sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O que a mídia penas | Editoriais / Opiniões

Poderes precisam voltar a zelar pelo equilíbrio institucional

Por O Globo

Cabe ao plenário rever decisão do decano que estabeleceu impeachment especial para os ministros do STF

A democracia brasileira tem demonstrado resistência tenaz aos desafios que lhe têm sido impostos nas últimas quatro décadas. O arcabouço institucional criado pela Constituição de 1988 se mostrou eficaz para promover o impeachment de presidentes e governadores, punir políticos e empresários corruptos e, recentemente, condenar um ex-presidente e militares graduados por tentativa de golpe. Nos últimos tempos, contudo, o equilíbrio institucional tem sofrido abalos, com Poderes esboçando avanços incompatíveis com seus atributos e prerrogativas constitucionais.

A tensão do Legislativo com o Executivo fica patente na multiplicação desarrazoada de emendas parlamentares, na derrubada constante de vetos presidenciais por mera vendeta ou nos embates em torno da sabatina do indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com frequência, decisões do Judiciário têm sido acusadas de invadir competências do Parlamento. O Executivo também virou alvo frequente de críticas por decretos e Medidas Provisórias considerados abusivos ou pela tentativa de aparelhar e interferir em decisões de agências reguladoras.

Independentemente do mérito de cada caso, ninguém tem nada a ganhar com o confronto entre os Poderes, nem com abalos ao sistema de freios e contrapesos instaurado pela Constituição. Por isso desperta questionamentos sensatos a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF, relativa a processos de impeachment contra ministros do próprio Supremo.

Têm vigorado nos processos de impeachment as regras estabelecidas pela Lei 1.079 de 1950. Em sua decisão, Gilmar invalidou trechos da lei relativos aos ministros do Supremo e determinou novas regras que deverão ir a referendo do plenário. De acordo com elas, pedir impeachment de ministros passa a ser prerrogativa da Procuradoria-Geral da República (PGR), e não mais de qualquer cidadão; a acusação passa a ser admitida no Senado apenas por maioria de dois terços, e não mais por maioria simples; e decisões dos ministros deixam de ser argumentos aceitáveis para pedidos de impeachment.

A liminar ignora a característica essencial dos processos de impeachment: a forma é jurídica, mas a natureza é política. Não se trata de ação penal, portanto não faz sentido atribuir a titularidade à PGR. Muito menos criar uma nova regra que viola o estabelecido na lei que continuará valendo para todos os demais cargos, de acordo com a jurisprudência firmada pelo próprio STF para os processos julgados até agora no país. É certo que decisões dos magistrados devem continuar independentes e não podem ser justificativa para pedidos de impeachment (como jamais foram). Mas criar uma situação excepcional para o Supremo torna o tribunal uma espécie de “fortaleza inexpugnável”, imune a controles exercidos sobre os demais Poderes.

Num clima já conflagrado, a decisão cria o risco de agravar conflitos, desencadeando uma crise institucional. Nenhum dos Poderes pode se declarar inocente nas tentativas de avanço sobre os demais, mas todos têm o mesmo dever de demonstrar serenidade e maturidade. Cabe ao plenário da Corte corrigir a decisão do decano. Porém também é essencial que haja, da parte do Parlamento, do governo, de políticos e figuras públicas, comedimento e temperança para evitar reações que testem ainda mais a tenacidade e a resistência da democracia brasileira.

Prisão de Bacellar evidencia infiltração do crime organizado na política

Por O Globo

Suspeitas são gravíssimas. Mínimo a esperar do Legislativo é que mantenha presidente da Alerj preso

A prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e pré-candidato ao governo estadual, Rodrigo Bacellar (União), expõe de modo chocante até que ponto o crime organizado está infiltrado na política fluminense. Bacellar é suspeito de obstruir investigações e vazar informações sigilosas de uma operação da Polícia Federal (PF) destinada a prender o também deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva (MDB), conhecido como TH Joias, apontado como braço político do Comando Vermelho (CV). No carro oficial de Bacellar, foram apreendidos R$ 91 mil em espécie.

A polícia afirma que TH usava o mandato na Alerj para favorecer o crime organizado. Ele é acusado de tráfico de droga, corrupção, lavagem de dinheiro e intermediação na compra e venda de fuzis e equipamentos antidrones para bandidos do CV. TH retirou de sua casa documentos e objetos que poderiam servir de prova para incriminá-lo. Imagens de câmeras de segurança mostram um caminhão carregado às vésperas da operação. Mensagens revelam que Bacellar foi consultado sobre o esvaziamento do imóvel, diz a PF. Ele também limpou o celular e passou a usar outro aparelho. Quando a polícia chegou, não estava em casa e foi detido noutro endereço. No documento em que determinou a prisão, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou o fato “gravíssimo”. Não se sabe como Bacellar obteve conhecimento prévio da operação.

Um dos desafios do governo do Rio é combater organizações criminosas que controlam partes significativas do território. Ao redor de 4 milhões de cidadãos — ou 35% da Região Metropolitana — vivem sob domínio de grupos armados ligados ao tráfico ou à milícia, revela pesquisa do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e do Instituto Fogo Cruzado. O CV é a facção com maiores domínios.

A Alerj ainda terá de analisar a prisão de Bacellar. A julgar pela tradição de corporativismo e pela liderança do presidente da Casa (reeleito por unanimidade), não surpreenderia se os deputados a revogassem, apesar dos indícios consistentes apurados pela PF. Seria uma lástima. É certo que ainda não há condenação, mas as acusações são graves. O Legislativo não pode ignorá-las.

É inadmissível que líderes políticos mantenham relação promíscua com organizações criminosas combatidas pelo estado em batalhas sangrentas. Cada vez mais o crime organizado se infiltra no mercado formal e nas Casas Legislativas em busca de blindagem. A suspeita de envolvimento do líder do legislativo estadual com o crime é por si só estarrecedora. A investigação deve prosseguir com independência e ir a fundo para livrar a política fluminense dessa chaga. Ela deveria representar o início de uma depuração necessária para impedir o uso das instituições em favor de práticas ilegais. O mínimo a esperar do Legislativo é empenho no combate a esse flagelo que há décadas atormenta a população fluminense — e não que se alie a criminosos.

Gilmar fragiliza imagem do STF com blindagem absurda

Por Folha de S. Paulo

Ao mudar Lei do Impeachment, ministro avança de modo descabido sobre prerrogativa do Legislativo

A soberania popular é um dos pilares mais valiosos da Constituição, e não cabe ao Judiciário limitá-la, sobretudo em benefício próprio

Fã ou "hater"? A pergunta, em tom jocoso, circula na internet sempre que alguém age de forma ambígua em relação a outra pessoa, grupo ou instituição. Pois a dúvida, com doses reforçadas de sarcasmo, se aplica agora a Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Com uma canetada leviana, o ministro suspendeu trechos da Lei do Impeachment que tratam do afastamento de membros do STF. Sua decisão de quarta-feira (3), individual e provisória, ainda passará pelo crivo de seus colegas —e espera-se que tenham o discernimento que faltou a Gilmar.

O decano da corte se manifestou em ações propostas pelo Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Em termos rebuscados, sustentou que alguns dispositivos da lei são incompatíveis com a Constituição de 1988. Em palavras simples, ele blindou os ministros do Supremo contra processos por crime de responsabilidade.

Para Gilmar, a lei está ultrapassada ao permitir, por exemplo, que qualquer cidadão apresente ao Senado um pedido de impeachment de integrantes do STF. O caminho legítimo, na visão distorcida do ministro, seria que apenas o procurador-geral da República pudesse fazê-lo.

É estarrecedor que um magistrado tão experiente enuncie tamanho disparate. Primeiro porque a soberania popular é um dos princípios mais valiosos da Constituição em vigor, e não caberia ao Poder Judiciário limitá-la, sobretudo em benefício próprio.

Ademais, o artigo 41 da lei, alvejado por Gilmar, também autoriza qualquer cidadão a denunciar o procurador-geral da República por crimes de responsabilidade. A valer a lógica confusa do decano, somente o procurador poderia processar a si próprio?

A Lei do Impeachment, isto deve ficar claro, está longe de ser perfeita. Datada de 1950, ela já embasou ações pelo afastamento de dois presidentes eleitos sob a égide da assim chamada Constituição Cidadã, Fernando Collor e Dilma Rousseff, mas isso não a livra de lacunas e contradições.

Modernizá-la é necessário. Tal missão, porém, compete ao Congresso Nacional, não ao STF. Este deve se recolher, como fez no passado, ao papel de supervisor da aplicação da lei e da Carta Magna, assegurando que sejam seguidos à risca os procedimentos ali estabelecidos, sem espaço para manipulações oportunistas.

Gilmar tomou o sentido contrário. Talvez se enxergando como último bastião da democracia, resolveu reescrever a lei com o próprio punho, decerto no intuito de proteger o STF contra eventuais investidas de senadores ávidos por se vingar da corte.

Ao usurpar prerrogativa do Legislativo, porém, o ministro abala a já debilitada credibilidade do Supremo. Contribui para torná-lo mais fraco, não mais forte. Favorece o argumento daqueles que, nem sempre com razão, criticam a corte por seu apetite de poder.

Até os maiores inimigos do Supremo têm dificuldade de provocar estrago desse quilate.

A sombra do crime organizado na política

Por Folha de S. Paulo

Risco de interferência de facções nas eleições exige inteligência financeira e fiscalização de campanhas

Se o crime organizado se infiltra na econômica e no Estado, pode influenciar pleitos, moldar decisões e capturar políticas públicas

Relatório recém-divulgado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alerta para o risco de atuação de organizações criminosas nas eleições de 2026.

A interferência desses grupos na política e na gestão pública se dá como extensão da diversificação dos negócios ilícitos —que não se restringem mais ao tráfico de drogas— na economia formal, seja com a comercialização de produtos adulterados ou contrabandeados, lavagem de dinheiro, aplicações financeiras e participação em contratos públicos.

Operações recentes da Polícia Federal, como Fim da Linha, Carbono Oculto, Poço de Lobato e Compliance Zero, revelaram a engenharia criminosa que sustenta essa influência nefasta.

Controle de concessões de transporte, lavagem por ditas fintechs, fraudes tributárias e fragilidades do sistema financeiro constituem um cenário de imbricação de dinheiro lícito e ilícito no qual a política pode ser capturada por meio de recursos destinados a partidos e campanhas.

Os riscos envolvem candidaturas de fachada, investidores fictícios, ausência de controle padronizado da origem de verbas e patrocínios, lacunas na regulação de gastos e estruturas de fiscalização insuficientes para o volume e a complexidade das operações que ocorrem em eleições.

Se o crime organizado se infiltra na atividade econômica e no Estado, amplifica sua capacidade não só de influenciar resultados de pleitos, mas de moldar decisões e capturar políticas públicas.

A Operação Zargun, deflagrada em setembro, oferece um recorte dessa cooptação. A investigação de um esquema de corrupção entre lideranças da facção Comando Vermelho e diversos agentes públicos no Rio de Janeiro, ainda em andamento, levou às prisões do deputado estadual TH Joias (MDB) e de ninguém menos que o presidente da Assembleia Legislativa fluminense, Rodrigo Bacellar (União Brasil).

A resposta exige coordenação institucional e adesão a boas práticas já recomendadas por organismos internacionais, como ONUOCDE e Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).

Entre elas, reforço da inteligência financeira, rastreamento aprofundado do beneficiário final de empresas e doadores, auditorias contínuas de campanhas eleitorais, transparência de contratos públicos em tempo real e responsabilização efetiva pela Justiça de candidatos e partidos apoiados por recursos ilícitos.

Um esforço integrado na mitigação de riscos é imperativo para preservar a integridade das eleições —e, em última instância, a confiança na democracia.

Correios, um cadáver caro

Por O Estado de S. Paulo

Lula prefere empurrar o problema dos Correios com a barriga a encará-lo, mas, a continuar nessa toada, empréstimos, aportes e mudanças na meta das estatais vão se tornar rotineiros

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva provavelmente terá de mudar a meta fiscal das estatais federais no ano que vem por causa dos Correios. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 permitia um déficit de até R$ 6,75 bilhões para o conjunto de empresas públicas da União, mas o número foi proposto em abril, antes do irrefreável processo de deterioração pelo qual os Correios passariam ao longo dos meses seguintes.

Esse ajuste, evidentemente, não visa a alterar a trágica trajetória dos Correios em direção à ruína. A questão é que, se a previsão de déficit das empresas públicas não for adequada, o Executivo será obrigado a cortar outras despesas para cumprir a meta fiscal do ano que vem, que prevê um superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), de cerca de R$ 34 bilhões. E tudo que Lula não quer é cortar gastos, ainda mais em um ano eleitoral.

Foi exatamente o que ocorreu neste ano. Em pleno mês de novembro, a projeção de déficit das estatais, que era de R$ 5,5 bilhões, teve de ser ampliada para R$ 9,2 bilhões por causa dos Correios. A situação obrigou o governo a cortar R$ 3 bilhões em gastos dos ministérios a poucas semanas do fim do ano, quando o Executivo imaginava que contingenciamentos não seriam mais necessários.

Esse é apenas mais um capítulo da longa e dolorosa decadência dos Correios. O governo Lula até tenta fingir surpresa, mas a verdade é que menosprezou o problema até que ele virasse um problemão. Enquanto os resultados financeiros dos Correios pioravam a olhos vistos, o Executivo recorria a discussões semânticas para diferenciar déficit de prejuízo e gastos de investimentos.

Em julho, o governo já estava ciente de que a empresa precisaria de ajuda. À época, o socorro, estimado em R$ 5 bilhões, derrubou o então presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos. Três meses depois, seu sucessor, Emmanoel Schmidt Rondon, anunciou que a estatal precisaria de nada menos que R$ 20 bilhões para pagar as contas em dia e executar um tardio plano de reestruturação.

O aporte virou empréstimo e, em conjunto, alguns bancos aceitaram participar da operação de salvamento. Exigiram, no entanto, que a União assumisse a bronca em caso de calote e, como não rasgam dinheiro, pediram juros equivalentes a 136% do CDI, superior ao teto com que o Tesouro Nacional trabalha. O governo chiou, a oferta foi rejeitada e a possibilidade de um aporte da União na empresa, que custou o cargo do presidente anterior, voltou à mesa.

Entre idas e vindas, todo esse esforço seria defensável se ao menos servisse para solucionar de vez os problemas dos Correios, mas é difícil ser otimista diante da visão do governo sobre o papel “estratégico” das estatais na economia.

Afinal, enquanto o prejuízo escalava, os Correios realizaram um concurso para contratar mais de 3,5 mil empregados no fim do ano passado. Pior: em vez de enterrar de vez os planos depois dos rombos, mesmo porque conta com mais de 80 mil funcionários, a empresa ainda pensa em convocar os aprovados.

Para recompor as receitas que os Correios perderam nos últimos anos com o avanço de empresas privadas na área de logística e encomendas, a ideia da estatal é cobrar uma espécie de “indenização” do Tesouro Nacional pelos custos que tem com a universalização dos serviços postais, por ela estimados em alguns bilhões.

Esses dois singelos exemplos mostram que qualquer ajuste, se é que haverá, será insuficiente frente ao desafio da empresa. É importante destacar que as dificuldades dos Correios não são exclusividade nacional. No mundo todo, empresas tradicionais do setor de logística e entregas tentam se adaptar às mudanças tecnológicas e aos novos hábitos da população, seja via parcerias com a iniciativa privada, seja pela assunção de outros serviços e funções públicas.

No Brasil, no entanto, por questões ideológicas que beiram a teimosia, o governo prefere empurrar o problema com a barriga a encará-lo. A continuar nessa toada, novos empréstimos, aportes e mudanças na meta das estatais serão necessários muito em breve. A sociedade que se vire para pagar a conta.

Caso Master toma rumo estranho

Por O Estado de S. Paulo

Ao arrogar para si o controle da investigação de Daniel Vorcaro, e ainda sob inexplicável sigilo, Dias Toffoli estimula uma percepção de acobertamento que só degrada a integridade do Supremo

O ministro Dias Toffoli arrogou para o Supremo Tribunal Federal (STF) o controle da investigação de crimes financeiros envolvendo Daniel Vorcaro, dono do Banco Master. Ademais, decretou elevado grau de sigilo aos atos processuais, concentrando em seu gabinete o fluxo de informações sobre o caso. Essa decisão de Toffoli não resiste a um exame jurídico primário, muito menos ao confronto com o ideal de transparência que deve nortear os Poderes da República.

A defesa do empresário argumentou que Vorcaro teria mantido negócios com o deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA). Com base nisso, o empresário acionou o STF para tirar o processo da primeira instância da Justiça Federal de Brasília em razão da prerrogativa de foro do parlamentar baiano. O busílis é que o documento que cita Bacelar, como revelou o Estadão, diz respeito a uma transação imobiliária de R$ 250 milhões que nem sequer foi consumada, além de não guardar relação com a investigação de fraude na venda de carteiras de crédito do Banco Master ao Banco de Brasília (BRB), operação suspeita que pode ter injetado R$ 12 bilhões na instituição financeira controlada por Vorcaro.

Mas, abstraindo-se a evidente falta de nexo causal, Dias Toffoli poderia perfeitamente ter mantido no STF somente a investigação de Bacelar, deixando a cargo da primeira instância as providências relativas aos demais investigados sem prerrogativa de foro, como Vorcaro e seus sócios.

Para piorar, ainda há o sigilo inexplicável. O art. 5.º , inciso LX, da Constituição determina com clareza solar que somente a intimidade ou o interesse social legitimam a eventual restrição à publicidade dos atos processuais. Mais abaixo na hierarquia normativa, o Código de Processo Civil enumera as quatro hipóteses em que se admite o segredo de Justiça, a saber: (i) situações em que o interesse público ou social o imponha; (ii) processos de família; (iii) casos que envolvam dados íntimos (como, por exemplo, estado de saúde de uma das partes); e (iv) processos que versem sobre arbitragem.

Ora, enquadrar as atribulações judiciais do sr. Vorcaro em quaisquer das alíneas acima requer uma mui criativa hermenêutica jurídica. A rigor, à luz do interesse público, o caso do Banco Master e seu controlador exige o exato oposto: absoluta transparência.

As peripécias de Vorcaro transbordam de relevância pública. Seus desdobramentos envolvem potenciais impactos financeiros para fundos públicos de aposentadoria, suspeitas de tráfico de influência e indícios de proximidade muito além dos limites republicanos entre o empresário e autoridades dos Três Poderes. Ou seja, é precisamente o tipo de ação que não pode tramitar nas sombras, resguardadas às partes, por óbvio, todas as garantias do devido processo legal.

Some-se a tudo isso dois dados incômodos, que qualquer magistrado minimamente cioso de sua responsabilidade teria considerado suficientes para se declarar impedido. Em 2024, Dias Toffoli participou de um evento empresarial em Londres patrocinado, ora vejam, pelo Banco Master. Até hoje, o ministro não prestou o devido esclarecimento sobre quem custeou suas despesas de viagem. Como se isso não bastasse, a mulher do ministro, Roberta Rangel, foi sócia de um dos advogados que hoje atuam na defesa de Vorcaro perante o Supremo. A simples aparência de parcialidade já seria óbice incontornável à permanência de Dias Toffoli como relator do processo.

Não há razão factual ou jurídica que sustente a manutenção do caso de Vorcaro no STF nem tampouco o sigilo determinado por Dias Toffoli. Há, isso sim, a imperiosa necessidade de que o próprio STF não deixe sua imagem ser tisnada pela suspeita de acomodação de conveniências empresariais ou proteção de relações pessoais mal explicadas.

Este jornal quer acreditar que Dias Toffoli e o Supremo estão tratando do caso do Banco Master de maneira republicana, mas, por ora, a sensação é de que há algo inconfessável sendo escondido dos olhos dos cidadãos. Considerando-se que o sr. Vorcaro habilmente soube cultivar relações com os altos escalões de Brasília, não é uma desconfiança infundada.

O novo reitor e o futuro da USP

Por O Estado de S. Paulo

Professor de Medicina assume universidade com seu modelo de financiamento em xeque

O governador Tarcísio de Freitas escolheu o professor da Faculdade de Medicina Aluísio Segurado para assumir o cargo de reitor da Universidade de São Paulo (USP), numa clara demonstração de respeito à tradição e à democracia paulistas. O chefe do Executivo optou pelo docente mais bem votado da lista tríplice, muito embora tivesse a prerrogativa de indicar qualquer uma das três chapas que analisou. Mas o governador preferiu manifestar seu apreço pela opinião da comunidade universitária, formada por professores, funcionários e estudantes.

Dito isso, a partir de 25 de janeiro de 2026, Segurado e a professora da Escola Politécnica Liedi Légi, a nova vice-reitora, assumirão seus mandatos de quatro anos com grandes desafios no horizonte. Não há por que duvidar das credenciais dos escolhidos. Segurado foi pró-reitor de Graduação, comandou o Instituto Central do Hospital das Clínicas e se destacou como pesquisador em infectologia, com atuação no enfrentamento do HIV/aids e da covid-19. Légi, por sua vez, foi a primeira mulher diretora da Escola Politécnica.

Com experiência na pesquisa, no ensino e na gestão, a dupla comandará a USP num dos momentos mais sensíveis de sua história. Promulgada a reforma tributária, a partir do ano que vem haverá o progressivo desaparecimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a principal fonte de custeio não só da USP, mas também da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Todos os anos, o Estado repassa às três universidades públicas paulistas 9,57% da arrecadação com o ICMS.

Essa cota-parte é assegurada desde 1989 por meio de um instrumento normativo frágil na forma, mas forte nos resultados. Foi um simples decreto e depois a renovação anual de sua essência em lei que conferiu a autonomia financeira da USP ao mesmo tempo em que permitiu a sua consolidação como o mais relevante centro de ensino e pesquisa do Brasil. Assegurar a manutenção desse mínimo, portanto, é a maior e mais importante missão de Segurado e Légi à frente da USP. Para isso, precisarão intensificar as negociações com o Palácio dos Bandeirantes e a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a fim de costurarem um arranjo normativo que garanta o financiamento e, sobretudo, a autonomia da instituição.

Será ainda mais benéfico para a universidade se os dois gestores forem capazes de buscar novas formas de financiamento para a USP, com o incentivo à participação de fundos e da iniciativa privada no fomento de suas pesquisas. Mas não só isso: será bastante proveitoso para a universidade se as assinaturas de convênios e parcerias com instituições nacionais e, sobretudo, internacionais forem ampliadas. Pois somente quando for inserida de fato no mundo globalizado e entrar de vez no século 21 a USP conseguirá avançar nos rankings internacionais, onde está estacionada. Segurado e Légi terão muito trabalho.

Exportação e gasto público contêm desaceleração

Por Valor Econômico

O PIB brasileiro ficou praticamente estagnado no terceiro trimestre, com um crescimento de apenas 0,1% sobre o trimestre anterior

A economia brasileira ficou praticamente parada no terceiro trimestre, com crescimento de apenas 0,1% sobre o trimestre anterior. O Produto Interno Bruto (PIB) teria sido negativo se as exportações líquidas (vendas externas menos importações) não tivessem garantido contribuição positiva de 0,5 ponto percentual nas contas nacionais. No trimestre, além das exportações, as despesas de consumo do governo, com avanço de 1,3% e peso de 18,8% na composição do PIB, foram o item da demanda que mais cresceu, superando o consumo das famílias e os investimentos. A demanda doméstica desacelerou e reduziu as importações, cabendo à maior exportação e aos gastos do governo garantirem alguma expansão.

Com consequências importantes para a inflação e para a trajetória da taxa de juros, os serviços e seu espelho na demanda — o consumo das famílias — progrediram 0,1% no terceiro trimestre ante o segundo. Na comparação com o mesmo trimestre de 2024 o avanço foi pequeno, de 0,4%, mas nos quatro trimestres até outubro ante o mesmo período anterior ainda exibem bom desempenho, 2%. Em quase todas as comparações temporais, o consumo das famílias tem avançado em linha ou abaixo da evolução do PIB, que, ao ritmo previsto (2,2% em 2025), deixará de crescer acima de seu potencial.

A evolução dos salários em um mercado de trabalho com pleno emprego faria prever uma reação do consumo superior à observada. Há outros fatores interferindo na conta, porém. Um é estatístico: o IBGE revisa sempre suas séries, e um dos itens que mais se moveram foi o consumo. Em 2024, sua expansão foi ajustada de 4,8% para 5,1%. Ante uma base de comparação maior, a queda é maior. O outro fator é conjuntural. A inadimplência é elevada e há evidências significativas de que os ganhos salariais (evolução acima da inflação de 3,9% no trimestre encerrado em outubro) não têm desembocado no consumo ou sido poupados (a taxa de poupança se manteve em 14,5% do PIB), mas foram usados no pagamento de dívidas.

O desaquecimento dos serviços está ocorrendo no item que tem maior influência no PIB, o de “outras atividades de serviços” (peso de 17,4% no setor, que por sua vez perfaz 68,9% do PIB). Esse item engloba os serviços prestados às famílias, movidos à renda dos salários e que tem empurrado o IPCA para cima. É possível que, mantidas as atuais condições e sem estímulos adicionais do governo à economia, os preços dos serviços arrefeçam. Nos 12 meses findos em outubro a inflação de serviços foi de 6,2%, bem acima do IPCA de 4,68%.

Com a desaceleração moderada da atividade, a demanda doméstica foi negativa e reduziu o ímpeto das importações. No início do ano, o setor externo roubou pontos do crescimento do PIB, mas isso é passado. Exportações superiores a importações acrescentaram 0,5 ponto percentual, segundo cálculos de Alberto Ramos, diretor de Pesquisa Econômica para a América Latina do Goldman Sachs, um pouco menor que a contribuição também positiva de 0,7 ponto no segundo trimestre.

Nos três trimestres decorridos do ano, em relação aos de 2024, a agricultura teve o melhor desempenho (11,6%), a indústria desacelerou (mais a de transformação que a extrativa), mas avançou 1,7%, e os serviços subiram 1,8%. Do lado da demanda, o consumo das famílias acumula crescimento de 1,4%, as despesas de consumo do governo voltaram a subir (de 1,4% no trimestre anterior para 1,6% agora), enquanto os investimentos perdem força e ainda aumentam 5%.

De todos os componentes do PIB, a taxa de formação bruta de capital fixo é a que está mais distante do seu pico histórico: 17% abaixo do segundo trimestre de 2013. Os investimentos foram maiores nos últimos anos do governo Bolsonaro. Nos de Lula, caíram um pouco, e com recuo mais acentuado da taxa de poupança (pelo peso dos déficits públicos). A distância entre investimento e poupança no terceiro trimestre foi de 2,8%, o que explica o aumento do déficit em transações correntes — em novembro foi de 3,4% do PIB. As previsões para o crescimento da economia em 2026 rondam 1,7%.

Os gastos do governo voltaram a aumentar no terceiro trimestre, com o pagamento dos precatórios, e claramente impediram esfriamento maior das atividades, objetivo perseguido pelo Banco Central. Há mais gastos a caminho. Na votação do PLOA de 2026, o relator acrescentou mais R$ 10 bilhões das estatais fora da meta fiscal, além dos R$ 5 bilhões gastos por elas no PAC. Como o Valor informou, há no orçamento aumento do Imposto de Importação que renderá R$ 13 bilhões, para mais despesas e pagamento de emendas.

O governo está abrindo seu baú de benesses eleitorais quando a política contracionista do BC faz sentir plenamente seus efeitos. A persistência de juros de 15% traz um custo formidável para as contas públicas e deixará uma herança maldita para o sucessor de Lula — que pode ser ele próprio. O Planalto, ao que tudo indica, continuará agindo para impedir que os juros possam ser reduzidos com segurança. A conta recairá sobre todos os contribuintes.

O espaço da economia criativa no Brasil

Por Correio Braziliense

Diante da diversidade, riqueza artística e força do empreendedorismo popular, essa cadeia de negócios pode contribuir mais para o crescimento do país  

Espalhada por diversas áreas, a economia criativa vem se consolidando no Brasil nas últimas décadas. Presentes em segmentos da indústria, serviços, gastronomia, turismo, moda, tecnologia, entre outros, as atividades que transformam criatividade em valor econômico têm conquistado espaço e demonstrado vitalidade. Os números indicam um panorama promissor, mas em um país com tantas desigualdades esse horizonte pode ser mais amplo.

Levantamento feito pelo Observatório Nacional da Indústria (ONI), núcleo de informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), indica que 1 milhão de vagas de trabalho serão criadas pela economia criativa até 2030. Hoje, esse modelo emprega 7,4 milhões de pessoas, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o 4º trimestre de 2022. Segundo as projeções, esse incremento ocorrerá no mercado formal, com carteira assinada, e no informal.

A questão é que, diante da diversidade, riqueza artística e força do empreendedorismo popular, essa cadeia de negócios pode contribuir mais para o crescimento brasileiro. O conjunto de ações para estimular inovações e renovar meios tradicionais do mercado precisa avançar ao ponto de ser uma alternativa estratégica de desenvolvimento do país.

Um dos grandes desafios a serem enfrentados está relacionado às diferenças regionais — o que fica claro ao analisar o relatório produzido pela CNI. Há uma concentração elevada de empresas de economia criativa no Sudeste (56.222) e no Sul (31.643) do Brasil. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, um movimento crescente tem acontecido, porém inferior ao potencial que possuem. Entre os estabelecimentos, cerca de 111 mil estão concentrados em micro e pequenas empresas — 86.917 e 24.381, respectivamente, segundo os dados da CNI. As médias e grandes, juntas, representam menos de 6 mil.

Esse quadro revela a realidade da economia criativa no país: está atrelada ao empreendedorismo de seus idealizadores. E, apesar de toda a sua capacidade de reinvenção, o setor precisa de uma atuação decisiva dos governos. À administração pública cabe fomentar formação técnica, ampliar editais e garantir marcos regulatórios que protejam os trabalhadores, além de viabilizar a automação.

A iniciativa privada também tem seu papel, com a responsabilidade de reconhecer o potencial desse vetor, investindo em parcerias e compra de serviços criativos. A sociedade, por sua vez, deve acreditar na qualidade do que é produzido e oferecido por esse ramo da economia, apoiando os empreendedores e cobrando incentivos.

O entendimento de que a economia criativa é um ativo estratégico para o desenvolvimento precisa ser disseminado. Os relevantes impactos econômicos e sociais desse modelo, com sua capacidade de proporcionar receita de forma sustentável e promover o desenvolvimento humano, são determinantes para o futuro do país. Em um cenário global de demanda por novidades, renunciar ao talento brasileiro significa desperdiçar um diferencial na desenfreada competição do mercado mundial.

É preciso mais pressa para reduzir desigualdades

Por O Povo

Relatório do IBGE mostra queda na pobreza e na extrema pobreza no Brasil

Diferentes dados divulgados recentemente revelam que o País vem obtendo resultados positivos em questões sociais, que significam a melhoria nas condições de vida de milhões de brasileiros.

No entanto, é preciso alertar que esses avanços ainda são insuficientes para corrigir problemas estruturais, que impedem que a evolução aconteça na medida das necessidades dos segmentos mais vulneráveis da população.

O relatório mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra avanços importantes na redução da pobreza e da extrema pobreza. De acordo com os dados do IBGE, a proporção de pessoas vivendo na pobreza caiu de 27,3% em 2023 para 23,1% em 2024.

Esse é o menor nível registrado desde o início da série histórica, em 2012, com mais de 8,6 milhões de pessoas saindo dessa condição. Da extrema pobreza saíram 1,9 milhão de pessoas, com o índice baixando de 4,4% para 3,5% da população. Em agosto do ano passado, o País foi retirado do Mapa da Fome, como registrou a Organização das Nações Unidas (ONU). Em novembro, o IBGE divulgou informações sobre o aumento da expectativa de vida entre os brasileiros.

São considerados em situação de pobreza os domicílios com renda inferior a US$ 6,94 por pessoa. Na extrema pobreza, residências com renda inferior a US$ 2,18 por pessoa. Para fazer os cálculos, o IBGE adota os parâmetros do Banco Mundial.

Os índices positivos são reflexo de uma combinação de fatores, como o aquecimento do mercado de trabalho e a transferência de renda, proporcionada por programas como o Bolsa Família, que beneficiam um setor expressivo da sociedade.

No entanto, os benefícios do recuo da pobreza e da extrema pobreza, como de outros índices, impactam de forma diferente regiões e segmentos sociais. A pobreza é mais elevada nas áreas rurais do que nas urbanas. Pessoas pretas e pardas são mais atingidas pela vulnerabilidade em comparação com a população branca.

Quanto às regiões, o Nordeste concentra a maior parte da população em situação de vulnerabilidade. Essas questões precisam ser consideradas na implementação das políticas públicas, de modo a evitar essas disparidades.

Também é preciso lembrar que, quando milhões de pessoas conseguem sair da pobreza e da extrema pobreza — devido a políticas públicas e ao aumento da oferta de empregos —, outras tantas continuam vivendo nessas condições inaceitáveis. No Brasil existem muitas urgências, é verdade, mas nenhuma mais premente do que acabar com a miséria em um País que é considerado o "celeiro do mundo", pela quantidade de alimentos que produz. É preciso mais pressa para reduzir as injustiças e as desigualdades.

 

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