Valor Econômico
Volta do recesso informal trouxe
preocupações para o governo
O recesso parlamentar, ainda que informal,
também deu um refresco para o governo. O reencontro marcado entre o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e as lideranças do Centrão que buscam espaço no
Executivo foi adiado para esta semana, o que garantiu um pouco mais de tempo
para Lula reforçar a estratégia de relembrar aos deputados que o sistema de
governo no Brasil ainda é, sim, o presidencialismo. Mas a volta das férias não
está ocorrendo exatamente como o governo desejava.
A votação do arcabouço fiscal, conforme
antecipou o Valor
PRO, o serviço de informações em tempo real do Valor, foi suspensa pelo
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Por tempo
indeterminado, diga-se, ou até que a reforma ministerial seja destravada. Em
outro sinal de alerta para a articulação política, o ministro da Casa Civil,
Rui Costa, foi convocado pela CPI do MST.
Há uma crescente pressão para que a reforma
ministerial conduzida em banho-maria seja acelerada. Porém, repetem Lula e seus
auxiliares, quem oferece ministério para partido político compor o governo é o
presidente da República - e não o contrário.
Foi com esse discurso que ele passou a
marcar os territórios proibidos para o Centrão. Primeiro, blindou o Ministério
da Saúde: em um evento com representantes do setor, afirmou que a ministra
Nísia Trindade ficará no cargo até quando ele quiser. “Nísia, vá dormir e
acorde tranquila, porque o Ministério da Saúde é do Lula, foi escolhido por mim
e ficará até quando eu quiser."
Em entrevista ao Valor algumas semanas depois, a ministra explicou que o grande motivo da crise política na qual foi envolvida estava relacionado a um represamento do chamado orçamento secreto, as extintas emendas de relator, que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais em 2022. Uma fatura de R$ 3 bilhões que estava sendo liberada, agora, de acordo com as prioridades programáticas da pasta e para projetos devidamente cadastrados por municípios nas áreas de atenção primária à saúde e de média e alta complexidade.
Com a trincheira em volta do Ministério da
Saúde construída, o próximo alvo do Centrão passou a ser o Ministério do
Desenvolvimento Social. Pasta robusta: além do novo Bolsa Família, está à
frente de programas como o de construção de cisternas e outras iniciativas de
assistência social e inclusão produtiva, tanto no meio rural como em áreas
urbanas. Tem um ativo que interessa aos partidos, que é a presença nos Estados
e conexão direta com prefeituras de todo o país, ou seja, capilaridade.
Lula novamente traçou um risco no chão,
demarcando os limites da negociação. “Esse ministério [do Desenvolvimento
Social] é um ministério meu. Esse ministério não sai. A Saúde não sai. Não é o
partido que quer vir para o governo que pede ministério. É o governo que
oferece o ministério. É só fazer uma inversão de valores”, disse o presidente
em entrevista à TV Record, acrescentando que no momento certo iria conversar da
forma mais tranquila possível, quando o Congresso retomasse os trabalhos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) é o exemplo mais recente. Quando a indicação do economista
Marcio Pochmann começou a ser criticada por alas do setor privado e até mesmo
por integrantes do próprio governo, coube primeiro ao titular da Secretaria de
Comunicação Social marcar posição: segundo o ministro Paulo Pimenta, Pochmann
era o nome escolhido e isso não deveria causar ruído. Na sequência, o próprio
presidente sublinhou que se tratava de uma escolha pessoal.
O Ministério do Planejamento servia de
palco para a crise, mas a mensagem era mais ampla: estava mantida a decisão,
anunciada na época da transição, de que os ministros não receberiam as pastas
com “porteira fechada”. Ou seja, não poderiam ocupar as estruturas dos
ministérios como eles e seus partidos bem entendessem.
O presidencialismo tem imperfeições, claro.
Mesmo assim, permanece sendo o conjunto de regras que hoje tenta manter
organizado um habitat político hostil ao chefe de Poder Executivo cuja coalizão
não obteve, de saída, maioria no Congresso nas eleições.
E é este, que é chefe de Estado e de
governo, que tem a prerrogativa de montar o ministério e não pode ser afastado
do cargo por um voto de desconfiança qualquer, como ocorre no parlamentarismo.
Ou no semipresidencialismo, sistema tão desejado por lideranças do Centrão.
Depois de discutido por um grupo de
trabalho, o semipresidencialismo ganhou forma no fim do ano passado, entre o
primeiro e segundo turnos. Era um sinal para os candidatos que,
independentemente do vencedor, o futuro presidente teria que saber da
existência desse projeto em tramitação na Câmara.
O governo não deixará essa proposta
avançar, e sempre que puder irá reiterar que as trocas ministeriais serão
feitas no tempo e seguindo os planos do presidente. Mas será frequentemente
lembrado de que ela existe.
Isso ocorreu, por exemplo, na noite de
segunda-feira, último dia do recesso. Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da
TV Cultura, Lira defendeu o semipresidencialismo mais uma vez: “Tem uma PEC
andando lá no Congresso. Não tem apoio? Paciência, vai ter o seu momento”. Um
outro encontro conflituoso está no horizonte.
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