sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Congresso tem vocação para piorar, por José Joffily*

O Globo

Parlamento federal está fraco para causas de interesse público e forte para legislar em causa própria

Escândalos de verdade são votos de congressistas visando a apenas contrariar os interesses de “adversários”. Sem o espírito público alardeado no decorrer da candidatura, deputados e senadores, pagos pelos cidadãos, se manifestam sem outra preocupação que não seja demonstrar força e poder, defendendo interesses obscuros ou escusos.

Há mais de 20 anos fizemos “Vocação do poder” (codirigido por Eduardo Escorel), filme que registrava as intenções dos que desejavam seguir carreira política. Eram candidatos que ambicionavam, pela primeira vez, um cargo eletivo. Todos representariam a população da cidade do Rio de Janeiro na Câmara dos Vereadores. Queríamos identificar o que os conduzia a esse propósito e o que os orientava nesse desejo profundo de ser políticos profissionais.

Em comunidades pobres, as demandas de votos eram sempre repetidas com pleitos que iam de muros de arrimo contra inundações até dentaduras, laqueaduras, cadeiras de rodas e outras carências. Na Zona Sul, em contraste, candidatos pouco prometiam ou distribuíam, com exceção de santinhos e sorrisos. Os que ali moravam não precisavam nem mesmo de vereadores para intermediar providências. Esgotos entupidos, falta de iluminação pública adequada ou outras mazelas demandam providências de que os prefeitos, por morarem ou circularem por lá, se inteiram todos os dias. Para aqueles que moravam em bairros afastados, seria sempre necessária a intervenção de políticos — vereadores, de preferência — para que providências fossem tomadas.

Mas a coisa muda? Deveria mudar ou parece estar mudando? Se hoje nosso Congresso é o segundo mais caro do planeta e muitas de suas reivindicações são em causa própria, o que piorou foi o próprio Congresso. Estaremos fadados à máxima atribuída a Ulysses Guimarães (1916-1992): “O próximo Congresso será sempre pior do que o anterior”?

Hoje, com a maioria do Parlamento em oposição ao governo, foi consagrado o regime do “presidencialismo de coalizão”. Ratificando o olhar crítico de Ulysses, rimado pelos mais realistas como “presidencialismo de extorsão”, o Parlamento exige Pix escondido; lutou por blindagem; ensaia aprovar anistia ou dosimetria para organizações criminosas; e batalha arduamente por outros favores fisiológicos e retrocessos civilizatórios. O Parlamento federal está fraco para causas de interesse público e republicano e forte para legislar em causa própria. Seguindo a mesma toada, poderíamos dizer que essa configuração desvirtuada se reproduz também no município e no estado.

Quando, em “Vocação do poder”, acompanhávamos os candidatos à vereança, raros eleitores lembravam em quem tinham votado nas eleições anteriores. Com exceção dos votos majoritários, todos eram esquecidos. A falha de memória pode revelar o descaso com o voto em candidatos nas eleições proporcionais.

A torcida é que, diante do comportamento explicitamente patrimonialista, atrasado e negacionista da maioria do Parlamento, daqui para a frente o eleitor escolha seus candidatos proporcionais com segurança e convicção de quem opta pelo melhor. Seja para vereador, deputado estadual ou federal, temos de entender que a responsabilidade de nossas escolhas recairá sobre cada um deles. E sobre nós, os eleitores. Sobretudo, é necessário que os eleitos entendam que as decisões não devem ser conduzidas para apoiar ou combater governos, mas para legislar tendo como meta o interesse público.

É vital que o eleitor não esqueça o candidato em quem votou, de forma a se acostumar a acompanhar a atividade parlamentar do escolhido. Assim, estará apto a cobrar as promessas de campanha e a plataforma graças às quais o político conseguiu seduzir seus eleitores.

*José Joffily é diretor de filmes

 

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