• A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato , mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha a ver com isso
Correio Braziliense
“Jornalista não é notícia”, diz um velho jargão das redações. Quando isso acontece, geralmente a vítima costuma ser o próprio. É caso do ex-ministro-chefe da Comunicação Social Thomas Traumann, que ontem pediu demissão do governo. Em nota oficial, o Palácio do Planalto “agradeceu” a participação do jornalista que entrou no governo como assessor do ex-chefe da Casa Civil Antônio Palocci e acabou sucedendo no cargo a sua chefe imediata, Helena Chagas, depois de cair nas graças da presidente Dilma Rousseff por despachar com ela todo dia.
Traumann é o segundo ministro a pegar o boné em menos de uma semana. O outro foi Cid Gomes, que era o titular da Educação e desembarcou em grande estilo, espinafrando a base do governo em plena Câmara, à qual fora convocado para esclarecer em plenário porque havia dito que na Casa há “300, 400 achacadores”. Traumann deixou o Palácio do Planalto cantarolando no Twitter o samba Novos rumos, de Paulinho da Viola: “Todos os anos vividos/ São portos perdidos que eu deixo pra trás;/Quero viver diferente,/ Que a sorte da gente /É a gente que faz”.
O jornalista assumiu o cargo em janeiro de 2014. Desde 2012, porém, atuava como porta-voz da Presidência. Caiu porque vazaram um documento reservado de sua lavra no qual admitia que a comunicação do governo fora “errada e errática”, mas avaliava que “a crise é maior do que isso”. O documento dizia também que os “eleitores de Dilma e Lula estão acomodados brigando com o celular na mão, enquanto a oposição bate panela, distribui mensagens pelo WhatsApp e veste camisa verde-amarela”.
“Furo” do jornal O Estado de S. Paulo, o texto gerou grande polêmica e atiçou a oposição, que pretendia convocar o ministro para dar esclarecimentos ao Senado. Dividido em três partes — onde estamos, como chegamos até aqui e como virar o jogo? —, propôs que a presidente Dilma Rousseff se exponha mais, o que está sendo feito à risca, em vez de mergulhar e escalar um ministro forte como porta-voz, como fazem os políticos matreiros nas crises bravas.
“É preciso que a PR fale mais, explique, se exponha mais, seja nos quebra-queixos pós-eventos, seja respondendo ouvintes da Voz do Brasil (20 milhões de ouvintes), seja com a mídia tradicional (TV aberta, de preferência), seja com a volta das entrevistas por Facebook. Não importa quantos panelaços eles façam” — preconizava na semana seguinte às manifestações de 15 de março.
O mais grave, porém, foi defender o aparelhamento dos meios de comunicação sob controle estatal, o que já vinha acontecendo, por meio da consolidação de “um núcleo de comunicação estatal, juntando numa mesma coordenação a Voz do Brasil, as páginas de sites, Twitter e Facebook de todos os ministérios, o Facebook da Dilma e a Agência Brasil”. Sugeriu ainda que a publicidade oficial em 2015 fosse focada em SãoPaulo, reforçando as parcerias com a prefeitura: “Não há como recuperar a imagem do governo Dilma em São Paulo sem ajudar a levantar a popularidade do Haddad”.
O ex-ministro da Comunicação Social concluiu o documento com uma citação do rei dom José, que após o terremoto de Lisboa (1755) perguntou ao marquês de Alorna o que podia ser feito. Ele respondeu: “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos”. Quem “morreu” no terremoto que abala o governo Dilma foi Traumann, que desejava voltar para o Rio de Janeiro e pleiteava a condição de gerente de comunicação da Petrobras, cargo que agora subiu no telhado. Foi abatido pelo fogo amigo dos petistas que miram o controle das verbas de publicidade do governo. Dilma ficou possessa com a história.
O grande “mordomo” da caso é o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, sob cuja pasta a cúpula do PT gostaria que o orçamento de publicidade ficasse sob controle. Mas é bem possível que vazamento do documento, que fulminou Traumann, tenha ocorrido na cozinha da própria Secretaria de Comunicação da Presidência. O próprio documento é coisa de quem já não tem acesso ou liberdade para conversar com a presidente da República.
Estão cotados para substituí-lo no posto os jornalistas Kennedy Alencar, que foi assessor de Lula e hoje é comentarista da CBN, e Paulo Moreira Leite, ex-diretor da Isto É em Brasília, apresentador da TV Brasil e colunista do jornal digital Brasil 247. Correm por fora o novo diretor-geral da EBC, Américo Martins, o deputado federal Alexandre Molon (PT-RJ), ligado ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o assessor de imprensa Olímpio Cruz Neto, que hoje acompanha Dilma nas viagens.
A saída de Traumann, o terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato — o primeiro foi Marcelo Nery, substituído por Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos —, mostra que o governo está se autodissolvendo, como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha nada a ver com isso.
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