DEU NO VALOR ECONÔMICO
A pré-campanha presidencial deste ano se mostrou uma verdadeira comédia erros, cometidos em maior número pela candidatura oficialista, muito embora o maior deles tenha sido perpetrado pelo principal candidato de oposição (o imbróglio da escolha do vice). O ato final d a grande comédia foi de responsabilidade de Dilma Rousseff: a apresentação de um programa de governo "errado", o qual seria depois substituído pela versão "certa". Não haveria maiores problemas na substituição de documento enviado por engano, caso o teor das duas versões fosse similar, havendo apenas algo como erro de digitação, ou falta de atualização. Todavia, o que se encaminhou inicialmente foi documento não apenas muito distinto do que o substituiu, mas cujo conteúdo causaria arrepios a boa parte dos eleitores e, sobretudo, dos aliados do PT .
Mas qual o real significado do programa "errado"? E o que ele pode nos revelar de verdadeiro sobre o PT e, principalmente, sobre o que poderá vir a ser um governo Dilma? Talvez nada sintetize melhor este caso do que um diálogo reproduzido ontem no "Contraponto", o epílogo galhofeiro do "Painel" da Folha de S. Paulo. Informa-se ali que os deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e André Vargas (PT-PR) se divertiram com a celeuma do programa radical. O peemedebista ironizou: "Só fizemos aliança com o PT por saber que vocês nunca iriam cumprir aquele programa...". Respondeu-lhe, rindo, o petista: "Olha... se cuida, porque falando desse jeito você nunca vai virar ministro da Dilma!". Noutras palavras: o programa originalmente apresentado, extraído de um documento oficial do PT e aprovado em Congresso do partido, não apenas não merece ser levado a sério; ele também seria infactível num presidencialismo.
Esse documento, assim como muitos outros produzidos pelo PT ao longo de sua história, são repletos de propostas e divisas radicais, as quais jamais são levadas a cabo quando o partido chega ao poder. Para comprovar isto, basta observar o quanto as administrações petistas nos três níveis federativos se distanciaram das propostas aprovadas pelo partido. Há duas razões para isto. A primeira decorre de que a produção de tal discurso cruento se presta à finalidade de alimentar devaneios ideológicos da militância. É discurso "de mentirinha", de efeitos mais lúdicos que políticos, no qual crêem apenas os tolos (no partido) e os desavisados (fora dele). Simplesmente não o levam a sério as altas lideranças partidárias, que são aquelas que depois assumem postos no governo. Tais lideranças não apenas são mais moderadas que os militantes, mas são também sabedoras da infactibilidade de propostas radicais.
A segunda razão para que o discurso "de mentirinha" não seja concretizado é o fato de que vivemos num presidencialismo de coalizão - como fica claro na anedota relatada pelo "Contraponto". Ou seja, o PMDB se aliou ao PT não apenas porque sabia que o programa era de mentirinha, mas também porque sabia que o partido de Dilma jamais teria como levar a cabo tais propostas pelo mero fato de que dependerá dos demais partidos de sua coalizão para implementar quaisquer decisões que requeiram apoio do Congresso. E podem ser freadas inclusive medidas que não dependam diretamente da aprovação do Legislativo para serem implementadas, pois como o Executivo depende de uma maioria legislativa para levar adiante boa parte de sua agenda, sofrerá retaliações em votações importantes caso insatisfaça essa maioria com medidas intoleráveis tomadas no âmbito de sua alçada decisória.
O efeito politicamente mais deletério desse discurso afeta principalmente o PT, que afugenta eleitores. Além disto, volta e meia algum membro ideologicamente mais empolgado que ocupa um cargo importante resolve dar vazão às fantasias e tenta converter o discurso "de mentirinha" em proposta oficial. A tendência de tais proposições é causarem muito ruído e prejuízo para, logo depois, serem desautorizadas por quem realmente manda. Foi assim, ainda durante o período de José Dirceu no governo, quando alguém teve a mirabolante idéia de propor uma cooperação técnica entre a Abin e o serviço secreto cubano. Novamente a invectiva aconteceu por ocasião do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), consideravelmente desidratado depois pelo Presidente da República. E parece ter sido novamente este o caso agora - só que envolvendo a candidatura governista, e não o governo.
Curiosamente, as lideranças petistas parecem padecer do sério mal de assinar sem ler e, depois, terem de apagar incêndios - alguns irremediáveis. Foi assim com Lula, na assinatura da polêmica proposta do PNDH; com José Genoíno, assinando os contratos de empréstimo com Marcos Valério (este o irremediável); e parece ser novamente agora o caso com Dilma, ao rubricar todas as folhas da versão "errada" do programa de governo. É compreensível que lideranças muito ocupadas confiem em seus assessores quando estes lhes levam algo para assinar, mas não é aceitável que os assessores escolhidos sejam tão incompetentes - ou tão malandros. A seguir nesta toada, logo as altas lideranças petistas precisarão de mais um assessor, de confiança estrita e pessoal, similar àqueles antigos provadores do rei, que degustavam parte de sua comida para evitar envenenamento. Só que o novo assessor, em vez de comer do rei, livrando-o da morte, lerá antes que o líder assine, livrando-o do opróbrio.
Afora isto, vale destacar, é de um ingênuo e bizarro formalismo burocrático essa regra que exige dos candidatos que registrem proposta de governo. Certamente não será isto que os eventuais eleitos implementarão, e nem aquilo a que os eleitores dirigirão sua atenção para decidir o voto. Não à toa, José Serra optou por encaminhar apenas a transcrição de dois discursos. Trata-se de norma sem qualquer serventia, assim como a diretriz mais grave, que obriga os "pré-candidatos" a fingirem durante meses que não são realmente candidatos, embora já estejam em campanha aberta. Seria bem-vinda uma reforma da lei que nos livrasse do peso morto de normas eleitorais que nada mais fazem senão institucionalizar o fingimento.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.
A pré-campanha presidencial deste ano se mostrou uma verdadeira comédia erros, cometidos em maior número pela candidatura oficialista, muito embora o maior deles tenha sido perpetrado pelo principal candidato de oposição (o imbróglio da escolha do vice). O ato final d a grande comédia foi de responsabilidade de Dilma Rousseff: a apresentação de um programa de governo "errado", o qual seria depois substituído pela versão "certa". Não haveria maiores problemas na substituição de documento enviado por engano, caso o teor das duas versões fosse similar, havendo apenas algo como erro de digitação, ou falta de atualização. Todavia, o que se encaminhou inicialmente foi documento não apenas muito distinto do que o substituiu, mas cujo conteúdo causaria arrepios a boa parte dos eleitores e, sobretudo, dos aliados do PT .
Mas qual o real significado do programa "errado"? E o que ele pode nos revelar de verdadeiro sobre o PT e, principalmente, sobre o que poderá vir a ser um governo Dilma? Talvez nada sintetize melhor este caso do que um diálogo reproduzido ontem no "Contraponto", o epílogo galhofeiro do "Painel" da Folha de S. Paulo. Informa-se ali que os deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e André Vargas (PT-PR) se divertiram com a celeuma do programa radical. O peemedebista ironizou: "Só fizemos aliança com o PT por saber que vocês nunca iriam cumprir aquele programa...". Respondeu-lhe, rindo, o petista: "Olha... se cuida, porque falando desse jeito você nunca vai virar ministro da Dilma!". Noutras palavras: o programa originalmente apresentado, extraído de um documento oficial do PT e aprovado em Congresso do partido, não apenas não merece ser levado a sério; ele também seria infactível num presidencialismo.
Esse documento, assim como muitos outros produzidos pelo PT ao longo de sua história, são repletos de propostas e divisas radicais, as quais jamais são levadas a cabo quando o partido chega ao poder. Para comprovar isto, basta observar o quanto as administrações petistas nos três níveis federativos se distanciaram das propostas aprovadas pelo partido. Há duas razões para isto. A primeira decorre de que a produção de tal discurso cruento se presta à finalidade de alimentar devaneios ideológicos da militância. É discurso "de mentirinha", de efeitos mais lúdicos que políticos, no qual crêem apenas os tolos (no partido) e os desavisados (fora dele). Simplesmente não o levam a sério as altas lideranças partidárias, que são aquelas que depois assumem postos no governo. Tais lideranças não apenas são mais moderadas que os militantes, mas são também sabedoras da infactibilidade de propostas radicais.
A segunda razão para que o discurso "de mentirinha" não seja concretizado é o fato de que vivemos num presidencialismo de coalizão - como fica claro na anedota relatada pelo "Contraponto". Ou seja, o PMDB se aliou ao PT não apenas porque sabia que o programa era de mentirinha, mas também porque sabia que o partido de Dilma jamais teria como levar a cabo tais propostas pelo mero fato de que dependerá dos demais partidos de sua coalizão para implementar quaisquer decisões que requeiram apoio do Congresso. E podem ser freadas inclusive medidas que não dependam diretamente da aprovação do Legislativo para serem implementadas, pois como o Executivo depende de uma maioria legislativa para levar adiante boa parte de sua agenda, sofrerá retaliações em votações importantes caso insatisfaça essa maioria com medidas intoleráveis tomadas no âmbito de sua alçada decisória.
O efeito politicamente mais deletério desse discurso afeta principalmente o PT, que afugenta eleitores. Além disto, volta e meia algum membro ideologicamente mais empolgado que ocupa um cargo importante resolve dar vazão às fantasias e tenta converter o discurso "de mentirinha" em proposta oficial. A tendência de tais proposições é causarem muito ruído e prejuízo para, logo depois, serem desautorizadas por quem realmente manda. Foi assim, ainda durante o período de José Dirceu no governo, quando alguém teve a mirabolante idéia de propor uma cooperação técnica entre a Abin e o serviço secreto cubano. Novamente a invectiva aconteceu por ocasião do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), consideravelmente desidratado depois pelo Presidente da República. E parece ter sido novamente este o caso agora - só que envolvendo a candidatura governista, e não o governo.
Curiosamente, as lideranças petistas parecem padecer do sério mal de assinar sem ler e, depois, terem de apagar incêndios - alguns irremediáveis. Foi assim com Lula, na assinatura da polêmica proposta do PNDH; com José Genoíno, assinando os contratos de empréstimo com Marcos Valério (este o irremediável); e parece ser novamente agora o caso com Dilma, ao rubricar todas as folhas da versão "errada" do programa de governo. É compreensível que lideranças muito ocupadas confiem em seus assessores quando estes lhes levam algo para assinar, mas não é aceitável que os assessores escolhidos sejam tão incompetentes - ou tão malandros. A seguir nesta toada, logo as altas lideranças petistas precisarão de mais um assessor, de confiança estrita e pessoal, similar àqueles antigos provadores do rei, que degustavam parte de sua comida para evitar envenenamento. Só que o novo assessor, em vez de comer do rei, livrando-o da morte, lerá antes que o líder assine, livrando-o do opróbrio.
Afora isto, vale destacar, é de um ingênuo e bizarro formalismo burocrático essa regra que exige dos candidatos que registrem proposta de governo. Certamente não será isto que os eventuais eleitos implementarão, e nem aquilo a que os eleitores dirigirão sua atenção para decidir o voto. Não à toa, José Serra optou por encaminhar apenas a transcrição de dois discursos. Trata-se de norma sem qualquer serventia, assim como a diretriz mais grave, que obriga os "pré-candidatos" a fingirem durante meses que não são realmente candidatos, embora já estejam em campanha aberta. Seria bem-vinda uma reforma da lei que nos livrasse do peso morto de normas eleitorais que nada mais fazem senão institucionalizar o fingimento.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.
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