No penúltimo dia útil de 2016, o presidente Michel Temer assinou a Medida Provisória 765, que realizou a recomposição salarial de oito categorias de servidores federais e criou bônus de produtividade e eficiência para os auditores fiscais e analistas tributários da Receita Federal e para os auditores fiscais do Trabalho, entre outras medidas. O objetivo dos bônus é incrementar a produtividade dos servidores que atuam diretamente na área da arrecadação federal. Com a MP, segundo foi explicado, o governo concluiu as negociações com os servidores que foram iniciadas ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
Aparentemente, é apenas um ato administrativo, sem maior relevância, mesmo porque, como informa a exposição de motivos da MP, "as reestruturações remuneratórias propostas foram consideradas no rol de autorizações específicas do Anexo V do projeto de lei orçamentária para 2017". Dito de uma forma mais simples, os impactos financeiros já tinham disso incorporados à lei orçamentária.
A avaliação muda depois da leitura da Medida Provisória e de sua exposição de motivos. Os aumentos salariais das categorias beneficiadas pela "recomposição remuneratória" chegam a incríveis 53%. Mas esse exagero, descabido diante da situação fiscal em que a União se encontra, não foi, como pode parecer à primeira vista, a decisão mais surpreendente do governo. A MP permitiu que o bônus de produtividade e eficiência, que foi criado, já fosse concedido a partir do mês de dezembro do ano passado, "a título de antecipação de cumprimento de metas".
Por causa do bônus, os auditores fiscais da Receita e os auditores fiscais do Trabalho receberam R$ 7,5 mil em dezembro e irão receber o mesmo valor em janeiro. A partir de fevereiro, receberão R$ 3 mil até que seja definida a metodologia de mensuração da produtividade, com os novos valores do bônus. Os analistas tributários, por sua vez, receberam R$ 4,5 mil em dezembro e ganharão o mesmo valor em janeiro. A partir de fevereiro, receberão R$ 1,8 mil até que seja definido o novo valor do bônus.
Mas, de novo, não se espere que esta tenha sido a decisão mais surpreendente. O mais impressionante virá a seguir. O bônus de produtividade e eficiência foi estendido pela MP aos auditores fiscais e analistas tributários aposentados e aos pensionistas. Ou seja, até mesmo aquelas pessoas que se aposentaram há 20 anos ou mais irão receber o bônus, como remuneração de sua produtividade. Também será concedido aos pensionistas daqueles servidores que já faleceram.
Em defesa da extensão do bônus aos aposentados e pensionistas, a Receita Federal informou ao Valor que "também os servidores inativos da advocacia pública federal (AGU, PGFN e outros) recebem honorários sucumbenciais ainda que estejam na inatividade". É preocupante que uma categoria de servidores reivindique um benefício tendo como argumento o fato de que outra categoria já foi contemplada. Se a lógica for essa, é de se esperar que as demais categorias reivindiquem o privilégio já.
Um governo que dá aumentos de até 53% e cria bônus de produtividade que beneficia servidores aposentados e pensionistas dificilmente terá força para exigir que governadores e prefeitos congelem os salários de seus servidores, cortem cargos comissionados, não concedam mais incentivos fiscais. Estas eram algumas das contrapartidas que seriam exigidas dos Estados em troca da redução da prestação mensal que pagam ao Tesouro e da ampliação do prazo de pagamento das dívidas que foram novamente renegociadas pela União. As contrapartidas foram indevidamente eliminadas pelos deputados, quando o projeto foi votado na Câmara.
É igualmente difícil querer aprovar a dura e correta proposta de reforma da Previdência Social, quando o governo que a elaborou edita uma medida provisória concedendo privilégio descabido a aposentados e pensionistas do regime previdenciário próprio dos servidores federais. Qual é a orientação, afinal? É trilhar o caminho da redução de privilégios ou aumentar a lista das distorções?
Este é um país de trabalhadores de primeira e segunda categoria, que permite às corporações de servidores continuar controlando o Estado segundo seus interesses. O presidente Michel Temer já deu sinais, em discursos, de que não deseja perenizar a situação, mas o governo não demonstrou, na prática, a intenção de mudar o quadro de privilégios que é um dos pilares da iníqua desigualdade de renda no Brasil.
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