Raquel Ulhôa
DEU NO VALOR ECONÔMICO
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido em Goiânia (GO), na quinta-feira, em clima de festa popular. O prefeito Iris Rezende, principal liderança do PMDB no Estado e aliado do petista desde a campanha de 2002, convocou a população, que lotou a Praça Cívica. A visita - a primeira de Lula a Goiânia nesta gestão de Iris - foi cercada de expectativa. Os aliados do presidente no Estado (PMDB, PT, PP e PR) estavam juntos no palanque, simbolizando as negociações em curso para formação de um "chapão" em 2010.
A passagem do presidente por Goiás, no entanto, resultou em desastre político. Provocou revolta e mal-estar em sua base de sustentação. O embaraço começou em Anápolis, segunda cidade do Estado e terra natal do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, onde o presidente teve compromissos antes de chegar à capital. Da comitiva, faziam parte Iris, o governador Alcides Rodrigues (PP) e o próprio Meirelles.
Lá, em entrevistas e discurso, o presidente fez tantos elogios ao presidente do BC, que deu a clara impressão de lançá-lo a governador. "Se o Meirelles conduzir a economia de Goiás como ele conduziu o Banco Central, Goiás só tem a ganhar", disse. Lula afirmou que "Goiás vai ter um administrador excepcional, porque o Meirelles é muito competente". Defendeu uma aliança forte, alegando que o presidente do BC "não pode ser candidato para perder as eleições".
No seu entusiasmo, Lula esqueceu-se de um detalhe: Iris, por enquanto, também é pré-candidato a governador. Para piorar as coisas, Anápolis também é a terra do deputado federal Rubens Otoni (PT), nome defendido por uma ala do partido de Lula para concorrer ao governo do Estado. Na cidade de Meirelles, Lula ignorou Iris e Otoni.
Até aí, tudo bem para os pemedebistas, que até entenderam os elogios a Meirelles em Anápolis. Esperavam que os afagos a Iris estivessem guardados para Goiânia, para onde o presidente seguiu depois, com a finalidade de cumprir uma série de eventos administrativos preparados pelo prefeito e pelo governador. Teve inauguração, almoço e grande ato na Praça Cívica - palco do primeiro comício do movimento das Diretas Já, no final de 1983.
Após entrega simbólica de casas populares e títulos de regularização fundiária, Lula encerrou sua visita com um discurso típico de campanha. Falou do passado humilde, criticou seus antecessores "letrados" por não governar para os pobres, prometeu concluir obras em rodovia e no aeroporto e falou de futebol. Pediu que um time goiano cedesse um centroavante para o Corinthians.
Sucesso de público e fracasso entre os aliados, Lula não fez menção especial a Iris, o anfitrião. Nenhuma palavra de reconhecimento pela parceria ou gratidão pelo apoio de primeira hora. Em meio ao discurso, Lula pediu a Iris um copo d´água. O prefeito buscou e ficou ali, em pé, segurando o copo para o presidente. Em outro contexto, o gesto não traria qualquer constrangimento. Naquele momento, pareceu aos convidados mais uma indelicadeza de Lula.
O problema não foi a exaltação a Meirelles. O próprio Iris admite apoiar uma eventual candidatura do presidente do BC a governador, desde que ele se filie ao PMDB e demonstre condições eleitorais para derrotar o senador Marconi Perillo (PSDB). A frustração dos pemedebistas foi provocada pelo que consideraram deselegância de Lula com Iris e descaso com o partido.
Em 2002, o pemedebista, então senador, rompeu com o governo Fernando Henrique Cardoso e anunciou apoio à candidatura de Lula ao Planalto. Com isso, acredita-se que tenha contribuído para minimizar resistências de ruralistas e evangélicos ao petista. Atualmente, Iris tem se empenhado na aliança entre os partidos da base do presidente em 2010. Em cerca de nove horas de passagem por Goiás, Lula lançou Meirelles, tratou Iris com indiferença, ignorou Otoni e colocou em risco o acordo dos aliados.
Na própria quinta-feira, assim que Lula embarcou de volta a Brasília, petistas e pemedebistas não escondiam o mal-estar. Nos dias seguintes, Iris e aliados negaram-se a comentar a visita. Os bombeiros saíram a campo imediatamente. Da prefeitura, os petistas Paulo Garcia, vice-prefeito, e Osmar Magalhães, assessor especial de Iris, telefonaram para o gabinete de Lula no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo enquanto o Palácio do Planalto está em reforma.
Até o governador Alcides Rodrigues (PP) telefonou para deputados estaduais do PMDB, preocupado com a dimensão da revolta. Ex-aliado do tucano Perillo, Alcides luta para levar Meirelles para o PP, mas quer os aliados unidos em torno da candidatura. O presidente nacional licenciado do PMDB, deputado federal Michel Temer (SP), foi acionado. Soube que a desfeita a Iris poderia ameaçar a aliança com o PT.
A mulher do prefeito, a deputada federal Iris de Araújo, vice-presidente nacional do PMDB, está no exercício da presidência do partido, durante a licença de Temer (eleito presidente da Câmara dos Deputados). Ao contrário do marido, que sempre manifestou apoio à ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), a deputada é da ala que prega candidatura própria do PMDB a presidente da República.
Alertado sobre a repercussão negativa da visita, Lula telefonou ao prefeito na sexta-feira para tentar desfazer o mal-estar. Disse que a imprensa exagerou na interpretação de sua fala e que sua intenção não era manifestar preferência por Meirelles. Para tentar consertar o estrago, convidou o prefeito para um encontro hoje, às 15h, em Brasília. Aliados de Iris esperam um gesto público de apreço.
O episódio era comentado ontem em uma roda de aliados do presidente. Tentavam entender qual seria a "grande estratégia" por trás do comportamento de Lula, já que não queriam acreditar em simples falta de habilidade política. Afinal, se o presidente quase provoca uma crise entre aliados no que pode ser considerada uma prévia da campanha eleitoral de 2010, teme-se pelo que pode vir por aí. Especialmente em torno de uma candidatura - Dilma - que, aos poucos, parece perder forças.
Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília.
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