O Estado de S. Paulo
O Congresso tornou-se um desafio democrático. A começar pelo avanço que fez sobre o Orçamento nacional
Primeiro, é necessário convencer que o problema existe. Depois, a tarefa é reconhecer sua dimensão gigantesca, a ladeira que teremos de subir para resolvê-lo. No meu entender, esta é uma grande questão em 2026: como renovar o Congresso. Tudo na sua dinâmica atual conspira para que nada mude. O Congresso dispõe de mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. Além disso, os partidos recebem cerca de R$ 5 bilhões para financiar a campanha eleitoral. Como pessoas da sociedade, sem recursos especiais, apoiadas apenas por grupos de amigos, conseguirão romper essa montanha de dinheiro? De um ponto de vista numérico nunca se conseguirá maioria. Mas é possível constituir um pequeno grupo suprapartidário que se articule com a opinião pública, consiga algumas pequenas vitórias e evite, por seu turno, decisões calamitosas.
Não se pode dizer que o Congresso foi inútil.
Aprovou, por exemplo, a reforma tributária, num trabalho que envolveu todas as
correntes. Mas o Congresso tornou-se um desafio democrático. A começar pelo
avanço que fez sobre o Orçamento nacional. Nas democracias, são os Poderes
Executivos que dispõem do dinheiro para realizar os projetos aprovados pelos
eleitores. No Brasil, foi criado um sistema diferente. As emendas parlamentares
foram executadas sem transparência. Podem ter sido redundantes, pois não havia um
plano conjunto para aplicar esse dinheiro. E podem ter sido desviadas para o
bolso dos próprios parlamentares.
Do ponto de vista da sintonia com o projeto
brasileiro, o Congresso é um caso à parte. O Brasil organizou a COP-30 com
muito sacrifício e se colocou como uma liderança ambiental, estimulando o
avanço de outros países. Mal terminou a COP-30, o Congresso simplesmente
demoliu um alicerce de nossa legislação ambiental, o capítulo do licenciamento.
Numa só noite, deixamos de ser um país com ambições de liderança para sermos um
país atrasado, sem normas de licenciamento nacionais, sem respeito à lei que
fizemos para preservar um importante ecossistema, a Mata Atlântica.
Mesmo o episódio da indicação para vaga de
ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) revelou um nível de degradação. Ao
discordar do nome escolhido pelo presidente – indicação discutível – o caminho
não foi o da argumentação, mas do lançamento de pautasbomba, destinadas a
estourar o Orçamento.
Sob o argumento de firmar sua autonomia em relação
ao Supremo, a Câmara decidiu, por exemplo, rever sentenças. Uma deputada é
condenada a dez anos de prisão e à perda do mandato pelo STF. Na comissão da
Câmara, em vez de respaldar a sentença, o relator resolveu contestá-la. Sua
conclusão é a de que o Supremo condenou apesar da falta de provas. Além disso,
sempre resolvem avaliar tardiamente o comportamento de um parlamentar.
Houve casos, como o da ex-deputada Flordelis,
que continuou a exercer seu mandato depois de ser acusada de matar o marido.
Para realizar essa gigantesca tarefa de
renovar um organismo que ameaça a democracia porque leva o desencanto aos
eleitores, é preciso mais do que grupos organizados, utilizando criativamente
as redes sociais. Será preciso também corrigir a maneira como nós vemos a
campanha política no Brasil. Todo o interesse se concentra na escolha
presidencial. Poucos se importam com a disputa parlamentar. O resultado é
sempre a eleição de um presidente e a de um bloco de deputados que o apoiam,
mas que às vezes são eleitos apenas por estarem perto da campanha presidencial.
Os parlamentares que se elegeram com
Bolsonaro, por exemplo, tinham como atrativo apenas a fidelidade ao seu líder.
Foram incapazes de se orientar politicamente num Congresso confuso. É
importante que deputados se definam quanto ao seu candidato à Presidência. Mas
precisam oferecer mais do que fidelidade, no mínimo, uma contribuição original.
Ao longo desses anos, programas radiofônicos
do tipo “bandido bom é bandido morto”, líderes religiosos, celebridades – tudo
isso contribuiu para um Congresso com variações humanas, mas de uma pobreza
política deplorável.
O ano que está diante de nós coloca esta
tarefa histórica de elevar o nível do Congresso. Isso significa também uma
conexão maior com o interesse popular, um intercâmbio mais rico com a própria
sociedade.
Em 2013 tivemos um susto com aquele movimento
que desprezava os políticos, em 2018, o sobressalto de uma eleição populista
explorando exatamente o desencanto. Não é possível que não se tente aprender com
a experiência histórica. Não quero dizer que 2013 e 2018 vão se repetir. Mas se
não houver uma tomada de consciência dessa grande tarefa, nada impede que algo
aconteça. E pode até ser pior do que vimos no passado.
Os próprios candidatos à Presidência terão de
colocar na mesa essa questão, pedindo que não se concentre a atenção apenas
neles. Quem vencer a eleição presidencial em 2026, se for sincero, precisará
admitir que seus passos são limitados por um Congresso que não apenas tomou
conta de grande parte do dinheiro, como reduziu o papel de um presidente
eleito. •

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