Projeções
de inflação do mercado superam a meta do ano que vem
As
expectativas de inflação para 2022, principal alvo da política monetária,
subiram a 3,6% na última semana, sofrendo o seu primeiro descolamento
expressivo em relação à meta do ano, de 3,5%. Como o Banco Central deve reagir?
Aparentemente,
não foi uma alta isolada das expectativas de inflação. Outros indicadores
antecedentes sinalizam que, nos próximos dias e semanas, as projeções do
mercado tendem a subir um pouco mais. A média das estimativas dos analistas
privados já chegou a 3,64%, um indicador de que a distribuição das expectativas
dos analistas pende para valores acima da mediana, de 3,6%.
A dinâmica também parece desfavorável. A mediana das expectativas dos analistas que atualizaram as suas projeções de inflação nos últimos cinco dias já se encontrava em 3,67%. Ou seja, quem renovou as suas estimativas mais recentemente já está prevendo inflação ainda maior para o ano que vem.
A
alta das expectativas preocupa, por várias razões. Uma delas é que sinaliza o
quanto da alta recente da inflação, causada sobretudo por preços de alimentos,
energia e produtos industriais, é temporária ou permanente. Uma ala dos
analistas diz que esses são choques de oferta passageiros, aos quais o Banco
Central não deve reagir com muito vigor. Outros dizem que há o risco de esses
choques se perpetuarem, contaminando outros preços da economia.
O
principal motivo de preocupação, porém, é que a alta da expectativa de inflação
significa um certo descrédito dos analistas do mercado de que o Banco Central
vai se empenhar suficientemente para entregar a meta de inflação no ano que
vem.
Na
teoria, o BC tem todos os instrumentos à disposição para fazer a inflação ficar
dentro do objetivo em 2022. Altas de juros feitas agora atingem o seu efeito
máximo nos índices de preços justamente no próximo ano-calendário. Se o mercado
realmente acreditasse que o Banco Central vai fazer o que for preciso para
cumprir o seu mandato, não iria prever inflação acima da meta.
Então
o Banco Central deve ser mais duro com os juros simplesmente porque as
expectativas de inflação subiram? Na teoria, não é tão automático. A meta do BC
é a inflação, e não as expectativas de inflação. As projeções de inflação do
mercado importam para a política monetária apenas na medida em que influenciam
as projeções de inflação do BC e o balanço de riscos para a inflação.
Um
exame do histórico das expectativas de inflação mostra que não é incomum as
expectativas se descolarem um pouco da meta do ano seguinte. Na verdade, essa é
mais a regra do que a exceção. Em abril de 2020, por exemplo, o mercado
projetava uma inflação de 3,4% para 2021, abaixo da meta, que é de 3,75%. O
Banco Central baixou os juros nos meses seguintes, mas foi mais devagar do que
muitos queriam e resistiu aos apelos de economistas para levá-los a zero.
Acabou adotando o “forward guidance”, que é a promessa de não subir os juros
mesmo em situações em que normalmente subiria.
Em
abril de 2019, a projeção de inflação para o ano seguinte, 2020, estava
exatamente na meta, de 4%. Esse é um evento muito raro, que só havia acontecido
dez anos antes, em 2009. De 2010 a 2016, ficou sistematicamente acima da meta,
no período da grande desancoragem das expectativas. O mercado considerava o então
presidente do BC, Alexandre Tombini, tolerante com a inflação e achava que a
presidente Dilma Rousseff interferia nas decisões de política monetária.
Em
2017 e 2018, a situação foi inversa, e as projeções estavam abaixo da meta de
inflação - embora com uma distância não tão grande. Setores do mercado entendia
que o então presidente do BC, Ilan Goldfajn, tinha um comportamento
assimétrico, combatendo com mais vigor a inflação acima da meta do que abaixo
dela.
E
agora, qual é a explicação para as expectativas de inflação estarem acima da
meta? Há vários determinantes para as expectativas de inflação de curto prazo,
como a taxa de câmbio, o preço das commodities e o nível de ociosidade da
economia. Mas, para um prazo tão longo quanto 2022, o que importa mesmo é a
postura da política monetária e, em menor grau, a situação fiscal do país.
Quando
há dúvida sobre a capacidade de o governo colocar as contas públicas em ordem,
o mercado começa a achar que o Banco Central terá que manter os juros baixos
para reduzir os encargos da dívida pública. As expectativas de inflação podem
sair fora da meta porque o mercado acha que o Banco Central não vai manipular
os juros para controlar a inflação.
Hoje,
o Banco Central é independente e quase ninguém acha que seus dirigentes sejam
lenientes com a inflação. Mas muitos analistas acham que o Comitê de Política
Monetária (Copom) se comprometeu demais, no comunicado e na ata da sua última
reunião, com um cenário de normalização parcial de juros, ou seja, que não
retiraria completamente os estímulos monetários à economia.
O
BC já procurou corrigir esse erro na comunicação - o seu presidente, Roberto
Campos Neto, disse que o cenário central contempla uma normalização parcial dos
juros, mas ressaltou que não há nada escrito na pedra. “O único compromisso que
o BC tem, é bom reforçar, é perseguir o centro da meta de inflação no horizonte
relevante”, disse o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes.
“Ajuste parcial não é compromisso.”
As
declarações mais incisivas dos dirigentes do BC, porém, não foram suficientes
para impedir a alta das expectativas de inflação. Economistas de mercado
esperam que, na reunião da semana que vem, o Copom reformule a sua comunicação.
Pouquíssimos esperam que o Copom aperte o passo da alta de juros, já que o comitê sinalizou de forma bastante explícita que precisaria uma mudança muito grande de cenário para subir os juros mais do que o 0,75 ponto percentual prometido. Campos Neto se comprometeu a avisar antes se o cenário tiver mudado tanto. Mas é provável que a sinalização de alta parcial de juros seja temperada com o compromisso de fazer o que for necessário para cumprir a meta.
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