- O Estado de S. Paulo
Michel Temer quer ter legitimidade como presidente. Parece que só pensa nisso. Age como titular, mas sofre como interino. Pois assim é tratado pelos pares daqui e de acolá. A formalidade, que tanto preza, obriga o silêncio diplomático. Como resultado, é formalmente ignorado. Não visita nem recebe chefes de Estado no palácio. Nem sequer tem conversações formais com presidentes, pelo menos que possam ser divulgadas (e é isso que interessa).
Resta-lhe sonhar com seu début internacional, com sua primavera presidencial. Quando setembro chegar, pretende ir à China – e lá fazer negócios proverbiais: vender bifes e aviões. Quem sabe o que mais? Passear por palácios milenares? Passar tropas em revista? Jantar pato laqueado? Posar para câmeras internacionais apertando a mão do governante de uma potência mundial como se fossem iguais? Quimeras, fantasias. Até lá, a realidade é dura.
Enquanto setembro não chega, Temer tem que receber pessoalmente Eduardo Cunha e achar bacana. Tem que esperar ministro pego com a boca na botija pedir demissão porque não tem autonomia nem para demiti-lo. Tem que nomear quem lhe encomendam sem reclamar – e não nomear substitutos para os ex-ministros porque eles ainda acalentam a esperança de voltar. E dar aumentos, e liberar verbas, e bajular senadores e adular governadores. Às pencas.
Tudo isso tem um preço, imediato e futuro. Este ano, o buraco é de R$ 170 bilhões (em grande profundidade, reconheça-se, cavado por Dilma Rousseff). No ano que vem, outro tanto – e aí cavoucado por sua própria caneta. Ajuste fiscal? Equilíbrio orçamentário? Medidas impopulares? Um dia, talvez, quem sabe? O calendário incerto de Temer explica o discurso evasivo. Subjaz a questão: como exigir de mim, um interino, a força de um titular?
Daí se empenhar tanto pela condenação e o impedimento de Dilma pelo Senado. A partir de então, Temer crê que se livrará não só do epíteto de vice como poderá usufruir de toda pompa e circunstância que a interinidade lhe nega. Um futuro em que passará a conviver diariamente com as emas do suntuoso Palácio do Alvorada e deixará para trás as memórias de Jaburu.
Enquanto setembro não chega, as políticas públicas têm seu destino ditado por balões que voam, ascendem e caem segundo os ventos da opinião pública, do Congresso e, principalmente, dos lobbies privados. Hoje tem volta da CPMF, amanhã nem pensar. Hoje tem retorno da Cide, amanhã não é bem assim. Entre acender a mecha do balão e sua boca arrebentar, muita gente ganha e perde dinheiro. É combustível para a especulação.
Ontem, quarta-feira, diante dos boatos de volta da taxação da gasolina (Cide), disparou a demanda por álcool nas usinas – porque os distribuidores previram que seu preço iria aumentar. Alguém sabia algo que outros não sabiam, ou fez crer que sabia.
Enquanto setembro não chega, Temer vê seus ministros agirem como titulares, sem as amarras da interinidade que o tolhem. Henrique Meirelles, o donatário da Fazenda, se antecipará ao chefe na China em quase dois meses. Vai para lá em julho, representar o Brasil na reunião do G-20 e discutir o banco dos emergentes. José Serra faz e acontece nas negociações sobre o comando do Mercosul e ainda leva Fernando Henrique Cardoso a tiracolo.
Enquanto setembro não chega, Temer terá um momento de titular, porém. Será às 20h do dia 5 de agosto, no estádio do Maracanã. Dividirá a tribuna presidencial com as autoridades do Comitê Olímpico Internacional durante a abertura dos Jogos. Ao seu lado, além de toda a entourage do Executivo, Legislativo e Judiciário, o governo espera reunir até 60 chefes de Estado. Abaixo dele, na tribuna de honra, Dilma deve marcar presença.
Será a maior exposição internacional de Temer – e seu maior teste de popularidade ao vivo. Nem sempre é bom ser titular.
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