Economia melhora, mas governo precisa reduzir ainda mais a incerteza
Valor Econômico
Passados sete meses do ano, o cenário é
consideravelmente mais benigno do que o do começo de 2023. Cabe especialmente
ao governo aproveitar esse quadro positivo, empenhando-se em diminuir
indefinições
As perspectivas para a economia brasileira
melhoraram ao longo deste ano. O crescimento será mais forte do que se esperava
no começo de 2023 e a inflação, mais baixa, num cenário marcado pela redução de
incertezas em relação às contas públicas e pela aprovação da reforma tributária
na Câmara dos Deputados. Em julho, esse quadro mais positivo levou a agência de
classificação de risco Fitch a elevar a nota de crédito do Brasil de BB- para
BB, ainda a dois passos do grau de investimento, o selo conferido a países,
empresas ou bancos com maior capacidade de pagamento de suas dívidas. Além
disso, o Indicador de Incerteza da Economia (IIE) da Fundação Getulio Vargas (FGV)
recuou pela quarta vez seguida, para 103,5 pontos, o nível mais baixo desde
novembro de 2017, quando ficou em 103,1 pontos.
São notícias positivas, que indicam um ambiente mais favorável para a economia, num momento em que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve começar a reduzir os juros na reunião de hoje, baixando a Selic em 0,25 ou 0,5 ponto percentual. A inflação tem perdido fôlego e as expectativas para os índices de preços recuaram nos últimos meses.
Ainda assim, há pontos de indefinição que
podem atrapalhar a economia. O arcabouço fiscal reduziu o risco de cenário
extremo para as contas públicas, mas ainda há incertezas relacionadas à
trajetória fiscal de longo prazo. Em relatório divulgado na segunda-feira, o
Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para os riscos de implementação da
nova regra fiscal, devido ao foco no aumento de receitas. Para que a dívida
pública entre numa trajetória firme de queda, é necessário um ajuste fiscal
mais ambicioso, diz o Fundo, em sua avaliação anual sobre a economia
brasileira. Entre as várias sugestões para aprimorar o arcabouço, o FMI vê como
importante uma regra para enfrentar o elevado tamanho dos gastos como proporção
do PIB, para diminuir os riscos de um ajuste concentrado apenas no aumento da
arrecadação.
Outra eventual fonte de incertezas é a
política de preços da Petrobras. Estimativas de consultorias indicam que as
cotações domésticas dos combustíveis começaram a acumular defasagem importante
em relação às cotações internacionais. Como mostrou reportagem do Valor publicada
ontem, a Stone X calcula que os preços do diesel estavam 23,9% abaixo das
cotações no mercado externo; no caso da gasolina, a diferença seria de 15,1%,
mesmo com o dólar abaixo de R$ 5. O ponto é que o petróleo tem subido. Se a
companhia continuar a segurar os reajustes, isso pode diminuir ainda mais o
pagamento de dividendos. Pela nova política de remuneração, anunciada na
sexta-feira, eles passarão a ser de 45% do fluxo de caixa livre da empresa, e
não mais de 60%.
Maior acionista da Petrobras, o Tesouro
receberá menos recursos da companhia num momento em que o governo busca elevar
receitas. Além disso, se a diferença entre os preços internos e externos
permanecer grande por muito tempo, pode haver risco de desabastecimento de combustíveis
em algumas regiões, especialmente do diesel, segmento em que o peso do produto
importado é expressivo. Se a Petrobras mantém as cotações artificialmente
baixas por longos períodos, deixa de ser rentável para o importador trazer o
combustível do exterior.
A reação de integrantes do governo à
decisão do Copom também pode voltar a causar ruídos. É possível que o colegiado
do Banco Central (BC) opte por uma redução pequena da Selic, de 0,25 ponto
percentual. A queda dos preços de serviços ainda é lenta e as expectativas de
inflação ainda não convergiram totalmente para as metas, de 3,25% neste ano e
de 3% nos anos seguintes. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros
importantes atacarem o BC, será contraproducente, podendo criar problemas desnecessários.
O ciclo de queda dos juros já terá se iniciado, e um começo cauteloso pode
levar o processo de redução da Selic a ser mais extenso e mais profundo, se
ocorrer com a consolidação de projeções de inflação próximas aos alvos
perseguidos pelo BC.
Passados sete meses do ano, o cenário para
a economia brasileira é consideravelmente mais benigno do que o do começo de
2023. Cabe especialmente ao governo aproveitar esse quadro positivo,
empenhando-se em reduzir ainda mais as incertezas, especialmente no campo
fiscal. O projeto do arcabouço será analisado novamente pela Câmara dos
Deputados, depois de algumas mudanças realizadas pelo Senado, que afrouxaram o
teor da regra. Seria importante que os deputados restaurassem o texto do
arcabouço, fechando o espaço para mais gastos. Também é essencial um quadro
mais claro para as receitas em 2024, que ainda dependem de algumas medidas
ainda não aprovadas pelo Congresso e outras ainda não oficialmente propostas.
Quanto mais crível for a política fiscal, mais espaço e mais conforto terá o BC
para avançar no ciclo de queda de juros. Isso ajudará a impulsionar a atividade
e a melhorar o próprio quadro para as contas públicas, ao elevar a arrecadação
e reduzir as despesas financeiras do setor público.
Fim do ‘ponto’ abre caminho a reforma
administrativa
O Globo
É preciso avaliar desempenho e instaurar
meritocracia para acabar com disparidades no funcionalismo
Modernizar a gestão do funcionalismo
público tem sido por décadas tarefa urgente e sempre adiada no Brasil. É, por
isso, alvissareira a
instrução normativa baixada pelo Ministério da Gestão e da Inovação trocando o
arcaico controle de presença por meio do “ponto” pela “produtividade”. Embora
a medida tenha efeito restrito, pode representar o primeiro passo rumo a um
sistema de avaliação de desempenho com base em metas. Seria fundamental para
trazer a gestão pública brasileira para o século XXI, em linha com as melhores
práticas do setor privado. Deveria também ser o embrião de uma ampla reforma
administrativa, capaz de corrigir distorções inaceitáveis que persistem.
A mesma instrução normativa que alterou o
Programa de Gestão e Desempenho (PGD) definiu regras para o teletrabalho,
integral ou parcial. Nada diferente do que passou a vigorar em empresas ou
escritórios depois da pandemia. Pelas novas regras, cada órgão federal deverá
solicitar adesão ao PGD. Diferentes departamentos poderão preservar o controle
de “ponto” segundo as características do trabalho. Numa função de atendimento
ao público regida pelo horário comercial, esse controle é compreensível. Nas
demais, é apenas um remanescente de métodos de gestão incompatíveis com o
trabalho moderno. “Usando modelos mais modernos, estamos substituindo o mero controle
da disponibilidade por um controle de resultados”, diz o secretário de Gestão e
Inovação do ministério, Roberto Pojo. Mesmo para aqueles que continuarem
sujeitos a “bater ponto”, não deixará de haver em algum momento avaliação de
desempenho.
Trata-se de iniciativa fundamental para
poder premiar, promover ou demitir funcionários segundo a competência, e não
com base nos privilégios estapafúrdios que fazem do setor público no Brasil uma
máquina de geração e perpetuação de desigualdades. A reforma administrativa
promovida em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, já estipulava a
necessidade de avaliar o desempenho dos funcionários públicos e previa
possibilidade de demissão por inépcia. A medida jamais foi regulamentada.
Como resultado, o funcionalismo brasileiro
continua marcado por disparidades e privilégios inaceitáveis. Entre os 11,35
milhões de servidores, a distribuição de renda reproduz as desigualdades da
sociedade, de acordo com levantamento divulgado na semana passada pelo
Instituto República.org. Enquanto a maioria ganha menos de três salários
mínimos, 1% do funcionalismo recebe mais de R$ 27 mil.
Os supersalários, que ultrapassam o limite
estabelecido pela Constituição, são pagos a 0,06% do funcionalismo. Enquanto
isso, os que ganham até R$ 5 mil representam mais de 70% do total. As
disparidades são ainda maiores entre os Poderes. O servidor do Judiciário
federal recebe em média R$ 18 mil, quase sete vezes o salário médio do servidor
municipal (R$ 2.604). No Judiciário estadual, a remuneração média (R$ 10.162)
supera todas as demais.
Instaurar critérios de avaliação que
permitam promover os competentes e demitir os ineptos é essencial para eliminar
essas distorções e modernizar a gestão pública. A norma baixada pelo Ministério
da Gestão deveria representar o início de uma reforma que instaurasse um regime
meritocrático no Estado, restringindo a estabilidade a carreiras em que é
essencial para a função pública. É essa a meta a perseguir.
Governo não deve ceder à chantagem
promovida pelo MST com invasões
O Globo
Onda de novas ocupações mostra que
movimento só está interessado na própria sobrevivência
As invasões promovidas pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
nos últimos dias, que atingiram até uma área da Embrapa em Pernambuco,
provocaram o barulho que os militantes pretendiam. Como resposta, integrantes
da CPI instaurada no Congresso para investigar as ações do MST convocaram o
ministro da Casa Civil, Rui Costa, e planejam chamar outros
nomes do Executivo. Usando a tática recorrente das ocupações, o MST tenta
conquistar mais espaço na pauta do Congresso e no governo. As autoridades não
deveriam ceder a esse tipo de chantagem. Invasões têm de ser tratadas como o
que são: atos ilegais que precisam ser enfrentados.
Mesmo repaginada recentemente, a visão do
MST sobre o campo continua a ser idílica. A idealização de um meio rural cheio
de pequenas propriedades cultivando produtos orgânicos não passa de sonho.
Ainda que o Brasil tivesse dinheiro para gastar nesse tipo de fantasia, seria
descabido, além de impraticável, transformar a paisagem rural brasileira num momento
da História em que o agronegócio — principal adversário do MST — funciona como
motor do crescimento econômico, gerando aumento do emprego e da renda nas áreas
onde está presente.
Com a nova onda de invasões, o movimento
mostra que está apenas interessado em investir na própria sobrevivência, uma
vez que o número de acampados tem caído. A estratégia é obter concessões de uma
administração mais simpática à causa. O governo deveria condenar com mais
veemência a quebra da lei, que eleva a insegurança do agronegócio.
Isso não significa esquecer de buscar novas
soluções para diminuir a pobreza e a desigualdade no campo. De 1979 a 2018, 1,3
milhão de famílias foram assentadas, segundo dados do Incra. Bandeira histórica
da esquerda, os assentamentos também foram considerados por economistas
liberais, entre eles John Williamson, como ferramenta para melhorar a
distribuição de renda. Causa espanto que pouco se discuta se a reforma agrária
das últimas quatro décadas entregou os benefícios esperados.
Pesquisas mostram que a desigualdade no
campo não caiu com os assentamentos. Há histórias de sucesso, principalmente
quando as pequenas propriedades fazem parte de uma cadeia produtiva
estabelecida, como a de aves e porcos no Sul. Para os demais, a vida continua
difícil. Sem que o governo faça análises prévias de viabilidade econômica,
muitos acabam conseguindo a terra sonhada, mas continuam carentes de
capacidade, apoio técnico e capital.
Uma das lições das últimas quatro décadas é
que o país precisa repensar a política de reforma agrária, justamente o
contrário do que pretende o MST. O Brasil poderia aproveitar este momento para
passar a limpo essa política e avaliar seus acertos e erros.
Inquérito falho
Folha de S. Paulo
Investigações sobre 8 de janeiro precisam
ser abrangentes, sem corporativismo
Terminou de forma previsível, mas nem por
isso satisfatória, o inquérito militar que investigou possíveis falhas da
caserna na proteção do Palácio do Planalto em 8 de janeiro, quando apoiadores
de Jair Bolsonaro (PL) atacaram os prédios dos três Poderes em Brasília.
A culpa pela
falta de resistência aos vândalos não é das tropas, conclui a apuração;
os indícios sugerem que a responsabilidade recai sobre o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), diz o documento.
Ainda segundo o relatório, teria sido
possível evitar a invasão do palácio ou minimizar os estragos com um
planejamento adequado —incumbência da Secretaria de Segurança e Coordenação
Presidencial e do Departamento de Segurança Presidencial, ambos no organograma
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Não se devem descartar como inválidas tais
conclusões. Chama a atenção, porém, que, a julgar pelo inquérito, é como se
militares jamais tivessem sido permissivos com acampamentos golpistas em frente
a quartéis e como se fardados não tivessem integrado a malta que depredou
edifícios públicos.
A investigação tampouco parece capaz de
atinar com a possibilidade de membros da caserna terem ligações mais explícitas
com a trama antidemocrática —conjectura simples quando se tem em mente o
arsenal teórico encontrado no celular do
tenente-coronel Mauro Cid e seus diálogos com o coronel Jean Lawand Junior.
Dado o histórico de corporativismo dos
militares, não seria de esperar que esse inquérito apontasse para outra
direção. É lamentável, mesmo assim, que os fardados nem se mostrem interessados
em provocar uma grata surpresa na sociedade e conduzir uma apuração com
espírito republicano.
Para ficar num único exemplo, por que o
general Carlos Feitosa Rodrigues não foi ouvido, se, à época, ele chefiava a
malfadada Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial? Não custa
lembrar, Feitosa chegou ao cargo em 2021, na gestão do bolsonarista general
Augusto Heleno, e lá foi mantido pelo general Gonçalves Dias.
Mas o Exército não considera necessário
responder a essa pergunta. Assim como, ao que tudo indica, não parece ter
empregado todo o rigor necessário em uma investigação de grande peso para o
país.
Tudo o que se pede, desde o infame 8 de janeiro, é que os responsáveis sejam
punidos, nos termos da lei.
Para tanto, precisam ser identificados em
inquéritos abrangentes e balizados pelo Estado de Direito, sem sanha
persecutória nem proteção corporativista. Não é muito.
Estado caro
Folha de S. Paulo
Distorção no funcionalismo do país é o
custo elevado, não quantidade excessiva
Levantamento publicado pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que o número de servidores públicos
no Brasil não é elevado segundo padrões internacionais. Os dados, que confirmam
estudos anteriores sobre o tema, ajudam a qualificar o debate a respeito das
distorções do funcionalismo nacional.
De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro,
há 11,3 milhões de funcionários na União, nos estados e nos municípios, o
equivalente a 12,5% de um total de 91 milhões de trabalhadores do país.
Trata-se de patamar inferior aos de nações ricas como Reino Unido (22,6%),
França (20,3%), EUA (13,6%) e aos de vizinhos como Argentina (19,3%), Uruguai
(16,9%) e Chile (13,1%).
Números do gênero têm sido usados desde os
anos 2000 para rebater críticas mais e menos fundamentadas às dimensões do
setor público brasileiro —ou mesmo para defender a ampliação do quadro de
pessoal do governo. Entretanto é preciso adicionar outras considerações à
análise.
Por si só, o quantitativo total pouco
esclarece se há falta ou excesso de servidores. É plausível que haja carências
em determinados setores e regiões, como no caso de médicos para o Norte e o
Nordeste, e superabundância em outros.
Não resta dúvida, contudo, que o
funcionalismo brasileiro está entre os mais caros do mundo, devido a
salários acima da média do setor privado e outros privilégios.
Segundo a base de dados do Fundo Monetário
Internacional que permite comparar estatísticas orçamentárias, nosso gasto
público com pessoal, incluindo contribuições sociais e previdenciárias,
correspondeu a 11,9% do Produto Interno Bruto em 2021, depois de uma redução
forçada por contenção de salários —em anos anteriores, a cifra ficava na casa
dos 13%.
Esse dispêndio supera com folga o de países
com relativamente mais servidores, como Reino Unido (9,4%), Estados Unidos
(8,5%), Alemanha (7,9%) e Chile (6,8%). Dito de outro modo, funcionários
públicos se apropriam de uma parcela muito elevada da renda nacional.
Outra questão importante se refere à
qualidade do serviço prestado. Esse tipo de aferição é decerto complexa, mas
indicadores do país em educação e saúde, por exemplo, sugerem que o gasto
nessas áreas é pouco eficiente.
Tudo considerado, uma reforma administrativa deveria fazer valer um teto salarial, reduzir remunerações iniciais e limitar o alcance exagerado da estabilidade no emprego —não para promover demissões em massa, mas para elevar a produtividade do Estado.
Um estranho conceito de sucesso
O Estado de S. Paulo
Ao se dizer ‘extremamente satisfeito’ com
operação policial que matou mais de uma dezena de pessoas no Guarujá, Tarcísio
ignora indícios de abuso, que precisam ser investigados
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial que, a
pretexto de reagir ao assassinato de um PM, deixou ao menos 13 mortos no
Guarujá. Isso significa que, para o governador, mesmo que, até este momento,
pairem fundadas suspeitas de excesso por parte da polícia, a operação foi
bem-sucedida. Ora, não cabe ao chefe do Executivo estadual fazer essa avaliação
antes da apuração detalhada do caso, especialmente quando os indícios apontam
para o exato contrário.
A segurança pública envolve decisões
políticas a respeito de várias questões complexas, sobre as quais cada
governante pode e deve ter uma específica compreensão. Há muitos possíveis
caminhos, com diferentes propostas, para prover paz e ordem pública. São, em
última análise, escolhas que cabe à população realizar por meio do voto.
No entanto, existem alguns princípios
norteadores da segurança pública que não estão à disposição de escolhas
políticas. Eles não são negociáveis. Por exemplo, o Estado não tem o direito de
executar ninguém, tampouco o de torturar. Trata-se de uma limitação
constitucional intransponível do poder estatal. Ressalte-se ainda que não há
pena de morte no País – e, ainda que houvesse, não cabe à polícia fazer o
julgamento e executar sumariamente a sentença. A tarefa das forças policiais é
prover segurança aos cidadãos, e não realizar revanches ou vinganças, seja por
qual motivo for.
Nenhum desses princípios depende da
inclinação político-ideológica do governante ou mesmo da sua popularidade
perante a opinião pública. É a lei brasileira, à qual todos estão igualmente
sujeitos. Por isso, operações policiais que causam mortes – especialmente as
que causam muitas mortes – devem ser objeto de apuração rigorosa e isenta. Só
assim será possível distinguir os casos de abuso policial daquela outra
situação, excepcional, na qual o agente de segurança tem não apenas o direito,
mas o dever de matar, para proteger a coletividade e a si mesmo.
Certamente, a morte de um policial é um
fato gravíssimo, a exigir imediata atuação do poder público. Mas ela não
suspende a vigência da lei por um período, numa espécie de autorização
excepcional para que a polícia promova a correspondente vingança. Também não
elimina as regras da razoabilidade e da proporcionalidade. “Não houve excesso”,
afirmou o governador de São Paulo, antecipando-se às investigações e ignorando
os indícios que indicam o oposto. Há inclusive relatos de tortura e de execução
sumária, o que demanda acurada e independente apuração.
Num juízo de valor precipitado, Tarcísio de
Freitas disse que “houve uma atuação profissional” da polícia no caso do
Guarujá. Ora, não parece muito profissional uma polícia que mata mais de uma
dezena de pessoas a título de prender o suspeito de um crime. Isso pode ser
aceitável para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, mas, além de
desalinhada com a lei, essa concepção de segurança pública coloca em risco a
vida e a segurança da própria população. No Estado Democrático de Direito,
nenhuma autoridade pública tem o direito de aplaudir uma atuação policial que,
neste momento, parece eivada de truculência.
Tarcísio de Freitas tem todo o direito de
ter suas ideias políticas, mas se afasta da lei e das evidências ao tratar
violência policial como boa política de segurança pública. Na condição de
governador do Estado, deve evitar que suas palavras sejam confundidas com
estímulo à atuação da polícia à margem da lei, com regras próprias de
funcionamento. A lei é para todos. E polícia não é milícia.
Na investigação da ação policial, serão
muito úteis as imagens produzidas pelas câmeras usadas nos uniformes dos PMs.
Ainda não está claro se essas imagens existem ou mesmo se os policiais
envolvidos estavam com câmeras, mas esse é o típico caso em que o equipamento
justifica o investimento: se os PMs agiram conforme os protocolos e as leis, as
imagens vão mostrar. É essa transparência que incomoda tanto aqueles que acham
que justiçamento é justiça.
O MST não toma jeito
O Estado de S. Paulo
Nova invasão da Embrapa mostra que o bando
de Stédile faz do emprego da força bruta um instrumento de ação política. Lula
que arque com o desgaste de sua associação com a delinquência
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) não toma jeito. Mesmo com quase 40 anos de existência, o grupo
insiste em ignorar deliberadamente que a força bruta não é – nem nunca será –
um instrumento legítimo de ação política no Estado Democrático de Direito.
Em mais uma desabrida afronta às leis e à
Constituição, baderneiros do MST invadiram a unidade da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Petrolina (PE), a Embrapa Semiárido. A mesma
propriedade, altamente produtiva, já havia sido invadida pelo bando durante o
chamado “Abril Vermelho”. A nova invasão, segundo os sem-terra, foi uma espécie
de retaliação ao governo federal, ora vejam, pelo não cumprimento de “acordos”
que teriam sido firmados há quatro meses.
Os invasores de propriedade alheia estavam
tão seguros de que nada lhes aconteceria que, poucas horas depois da invasão,
deixaram as instalações da Embrapa Semiárido, dando a entender que a ocupação
era uma demonstração de força. Ainda ameaçaram o presidente Lula da Silva: se o
MST não for atendido em sua demanda por novos assentamentos, novas invasões de
terra irromperão pelo País. É muita audácia.
Lula que agora lide com as consequências
políticas de sua irresponsabilidade. Há décadas, o presidente demonstra apoio –
ora tácito, ora explícito – aos métodos truculentos do MST. Ainda que, vez ou
outra, Lula peça moderação a quem nunca foi moderado, o presidente praticamente
convidou esse desgaste para se instalar no terceiro andar do Palácio do
Planalto. Sua tibieza, como já dissemos neste espaço, tem facilitado muito a
vida dos delinquentes do MST. Pois é disso que se trata, de uma ação
flagrantemente delitiva, não uma ação política.
Além da condescendência inadmissível, sendo
Lula quem é, a associação direta que o presidente da República estabeleceu
entre seu governo e o MST, a ponto de o chefão do grupo, João Pedro Stédile,
compor a comitiva presidencial em viagem à China, ainda mina o necessário
esforço de pacificação nacional. A recorrência das invasões só contribui para a
insegurança jurídica no campo, de onde vêm as maiores fontes de riqueza do
País, e para o acirramento de ânimos no ambiente político.
O MST está errado ao recorrer à violência.
O governo federal, particularmente Lula, deve dizer isso com todas as letras.
Ministério Público e Poder Judiciário devem fazer valer suas prerrogativas
constitucionais e dar fim a essa sucessão de violações das leis e da
Constituição diante dos olhos de todos.
Ninguém de boa-fé haverá de discordar do
fato de que há, sim, demanda por terra por gente decente que quer apenas trabalhar
e criar sua família em paz, e que neste país de dimensões continentais há
terras improdutivas que não atendem aos requisitos definidos pelo Estatuto
da Terra. Mas eis a questão fundamental: há
ordenamento legal dos processos de assentamento. E ele deve ser respeitado,
evidentemente.
Fazer a chamada “luta política” por meio de
atos tipificados como crime é crime, não luta política. É tão simples quanto
isso. Os cidadãos têm plena liberdade de associação, assegurada pela Lei Maior,
para constituir grupos de representação de seus interesses. Podem e devem se
organizar para exercer pressão sobre o poder público, pois essa liberdade é o
húmus da democracia. No entanto, essa pressão há de ser exercida, por óbvio,
por meios legais.
É inaceitável que qualquer indivíduo ou
grupo, sejam quais forem sua orientação ideológica ou agenda, ameace o poder
público caso seus pleitos não sejam satisfeitos em seus termos. Quando muito,
birra e chantagem são toleráveis vindas de crianças, no âmbito familiar, não na
esfera pública.
Entre outras propriedades produtivas, as
invasões de centros de pesquisa da Embrapa, fundamentais para o progresso
tecnológico que fez do agronegócio brasileiro a potência que é, revela quão
falacioso é o discurso do MST de que seus alvos seriam apenas terras devolutas
ou improdutivas. A cada invasão fica mais claro que isso não passa de desculpa
para impor, na marra, uma agenda que, como qualquer outra, deve ser negociada
respeitando-se a Constituição.
Trump atropela
O Estado de S. Paulo
Pesquisa sobre as primárias mostra que o
Partido Republicano continua à mercê do demagogo
O ex-presidente dos EUA Donald Trump é um
fenômeno que parece longe de se esgotar. Quando muitos davam como certo seu
declínio eleitoral em razão de seu empenho em dividir o país, de seus muitos
enroscos judiciais e de sua desastrosa passagem pela Casa Branca, eis que o
demagogo bilionário surge como franco favorito para ser o candidato republicano
na disputa presidencial do ano que vem.
Se as primárias do Partido Republicano
fossem hoje, nada menos que 54% dos eleitores da legenda votariam em Trump,
conforme pesquisa do Siena College publicada pelo jornal The New York Times há
alguns dias. Ron DeSantis, governador da Flórida e principal adversário de
Trump até o momento, teria 17%. Outros 11 postulantes não conseguiram
ultrapassar 3%. Os dados colhidos vão além da óbvia conclusão de que Trump
tende a ser o rival do candidato democrata, que deve ser o presidente Joe
Biden. Trata-se da prova cabal de que o Partido Republicano está completamente
à mercê do populismo trumpista.
Incapaz de ganhar eleições presidenciais no
voto popular há duas décadas, os republicanos parecem ter se convencido de que
somente Trump lhes dará alguma vantagem contra os democratas, por conseguir
eletrizar seus devotos seguidores e por não ter qualquer limite moral. Apenas 28%
dos eleitores republicanos consideram Ron DeSantis capaz de vencer o democrata
Biden, enquanto 58% acreditam que Trump o seja. É por isso que mesmo os
concorrentes de Trump à candidatura republicana, com raras e honrosas exceções,
são como cópias imperfeitas do ex-presidente. Trump se tornou modelo para os
republicanos.
Trump faz da indecência seu grande ativo
eleitoral. Ele se oferece como o disruptor de um sistema político visto por
muitos eleitores como essencialmente corrupto e distante dos interesses do
americano médio. Trump não quer o poder para construir, e sim para destruir – e
é precisamente isso o que o torna tão popular e eleitoralmente forte.
Até outro dia, quem quer que tentasse
concorrer à presidência dos EUA tendo contra si pesados processos judiciais e a
perspectiva concreta de ir para a cadeia por ter violado escandalosamente
diversas leis no exercício dessa mesma presidência seria naturalmente
considerado azarão até mesmo para conseguir a indicação de seu partido. Mas
isso parece não se aplicar a Trump.
O ex-presidente não só é favorito para ser
indicado como candidato do Partido Republicano, como aparece empatado com o
presidente Biden em intenções de voto, ambos com 43%, segundo a mesma pesquisa
divulgada pelo Times.
E isso num momento em que os EUA vão razoavelmente bem, com baixo desemprego e indicadores econômicos satisfatórios. Mas, na era dos “fatos alternativos”, isso não parece ser importante ou decisivo. Para os republicanos e uma parte significativa de seus eleitores, o que importa é impedir a todo custo que os democratas permaneçam no poder – mesmo que para isso tenham que jogar todas as suas fichas num escroque.
Um alívio no bolso
Correio Braziliense
Os números iniciais do programa Desenrola,
do governo federal, mostram que a iniciativa não é só bem-vinda, como
necessária. A medida busca criar um "mutirão de renegociação", para
resolver pequenas dívidas e limpar o nome dos consumidores no mercado
O cenário econômico do Brasil tem sido
marcado por desafios significativos nos últimos anos. O principal deles foi a
pandemia de covid-19, cujas consequências ainda são sentidas na sociedade e na
vida financeira dos cidadãos comuns. Muita gente perdeu emprego e fonte de renda,
e acabou se vendo obrigada a recorrer a empréstimos para garantir a
sobrevivência básica de seus familiares. O resultado não poderia ser diferente:
a inadimplência cresceu e o endividamento chegou a 78,5% das famílias
brasileiras, segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor (Peic), divulgada em junho pela Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC). O número é o maior da série histórica iniciada
em janeiro de 2010 e apurada mensalmente pela CNC.
Por isso, os números iniciais do programa
Desenrola, do governo federal, mostram que a iniciativa não é só bem-vinda,
como necessária. A medida busca criar um "mutirão de renegociação",
para resolver pequenas dívidas e limpar o nome dos consumidores no mercado. Como
contrapartida, as instituições financeiras que aderiram ao programa devem
retirar o nome do cadastro negativo das pessoas com débitos de até R$ 100 — a
dívida, porém, segue ativa.
O programa começou no último 17 de julho —
antes, alguns bancos já estavam fazendo renegociações por conta própria — e os
resultados, até agora, são auspiciosos. A projeção do Ministério da Fazenda era
que 1,5 milhão de pessoas acessariam o programa — a meta foi batida logo na
primeira semana. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), nessas
duas semanas, foram renegociados R$ 2,5 bilhões em 400 mil contratos de dívida
e, 3,5 milhões de pessoas que deviam até R$ 100 tiveram a negativação de seus
nomes retirada.
O resultado promete ter um resultado mais interessante
ainda, uma vez que, por enquanto, só está valendo a Faixa 2 do programa, que
atende pessoas que estavam negativadas até 2022 e ganhem entre dois salários
mínimos e R$ 20 mil por mês. A Faixa 1, que começa a partir de setembro, vai
atender a população com renda de até dois salários mínimos (R$ 2.640) e
inadimplentes não só com bancos, mas também com grandes varejistas e companhias
de água, gás e telefonia.
Por enquanto, é possível avaliar três
benefícios causados pelo programa. O primeiro é o óbvio impacto econômico
positivo, estimulando o consumo e fortalecendo o comércio. Quando as pessoas
têm seus nomes retirados do cadastro negativo, elas ganham confiança para
retomar o consumo de bens e serviços essenciais, movimentando a economia em um
ciclo virtuoso. O aumento da demanda impulsiona as vendas e,
consequentemente, a geração de empregos e a renda, impulsionando setores
diversos.
O segundo é a oportunidade genuína para que os cidadãos reorganizem suas finanças e se conscientizem sobre o uso responsável do crédito. O acesso ao crédito é uma ferramenta poderosa para o crescimento individual e coletivo, mas seu uso inadequado pode levar a endividamentos desnecessários e a um retorno ao cenário de inadimplência. Por fim, sinaliza que o governo está atento para as dificuldades enfrentadas pela população nesta longa retomada da vida pós-pandemia. Nesse caso, todo esforço ajuda.
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