quarta-feira, 2 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Economia melhora, mas governo precisa reduzir ainda mais a incerteza

Valor Econômico

Passados sete meses do ano, o cenário é consideravelmente mais benigno do que o do começo de 2023. Cabe especialmente ao governo aproveitar esse quadro positivo, empenhando-se em diminuir indefinições

As perspectivas para a economia brasileira melhoraram ao longo deste ano. O crescimento será mais forte do que se esperava no começo de 2023 e a inflação, mais baixa, num cenário marcado pela redução de incertezas em relação às contas públicas e pela aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. Em julho, esse quadro mais positivo levou a agência de classificação de risco Fitch a elevar a nota de crédito do Brasil de BB- para BB, ainda a dois passos do grau de investimento, o selo conferido a países, empresas ou bancos com maior capacidade de pagamento de suas dívidas. Além disso, o Indicador de Incerteza da Economia (IIE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) recuou pela quarta vez seguida, para 103,5 pontos, o nível mais baixo desde novembro de 2017, quando ficou em 103,1 pontos.

São notícias positivas, que indicam um ambiente mais favorável para a economia, num momento em que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve começar a reduzir os juros na reunião de hoje, baixando a Selic em 0,25 ou 0,5 ponto percentual. A inflação tem perdido fôlego e as expectativas para os índices de preços recuaram nos últimos meses.

Ainda assim, há pontos de indefinição que podem atrapalhar a economia. O arcabouço fiscal reduziu o risco de cenário extremo para as contas públicas, mas ainda há incertezas relacionadas à trajetória fiscal de longo prazo. Em relatório divulgado na segunda-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para os riscos de implementação da nova regra fiscal, devido ao foco no aumento de receitas. Para que a dívida pública entre numa trajetória firme de queda, é necessário um ajuste fiscal mais ambicioso, diz o Fundo, em sua avaliação anual sobre a economia brasileira. Entre as várias sugestões para aprimorar o arcabouço, o FMI vê como importante uma regra para enfrentar o elevado tamanho dos gastos como proporção do PIB, para diminuir os riscos de um ajuste concentrado apenas no aumento da arrecadação.

Outra eventual fonte de incertezas é a política de preços da Petrobras. Estimativas de consultorias indicam que as cotações domésticas dos combustíveis começaram a acumular defasagem importante em relação às cotações internacionais. Como mostrou reportagem do Valor publicada ontem, a Stone X calcula que os preços do diesel estavam 23,9% abaixo das cotações no mercado externo; no caso da gasolina, a diferença seria de 15,1%, mesmo com o dólar abaixo de R$ 5. O ponto é que o petróleo tem subido. Se a companhia continuar a segurar os reajustes, isso pode diminuir ainda mais o pagamento de dividendos. Pela nova política de remuneração, anunciada na sexta-feira, eles passarão a ser de 45% do fluxo de caixa livre da empresa, e não mais de 60%.

Maior acionista da Petrobras, o Tesouro receberá menos recursos da companhia num momento em que o governo busca elevar receitas. Além disso, se a diferença entre os preços internos e externos permanecer grande por muito tempo, pode haver risco de desabastecimento de combustíveis em algumas regiões, especialmente do diesel, segmento em que o peso do produto importado é expressivo. Se a Petrobras mantém as cotações artificialmente baixas por longos períodos, deixa de ser rentável para o importador trazer o combustível do exterior.

A reação de integrantes do governo à decisão do Copom também pode voltar a causar ruídos. É possível que o colegiado do Banco Central (BC) opte por uma redução pequena da Selic, de 0,25 ponto percentual. A queda dos preços de serviços ainda é lenta e as expectativas de inflação ainda não convergiram totalmente para as metas, de 3,25% neste ano e de 3% nos anos seguintes. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros importantes atacarem o BC, será contraproducente, podendo criar problemas desnecessários. O ciclo de queda dos juros já terá se iniciado, e um começo cauteloso pode levar o processo de redução da Selic a ser mais extenso e mais profundo, se ocorrer com a consolidação de projeções de inflação próximas aos alvos perseguidos pelo BC.

Passados sete meses do ano, o cenário para a economia brasileira é consideravelmente mais benigno do que o do começo de 2023. Cabe especialmente ao governo aproveitar esse quadro positivo, empenhando-se em reduzir ainda mais as incertezas, especialmente no campo fiscal. O projeto do arcabouço será analisado novamente pela Câmara dos Deputados, depois de algumas mudanças realizadas pelo Senado, que afrouxaram o teor da regra. Seria importante que os deputados restaurassem o texto do arcabouço, fechando o espaço para mais gastos. Também é essencial um quadro mais claro para as receitas em 2024, que ainda dependem de algumas medidas ainda não aprovadas pelo Congresso e outras ainda não oficialmente propostas. Quanto mais crível for a política fiscal, mais espaço e mais conforto terá o BC para avançar no ciclo de queda de juros. Isso ajudará a impulsionar a atividade e a melhorar o próprio quadro para as contas públicas, ao elevar a arrecadação e reduzir as despesas financeiras do setor público.

Fim do ‘ponto’ abre caminho a reforma administrativa

O Globo

É preciso avaliar desempenho e instaurar meritocracia para acabar com disparidades no funcionalismo

Modernizar a gestão do funcionalismo público tem sido por décadas tarefa urgente e sempre adiada no Brasil. É, por isso, alvissareira a instrução normativa baixada pelo Ministério da Gestão e da Inovação trocando o arcaico controle de presença por meio do “ponto” pela “produtividade”. Embora a medida tenha efeito restrito, pode representar o primeiro passo rumo a um sistema de avaliação de desempenho com base em metas. Seria fundamental para trazer a gestão pública brasileira para o século XXI, em linha com as melhores práticas do setor privado. Deveria também ser o embrião de uma ampla reforma administrativa, capaz de corrigir distorções inaceitáveis que persistem.

A mesma instrução normativa que alterou o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) definiu regras para o teletrabalho, integral ou parcial. Nada diferente do que passou a vigorar em empresas ou escritórios depois da pandemia. Pelas novas regras, cada órgão federal deverá solicitar adesão ao PGD. Diferentes departamentos poderão preservar o controle de “ponto” segundo as características do trabalho. Numa função de atendimento ao público regida pelo horário comercial, esse controle é compreensível. Nas demais, é apenas um remanescente de métodos de gestão incompatíveis com o trabalho moderno. “Usando modelos mais modernos, estamos substituindo o mero controle da disponibilidade por um controle de resultados”, diz o secretário de Gestão e Inovação do ministério, Roberto Pojo. Mesmo para aqueles que continuarem sujeitos a “bater ponto”, não deixará de haver em algum momento avaliação de desempenho.

Trata-se de iniciativa fundamental para poder premiar, promover ou demitir funcionários segundo a competência, e não com base nos privilégios estapafúrdios que fazem do setor público no Brasil uma máquina de geração e perpetuação de desigualdades. A reforma administrativa promovida em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, já estipulava a necessidade de avaliar o desempenho dos funcionários públicos e previa possibilidade de demissão por inépcia. A medida jamais foi regulamentada.

Como resultado, o funcionalismo brasileiro continua marcado por disparidades e privilégios inaceitáveis. Entre os 11,35 milhões de servidores, a distribuição de renda reproduz as desigualdades da sociedade, de acordo com levantamento divulgado na semana passada pelo Instituto República.org. Enquanto a maioria ganha menos de três salários mínimos, 1% do funcionalismo recebe mais de R$ 27 mil.

Os supersalários, que ultrapassam o limite estabelecido pela Constituição, são pagos a 0,06% do funcionalismo. Enquanto isso, os que ganham até R$ 5 mil representam mais de 70% do total. As disparidades são ainda maiores entre os Poderes. O servidor do Judiciário federal recebe em média R$ 18 mil, quase sete vezes o salário médio do servidor municipal (R$ 2.604). No Judiciário estadual, a remuneração média (R$ 10.162) supera todas as demais.

Instaurar critérios de avaliação que permitam promover os competentes e demitir os ineptos é essencial para eliminar essas distorções e modernizar a gestão pública. A norma baixada pelo Ministério da Gestão deveria representar o início de uma reforma que instaurasse um regime meritocrático no Estado, restringindo a estabilidade a carreiras em que é essencial para a função pública. É essa a meta a perseguir.

Governo não deve ceder à chantagem promovida pelo MST com invasões

O Globo

Onda de novas ocupações mostra que movimento só está interessado na própria sobrevivência

As invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos últimos dias, que atingiram até uma área da Embrapa em Pernambuco, provocaram o barulho que os militantes pretendiam. Como resposta, integrantes da CPI instaurada no Congresso para investigar as ações do MST convocaram o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e planejam chamar outros nomes do Executivo. Usando a tática recorrente das ocupações, o MST tenta conquistar mais espaço na pauta do Congresso e no governo. As autoridades não deveriam ceder a esse tipo de chantagem. Invasões têm de ser tratadas como o que são: atos ilegais que precisam ser enfrentados.

Mesmo repaginada recentemente, a visão do MST sobre o campo continua a ser idílica. A idealização de um meio rural cheio de pequenas propriedades cultivando produtos orgânicos não passa de sonho. Ainda que o Brasil tivesse dinheiro para gastar nesse tipo de fantasia, seria descabido, além de impraticável, transformar a paisagem rural brasileira num momento da História em que o agronegócio — principal adversário do MST — funciona como motor do crescimento econômico, gerando aumento do emprego e da renda nas áreas onde está presente.

Com a nova onda de invasões, o movimento mostra que está apenas interessado em investir na própria sobrevivência, uma vez que o número de acampados tem caído. A estratégia é obter concessões de uma administração mais simpática à causa. O governo deveria condenar com mais veemência a quebra da lei, que eleva a insegurança do agronegócio.

Isso não significa esquecer de buscar novas soluções para diminuir a pobreza e a desigualdade no campo. De 1979 a 2018, 1,3 milhão de famílias foram assentadas, segundo dados do Incra. Bandeira histórica da esquerda, os assentamentos também foram considerados por economistas liberais, entre eles John Williamson, como ferramenta para melhorar a distribuição de renda. Causa espanto que pouco se discuta se a reforma agrária das últimas quatro décadas entregou os benefícios esperados.

Pesquisas mostram que a desigualdade no campo não caiu com os assentamentos. Há histórias de sucesso, principalmente quando as pequenas propriedades fazem parte de uma cadeia produtiva estabelecida, como a de aves e porcos no Sul. Para os demais, a vida continua difícil. Sem que o governo faça análises prévias de viabilidade econômica, muitos acabam conseguindo a terra sonhada, mas continuam carentes de capacidade, apoio técnico e capital.

Uma das lições das últimas quatro décadas é que o país precisa repensar a política de reforma agrária, justamente o contrário do que pretende o MST. O Brasil poderia aproveitar este momento para passar a limpo essa política e avaliar seus acertos e erros.

 Inquérito falho

Folha de S. Paulo

Investigações sobre 8 de janeiro precisam ser abrangentes, sem corporativismo

Terminou de forma previsível, mas nem por isso satisfatória, o inquérito militar que investigou possíveis falhas da caserna na proteção do Palácio do Planalto em 8 de janeiro, quando apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) atacaram os prédios dos três Poderes em Brasília.

A culpa pela falta de resistência aos vândalos não é das tropas, conclui a apuração; os indícios sugerem que a responsabilidade recai sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diz o documento.

Ainda segundo o relatório, teria sido possível evitar a invasão do palácio ou minimizar os estragos com um planejamento adequado —incumbência da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial e do Departamento de Segurança Presidencial, ambos no organograma do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Não se devem descartar como inválidas tais conclusões. Chama a atenção, porém, que, a julgar pelo inquérito, é como se militares jamais tivessem sido permissivos com acampamentos golpistas em frente a quartéis e como se fardados não tivessem integrado a malta que depredou edifícios públicos.

A investigação tampouco parece capaz de atinar com a possibilidade de membros da caserna terem ligações mais explícitas com a trama antidemocrática —conjectura simples quando se tem em mente o arsenal teórico encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid e seus diálogos com o coronel Jean Lawand Junior.

Dado o histórico de corporativismo dos militares, não seria de esperar que esse inquérito apontasse para outra direção. É lamentável, mesmo assim, que os fardados nem se mostrem interessados em provocar uma grata surpresa na sociedade e conduzir uma apuração com espírito republicano.

Para ficar num único exemplo, por que o general Carlos Feitosa Rodrigues não foi ouvido, se, à época, ele chefiava a malfadada Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial? Não custa lembrar, Feitosa chegou ao cargo em 2021, na gestão do bolsonarista general Augusto Heleno, e lá foi mantido pelo general Gonçalves Dias.

Mas o Exército não considera necessário responder a essa pergunta. Assim como, ao que tudo indica, não parece ter empregado todo o rigor necessário em uma investigação de grande peso para o país.
Tudo o que se pede, desde o infame 8 de janeiro, é que os responsáveis sejam punidos, nos termos da lei.

Para tanto, precisam ser identificados em inquéritos abrangentes e balizados pelo Estado de Direito, sem sanha persecutória nem proteção corporativista. Não é muito.

Estado caro

Folha de S. Paulo

Distorção no funcionalismo do país é o custo elevado, não quantidade excessiva

Levantamento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que o número de servidores públicos no Brasil não é elevado segundo padrões internacionais. Os dados, que confirmam estudos anteriores sobre o tema, ajudam a qualificar o debate a respeito das distorções do funcionalismo nacional.

De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, há 11,3 milhões de funcionários na União, nos estados e nos municípios, o equivalente a 12,5% de um total de 91 milhões de trabalhadores do país. Trata-se de patamar inferior aos de nações ricas como Reino Unido (22,6%), França (20,3%), EUA (13,6%) e aos de vizinhos como Argentina (19,3%), Uruguai (16,9%) e Chile (13,1%).

Números do gênero têm sido usados desde os anos 2000 para rebater críticas mais e menos fundamentadas às dimensões do setor público brasileiro —ou mesmo para defender a ampliação do quadro de pessoal do governo. Entretanto é preciso adicionar outras considerações à análise.

Por si só, o quantitativo total pouco esclarece se há falta ou excesso de servidores. É plausível que haja carências em determinados setores e regiões, como no caso de médicos para o Norte e o Nordeste, e superabundância em outros.

Não resta dúvida, contudo, que o funcionalismo brasileiro está entre os mais caros do mundo, devido a salários acima da média do setor privado e outros privilégios.

Segundo a base de dados do Fundo Monetário Internacional que permite comparar estatísticas orçamentárias, nosso gasto público com pessoal, incluindo contribuições sociais e previdenciárias, correspondeu a 11,9% do Produto Interno Bruto em 2021, depois de uma redução forçada por contenção de salários —em anos anteriores, a cifra ficava na casa dos 13%.

Esse dispêndio supera com folga o de países com relativamente mais servidores, como Reino Unido (9,4%), Estados Unidos (8,5%), Alemanha (7,9%) e Chile (6,8%). Dito de outro modo, funcionários públicos se apropriam de uma parcela muito elevada da renda nacional.

Outra questão importante se refere à qualidade do serviço prestado. Esse tipo de aferição é decerto complexa, mas indicadores do país em educação e saúde, por exemplo, sugerem que o gasto nessas áreas é pouco eficiente.

Tudo considerado, uma reforma administrativa deveria fazer valer um teto salarial, reduzir remunerações iniciais e limitar o alcance exagerado da estabilidade no emprego —não para promover demissões em massa, mas para elevar a produtividade do Estado.

Um estranho conceito de sucesso

O Estado de S. Paulo

Ao se dizer ‘extremamente satisfeito’ com operação policial que matou mais de uma dezena de pessoas no Guarujá, Tarcísio ignora indícios de abuso, que precisam ser investigados

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial que, a pretexto de reagir ao assassinato de um PM, deixou ao menos 13 mortos no Guarujá. Isso significa que, para o governador, mesmo que, até este momento, pairem fundadas suspeitas de excesso por parte da polícia, a operação foi bem-sucedida. Ora, não cabe ao chefe do Executivo estadual fazer essa avaliação antes da apuração detalhada do caso, especialmente quando os indícios apontam para o exato contrário.

A segurança pública envolve decisões políticas a respeito de várias questões complexas, sobre as quais cada governante pode e deve ter uma específica compreensão. Há muitos possíveis caminhos, com diferentes propostas, para prover paz e ordem pública. São, em última análise, escolhas que cabe à população realizar por meio do voto.

No entanto, existem alguns princípios norteadores da segurança pública que não estão à disposição de escolhas políticas. Eles não são negociáveis. Por exemplo, o Estado não tem o direito de executar ninguém, tampouco o de torturar. Trata-se de uma limitação constitucional intransponível do poder estatal. Ressalte-se ainda que não há pena de morte no País – e, ainda que houvesse, não cabe à polícia fazer o julgamento e executar sumariamente a sentença. A tarefa das forças policiais é prover segurança aos cidadãos, e não realizar revanches ou vinganças, seja por qual motivo for.

Nenhum desses princípios depende da inclinação político-ideológica do governante ou mesmo da sua popularidade perante a opinião pública. É a lei brasileira, à qual todos estão igualmente sujeitos. Por isso, operações policiais que causam mortes – especialmente as que causam muitas mortes – devem ser objeto de apuração rigorosa e isenta. Só assim será possível distinguir os casos de abuso policial daquela outra situação, excepcional, na qual o agente de segurança tem não apenas o direito, mas o dever de matar, para proteger a coletividade e a si mesmo.

Certamente, a morte de um policial é um fato gravíssimo, a exigir imediata atuação do poder público. Mas ela não suspende a vigência da lei por um período, numa espécie de autorização excepcional para que a polícia promova a correspondente vingança. Também não elimina as regras da razoabilidade e da proporcionalidade. “Não houve excesso”, afirmou o governador de São Paulo, antecipando-se às investigações e ignorando os indícios que indicam o oposto. Há inclusive relatos de tortura e de execução sumária, o que demanda acurada e independente apuração.

Num juízo de valor precipitado, Tarcísio de Freitas disse que “houve uma atuação profissional” da polícia no caso do Guarujá. Ora, não parece muito profissional uma polícia que mata mais de uma dezena de pessoas a título de prender o suspeito de um crime. Isso pode ser aceitável para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, mas, além de desalinhada com a lei, essa concepção de segurança pública coloca em risco a vida e a segurança da própria população. No Estado Democrático de Direito, nenhuma autoridade pública tem o direito de aplaudir uma atuação policial que, neste momento, parece eivada de truculência.

Tarcísio de Freitas tem todo o direito de ter suas ideias políticas, mas se afasta da lei e das evidências ao tratar violência policial como boa política de segurança pública. Na condição de governador do Estado, deve evitar que suas palavras sejam confundidas com estímulo à atuação da polícia à margem da lei, com regras próprias de funcionamento. A lei é para todos. E polícia não é milícia.

Na investigação da ação policial, serão muito úteis as imagens produzidas pelas câmeras usadas nos uniformes dos PMs. Ainda não está claro se essas imagens existem ou mesmo se os policiais envolvidos estavam com câmeras, mas esse é o típico caso em que o equipamento justifica o investimento: se os PMs agiram conforme os protocolos e as leis, as imagens vão mostrar. É essa transparência que incomoda tanto aqueles que acham que justiçamento é justiça.

O MST não toma jeito

O Estado de S. Paulo

Nova invasão da Embrapa mostra que o bando de Stédile faz do emprego da força bruta um instrumento de ação política. Lula que arque com o desgaste de sua associação com a delinquência

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não toma jeito. Mesmo com quase 40 anos de existência, o grupo insiste em ignorar deliberadamente que a força bruta não é – nem nunca será – um instrumento legítimo de ação política no Estado Democrático de Direito.

Em mais uma desabrida afronta às leis e à Constituição, baderneiros do MST invadiram a unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Petrolina (PE), a Embrapa Semiárido. A mesma propriedade, altamente produtiva, já havia sido invadida pelo bando durante o chamado “Abril Vermelho”. A nova invasão, segundo os sem-terra, foi uma espécie de retaliação ao governo federal, ora vejam, pelo não cumprimento de “acordos” que teriam sido firmados há quatro meses.

Os invasores de propriedade alheia estavam tão seguros de que nada lhes aconteceria que, poucas horas depois da invasão, deixaram as instalações da Embrapa Semiárido, dando a entender que a ocupação era uma demonstração de força. Ainda ameaçaram o presidente Lula da Silva: se o MST não for atendido em sua demanda por novos assentamentos, novas invasões de terra irromperão pelo País. É muita audácia.

Lula que agora lide com as consequências políticas de sua irresponsabilidade. Há décadas, o presidente demonstra apoio – ora tácito, ora explícito – aos métodos truculentos do MST. Ainda que, vez ou outra, Lula peça moderação a quem nunca foi moderado, o presidente praticamente convidou esse desgaste para se instalar no terceiro andar do Palácio do Planalto. Sua tibieza, como já dissemos neste espaço, tem facilitado muito a vida dos delinquentes do MST. Pois é disso que se trata, de uma ação flagrantemente delitiva, não uma ação política.

Além da condescendência inadmissível, sendo Lula quem é, a associação direta que o presidente da República estabeleceu entre seu governo e o MST, a ponto de o chefão do grupo, João Pedro Stédile, compor a comitiva presidencial em viagem à China, ainda mina o necessário esforço de pacificação nacional. A recorrência das invasões só contribui para a insegurança jurídica no campo, de onde vêm as maiores fontes de riqueza do País, e para o acirramento de ânimos no ambiente político.

O MST está errado ao recorrer à violência. O governo federal, particularmente Lula, deve dizer isso com todas as letras. Ministério Público e Poder Judiciário devem fazer valer suas prerrogativas constitucionais e dar fim a essa sucessão de violações das leis e da Constituição diante dos olhos de todos.

Ninguém de boa-fé haverá de discordar do fato de que há, sim, demanda por terra por gente decente que quer apenas trabalhar e criar sua família em paz, e que neste país de dimensões continentais há terras improdutivas que não atendem aos requisitos definidos pelo Estatuto

da Terra. Mas eis a questão fundamental: há ordenamento legal dos processos de assentamento. E ele deve ser respeitado, evidentemente.

Fazer a chamada “luta política” por meio de atos tipificados como crime é crime, não luta política. É tão simples quanto isso. Os cidadãos têm plena liberdade de associação, assegurada pela Lei Maior, para constituir grupos de representação de seus interesses. Podem e devem se organizar para exercer pressão sobre o poder público, pois essa liberdade é o húmus da democracia. No entanto, essa pressão há de ser exercida, por óbvio, por meios legais.

É inaceitável que qualquer indivíduo ou grupo, sejam quais forem sua orientação ideológica ou agenda, ameace o poder público caso seus pleitos não sejam satisfeitos em seus termos. Quando muito, birra e chantagem são toleráveis vindas de crianças, no âmbito familiar, não na esfera pública.

Entre outras propriedades produtivas, as invasões de centros de pesquisa da Embrapa, fundamentais para o progresso tecnológico que fez do agronegócio brasileiro a potência que é, revela quão falacioso é o discurso do MST de que seus alvos seriam apenas terras devolutas ou improdutivas. A cada invasão fica mais claro que isso não passa de desculpa para impor, na marra, uma agenda que, como qualquer outra, deve ser negociada respeitando-se a Constituição.

Trump atropela

O Estado de S. Paulo

Pesquisa sobre as primárias mostra que o Partido Republicano continua à mercê do demagogo

O ex-presidente dos EUA Donald Trump é um fenômeno que parece longe de se esgotar. Quando muitos davam como certo seu declínio eleitoral em razão de seu empenho em dividir o país, de seus muitos enroscos judiciais e de sua desastrosa passagem pela Casa Branca, eis que o demagogo bilionário surge como franco favorito para ser o candidato republicano na disputa presidencial do ano que vem.

Se as primárias do Partido Republicano fossem hoje, nada menos que 54% dos eleitores da legenda votariam em Trump, conforme pesquisa do Siena College publicada pelo jornal The New York Times há alguns dias. Ron DeSantis, governador da Flórida e principal adversário de Trump até o momento, teria 17%. Outros 11 postulantes não conseguiram ultrapassar 3%. Os dados colhidos vão além da óbvia conclusão de que Trump tende a ser o rival do candidato democrata, que deve ser o presidente Joe Biden. Trata-se da prova cabal de que o Partido Republicano está completamente à mercê do populismo trumpista.

Incapaz de ganhar eleições presidenciais no voto popular há duas décadas, os republicanos parecem ter se convencido de que somente Trump lhes dará alguma vantagem contra os democratas, por conseguir eletrizar seus devotos seguidores e por não ter qualquer limite moral. Apenas 28% dos eleitores republicanos consideram Ron DeSantis capaz de vencer o democrata Biden, enquanto 58% acreditam que Trump o seja. É por isso que mesmo os concorrentes de Trump à candidatura republicana, com raras e honrosas exceções, são como cópias imperfeitas do ex-presidente. Trump se tornou modelo para os republicanos.

Trump faz da indecência seu grande ativo eleitoral. Ele se oferece como o disruptor de um sistema político visto por muitos eleitores como essencialmente corrupto e distante dos interesses do americano médio. Trump não quer o poder para construir, e sim para destruir – e é precisamente isso o que o torna tão popular e eleitoralmente forte.

Até outro dia, quem quer que tentasse concorrer à presidência dos EUA tendo contra si pesados processos judiciais e a perspectiva concreta de ir para a cadeia por ter violado escandalosamente diversas leis no exercício dessa mesma presidência seria naturalmente considerado azarão até mesmo para conseguir a indicação de seu partido. Mas isso parece não se aplicar a Trump.

O ex-presidente não só é favorito para ser indicado como candidato do Partido Republicano, como aparece empatado com o presidente Biden em intenções de voto, ambos com 43%, segundo a mesma pesquisa divulgada pelo Times.

E isso num momento em que os EUA vão razoavelmente bem, com baixo desemprego e indicadores econômicos satisfatórios. Mas, na era dos “fatos alternativos”, isso não parece ser importante ou decisivo. Para os republicanos e uma parte significativa de seus eleitores, o que importa é impedir a todo custo que os democratas permaneçam no poder – mesmo que para isso tenham que jogar todas as suas fichas num escroque.

Um alívio no bolso

Correio Braziliense

Os números iniciais do programa Desenrola, do governo federal, mostram que a iniciativa não é só bem-vinda, como necessária. A medida busca criar um "mutirão de renegociação", para resolver pequenas dívidas e limpar o nome dos consumidores no mercado

O cenário econômico do Brasil tem sido marcado por desafios significativos nos últimos anos. O principal deles foi a pandemia de covid-19, cujas consequências ainda são sentidas na sociedade e na vida financeira dos cidadãos comuns. Muita gente perdeu emprego e fonte de renda, e acabou se vendo obrigada a recorrer a empréstimos para garantir a sobrevivência básica de seus familiares. O resultado não poderia ser diferente: a inadimplência cresceu e o endividamento chegou a 78,5% das famílias brasileiras, segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada em junho pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O número é o maior da série histórica iniciada em janeiro de 2010 e apurada mensalmente pela CNC.

Por isso, os números iniciais do programa Desenrola, do governo federal, mostram que a iniciativa não é só bem-vinda, como necessária. A medida busca criar um "mutirão de renegociação", para resolver pequenas dívidas e limpar o nome dos consumidores no mercado. Como contrapartida, as instituições financeiras que aderiram ao programa devem retirar o nome do cadastro negativo das pessoas com débitos de até R$ 100 — a dívida, porém, segue ativa.

O programa começou no último 17 de julho — antes, alguns bancos já estavam fazendo renegociações por conta própria — e os resultados, até agora, são auspiciosos. A projeção do Ministério da Fazenda era que 1,5 milhão de pessoas acessariam o programa — a meta foi batida logo na primeira semana. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), nessas duas semanas, foram renegociados R$ 2,5 bilhões em 400 mil contratos de dívida e, 3,5 milhões de pessoas que deviam até R$ 100 tiveram a negativação de seus nomes retirada.

O resultado promete ter um resultado mais interessante ainda, uma vez que, por enquanto, só está valendo a Faixa 2 do programa, que atende pessoas que estavam negativadas até 2022 e ganhem entre dois salários mínimos e R$ 20 mil por mês. A Faixa 1, que começa a partir de setembro, vai atender a população com renda de até dois salários mínimos (R$ 2.640) e inadimplentes não só com bancos, mas também com grandes varejistas e companhias de água, gás e telefonia.

Por enquanto, é possível avaliar três benefícios causados pelo programa. O primeiro é o óbvio impacto econômico positivo, estimulando o consumo e fortalecendo o comércio. Quando as pessoas têm seus nomes retirados do cadastro negativo, elas ganham confiança para retomar o consumo de bens e serviços essenciais, movimentando a economia em um ciclo virtuoso. O aumento da demanda impulsiona as vendas e, consequentemente, a geração de empregos e a renda, impulsionando setores diversos.

O segundo é a oportunidade genuína para que os cidadãos reorganizem suas finanças e se conscientizem sobre o uso responsável do crédito. O acesso ao crédito é uma ferramenta poderosa para o crescimento individual e coletivo, mas seu uso inadequado pode levar a endividamentos desnecessários e a um retorno ao cenário de inadimplência. Por fim, sinaliza que o governo está atento para as dificuldades enfrentadas pela população nesta longa retomada da vida pós-pandemia. Nesse caso, todo esforço ajuda.

 

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