Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Porta de saída deve beneficiar quem é quase classe média, e não mais pobres, diz Mangabeira
Às vésperas de embarcar numa caravana pelo Nordeste, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, disse ontem que a região vive um vazio intelectual e precisa ser libertada do que chamou de "ilusão do pobrismo". Com ideias que exigiriam mudanças em vários ministérios, Mangabeira concentrou as críticas nos programas criados pelo governo para oferecer uma porta de saída aos beneficiários do Bolsa Família. Defendeu que, em vez de privilegiar os mais pobres, esses programas sejam direcionados aos que já estão próximos de se integrar à classe média.
Apesar de o Bolsa Família ser ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ministro Patrus Ananias, Mangabeira disse que já começou a estudar um novo modelo de capacitação profissional para quem recebe o benefício. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que o programa é importante, mas que precisa remodelar a oferta de formação profissional para reduzir o número de dependentes. Mangabeira quer aproveitar a viagem para empunhar uma bandeira controversa: que o governo passe a privilegiar quem já está empregado, e não a camada mais pobre da população. Para ele, os programas de capacitação não servem a quem vive na miséria:
- O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo. Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas.
Ao defender a tese, Mangabeira esboçou a criação de uma nova categoria sociológica, que batizou de "batalhadores". O grupo estaria situado "entre os mais pobres e a pequena burguesia empreendedora", com papel "decisivo e desconhecido" no país:
- São trabalhadores saídos do mesmo meio pobre, mas que têm dois ou três empregos. Eles já demonstraram ser resgatáveis, porque já começaram a se resgatar.
"O Nordeste é a nossa China"
O roteiro da viagem de Mangabeira, que começa amanhã, inclui ainda propostas para setores como desenvolvimento, agricultura e educação. O ministro revelou que sonha com uma grande campanha de mídia para "trazer o Nordeste ao centro da agenda brasileira":
- Vejo o Nordeste não como uma região atrasada que precise de políticas compensatórias, mas um terreno vanguardista para redefinir nosso padrão de desenvolvimento. O Nordeste é nossa China. Será no mau sentido se for apenas manancial de trabalho barato, e no bom sentido se for uma fábrica de engenho e inovação.
Neto do ex-governador baiano Otavio Mangabeira, primeiro presidente da antiga UDN, ele elogiou um rival do antepassado ao dizer que o Nordeste não tem projeto próprio desde o governo do trabalhista João Goulart:
- O problema é que faltam ideias. Há um vazio intelectual. O Nordeste não tem projeto forte desde a época de Celso Furtado e João Goulart. Esse vazio é preenchido por duas ilusões. A do pobrismo, de que basta aliviar a pobreza com ações sociais, e a do sãopaulismo, o fascínio por grandes indústrias, refinarias e siderúrgicas.
Mangabeira também atacou a legislação de licenciamento ambiental, que, segundo ele, concentra poder demais nas mãos do Ibama:
- O direito ambiental brasileiro é uma caixa-preta de discricionarismo. A lei delega o poder a um pequeno elenco de déspotas administrativos que agem sem critério. Cada licenciamento de rodovia ou usina é um sufoco, um jogo casuístico de pressões e negociações. Isso não é conveniente nem sábio. É uma imprudência.
O ministro Patrus Ananias não quis comentar as declarações de Mangabeira. O do Meio Ambiente, Carlos Minc, evitou polemizar, mas alfinetou:
- A legislação ambiental brasileira é muito criticada por quem não quer restrição ambiental nenhuma.
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