações
da curva de juros e na instabilidade cambial, as atitudes do presidente. Nenhum
outro agente foi tão favorável, em 2020, a quem especulou com o dólar. Mas o
câmbio afetou dezenas de milhões de pessoas distantes do jogo financeiro. A
alta do dólar é uma das causas da alta dos preços no atacado, 4,86% em outubro
e 26,64% em dez meses, segundo números da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Parte
desse aumento chegou ao varejo, prejudicando principalmente os mais pobres. A
inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
bateu em 0,86% em outubro, a taxa mais alta para o mês desde 2002, quando
chegou a 1,31%. O dado é do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. O indicador da FGV mostrou 0,65% em outubro, depois de uma alta de
0,82% em setembro.
As
pressões inflacionárias, ainda fortes, tendem a arrefecer, segundo o BC. Também
essa expectativa é importante para a manutenção dos juros. Mas qualquer
previsão é especialmente arriscada quando câmbio e preços podem ser afetados
por um presidente concentrado em temas eleitorais e familiares.
Quanto
ao ajuste fiscal, dependerá de fatores ainda muito incertos O documento oficial
sobre 2021 menciona, entre outros itens, propostas de emendas constitucionais
já enviadas ao Congresso, a revisão de marcos setoriais (potencialmente
favoráveis a investimentos em infraestrutura), a reforma administrativa e a
pauta de privatizações. Mas a reforma administrativa – pouco mais, de fato, que
uma reforma de RH – produzirá efeitos pouco sensíveis em 2021. Quanto à receita
de privatizações, dependerá de ações muito mais eficientes que as observadas
até agora.
Mas falta saber como ficará o Orçamento de 2021. Em novembro, o assunto continua obscuro. Há quem ainda fale na criação da Renda Cidadã, mais custosa que a Bolsa Família. Mas de onde virá o dinheiro para custear uma despesa permanente? Além disso, ainda se discute o prolongamento do auxílio emergencial. Um governo planejador teria concentrado atenção nesse tema, cuidando de sustentar a retomada. Este é, neste momento, um objetivo mais acessível e muito mais importante que a Renda Cidadã. Mas quem dá atenção a detalhes como esse, na confusão de um governo sem rumo e sem unidade, chefiado por um presidente autocentrado?
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