• Comentários sobre a Selic foram uma derrapada a evitar
-Valor Econômico
A uma semana do fim do recesso parlamentar, o presidente interino Michel Temer aguarda o retorno de deputados e senadores à capital federal com uma tática nas mãos para reunir o apoio necessário à aprovação dos projetos considerados essenciais pelo Executivo.
Temer demonstrou força na eleição para presidente da Câmara dos Deputados, assim como está vencendo a batalha pelo impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff e, apesar de alguns sobressaltos, vem abrindo caminho para a tramitação de reformas e de um ajuste fiscal. Os articuladores políticos do governo reconhecem, porém, que não bastará a liberação de recursos orçamentários ou cargos para integrantes da base aliada.
O que as autoridades do Palácio do Planalto passaram a garantir aos seus interlocutores é que o Congresso terá "protagonismo" no processo voltado a colocar um fim à crise econômica que o país enfrenta. Temer, assim, sinaliza estar disposto a compartilhar os méritos do eventual sucesso de sua administração com os demais agentes políticos que exercem o poder. Mas quer também parceiros para enfrentar os desafios que se colocarão, caso o afastamento de Dilma se torne definitivo, com a produção de uma "pauta de unidade nacional" em conjunto com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
Em tempos de Lava-Jato, panelaços, manifestações e descrédito generalizado da classe política, o Palácio do Planalto oferece a seus aliados um discurso positivo a sustentar, num momento em que deputados e senadores terão que encarar eleições municipais e precisarão preparar terreno para o pleito de 2018. Assim, com a recuperação do emprego como mote central da nova propaganda oficial, os aliados do Planalto poderão se apresentar em seus redutos como sócios de um projeto de recuperação nacional.
Mas, se esse papel poderá render frutos aos que estiverem dispostos a desempenhá-lo, também trará alguns ônus a curto prazo. Em sua estratégia, o pemedebista visa compartilhar a responsabilidade de levar adiante medidas que certamente enfrentarão resistências.
Mais um subproduto almejado pelo plano palaciano é um efeito positivo na dinâmica de funcionamento do governo, o qual conta com alguns aspirantes à Presidência da República e não pode correr o risco de ter seu projeto implodido devido a embates internos. Ou seja: se até mesmo o presidente da República está disposto a dividir o reconhecimento de eventuais sucessos com o Congresso ou outras instituições, acreditam os estrategistas do Planalto, haverá menos espaço para disputas pela paternidade das medidas eventualmente responsáveis por tirar o país da crise.
O governo espera colher outro fruto ao elevar o patamar das suas relações com o Parlamento. Crê, por exemplo, que conseguirá diminuir o número de jabutis aprovados no Congresso - emendas que não têm relação direta com medidas provisórias ou projetos em tramitação e frequentemente geram impactos negativos nas contas públicas.
Para os articuladores de Temer, os jabutis eram resultado direto da aversão de Dilma aos políticos. A petista, argumentam, não confiava no Congresso, tomava decisões solitárias e, como consequência, editava medidas provisórias que não eram bem recebidas pelos parlamentares. Como não conseguiam influenciar a própria pauta do Congresso, deputados aproveitavam para pegar carona e deformavam as MPs, que têm um rito de tramitação mais acelerado. Era o preço que Dilma pagava por não negociar previamente o conteúdo dos projetos e não contar com uma base sólida. Depois, a presidente responsabilizava os congressistas pelas "pautas-bomba" e mantinha a mesma forma de governar.
A nova administração no Planalto, no entanto, promete mais diálogo e um melhor horizonte à frente. Garante que lideranças dos partidos receberão todas as informações sobre o que o Executivo está trabalhando e terão canais para apresentar suas sugestões. Em contrapartida, espera que os parlamentares "aproveitem da melhor maneira possível" as propostas a serem enviadas para o Congresso. Em outras palavras: preservem seu conteúdo o máximo possível.
O movimento de Temer em relação ao Legislativo não é isolado. Faz parte de uma série de gestos coordenados de "reinstitucionalização" do país, nas palavras de seus auxiliares. Ele faz o mesmo com o Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pela análise da execução orçamentária e foco de tensão desde que reprovou as contas do governo Dilma referentes a 2014.
Conforme noticiou o Valor nos últimos dias, seus ministros intensificaram as visitas ao órgão auxiliar do Legislativo para saber se enfrentariam problemas ao manejar o Orçamento. O Planalto também decidiu procurar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para evitar críticas às concessões que estão sendo preparadas. Temer prestigiou os militares, ao reajustar soldos, restituir poderes aos comandantes e reincluir o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência entre os órgãos que contam com status de ministério.
Um gesto destoante, porém, foi a postura do governo em relação ao Banco Central. Em recentes entrevistas, o presidente interino afirmou esperar uma queda dos juros até o fim do ano. As declarações animaram representantes da ala política do governo, que também passaram a tratar do assunto, apesar da proximidade da reunião em que o Comitê de Política Monetária (Copom) acabou agindo como o esperado e manteve a Selic em 14,25% ao ano.
Declarações do tipo até poderiam ter como objetivo sinalizar ao setor produtivo seu compromisso em reaquecer a economia e melhorar a oferta de crédito nos próximos meses, mas o episódio não foi bem visto por algumas alas do Executivo e o pemedebista chegou até a divulgar nota para reiterar a "plena autonomia" do BC. No governo Dilma, em uma administração com viés declaradamente intervencionista ou numa gestão que não vive uma lua-de-mel com o mercado, o caso poderia ter desdobramentos mais danosos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário