• Faz sentido o objetivo do projeto, mas o momento e seu autor criam uma enorme suspeição
No jargão do Congresso, batizam-se de “jabutis” emendas feitas em projeto de lei ou medida provisória sobre até mesmo outros temas, para atender a interesses específicos de alguém ou grupos. A prática é, inclusive, motivo de investigações sobre um comércio de colocação de “jabutis” mediante pagamentos certamente régios. O ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, no momento preso pela Lava-Jato, é, por exemplo, acusado de ter operado nesse “mercado”.
Mas parece haver outro tipo de “jabuti”, avantajado, porque não se trata de emendas contrabandeadas para algum projeto. O próprio projeto é o “jabuti” que interessa a um grupo específico. No caso, a políticos atemorizados com a evolução da Lava-Jato e outras investigações de casos de corrupção.
O louvável objetivo do projeto de lei é punir “abusos de autoridade” cometidos por agentes públicos: servidores em geral, membros do Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e das polícias. Assinado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto, no entanto, seria uma retaliação do presidente do Senado e de seu grupo contra o Ministério Público Federal, pelo fato de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ter pedido ao Supremo a prisão dele, a do ex-presidente José Sarney e a do senador Romero Jucá (RR), devido a gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com eles, sobre como conter a Lava-Jato. O ministro da Corte Teori Zavascki rejeitou o pedido. Isso não impediu que passasse a ser inevitável relacionar qualquer ato de Renan contra procuradores, juízes, policiais etc. com maquinações de bastidores para a aprovação no Congresso de projetos que os barrem. O teor das gravações leva a isso.
Nas justificativas do projeto, Renan alega que a Lei 4.898, de 1965, sobre a questão, está defasada, e que precisa ser atualizada a partir da definição de direitos e garantias fundamentais definidas pela Constituição de 1988. Argumento forte. Porém, o momento para aprovar esta proposta não é adequado, mais ainda por levar a assinatura de alguém com processos em tramitação no Supremo. Configura-se um quadro de tamanho conflito de interesses que prejudica o próprio projeto — cujo objetivo é meritório, porque, de fato, há casos de demonstrações de soberba, arrogância e de abuso de poder no relacionamento de agentes públicos com a população, principalmente a grande maioria dela, a mais pobre. Mas esta iniciativa, queiram ou não, carrega marca bastante visível da suspeição, porque há políticos no Congresso, e fora dele, que desejam erguer obstáculos à Lava-Jato. Medidas tão drásticas como ações penais contra agentes do Judiciário, do MP e de polícias por parte de investigados precisam, também, ser discutidas de maneira profunda e serena.
Um dos evidentes alvos do projeto, o juiz Sérgio Moro, por exemplo, considera o projeto um ataque certeiro à magistratura. É necessário levá-lo em consideração.
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