São incertas, mas não diminutas, as possibilidades de que a Câmara dos Deputados venha a aprovar uma proposta de reforma política cujos poucos pontos positivos não compensam o que traz de equivocado e de oportunista.
Consolidado por pequena maioria de votos em uma comissão especial daquela Casa, o relatório originalmente produzido pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) sugere mudanças constitucionais de relativa monta, sem entretanto resolver os aspectos mais nocivos do atual sistema.
O ponto principal do texto –ao menos no que diz respeito aos interesses dos próprios políticos– é a criação de um fundo público para custear as campanhas eleitorais.
Orçado em R$ 3,6 bilhões, viria a somar-se às verbas já existentes do fundo partidário (R$ 819 milhões neste ano) e aos valores que, por meio de renúncia fiscal, são destinados ao pagamento do tempo de propaganda no rádio e na TV, indevidamente conhecido como "horário eleitoral gratuito".
Num país que passa por notórias e gravíssimas dificuldades no prosseguimento de programas sociais e de investimento, a ideia de multiplicar as verbas à disposição das máquinas partidárias só pode ser recebida com repúdio.
Compreende-se, por certo, que uma democracia moderna não funciona sem acarretar elevados custos à sociedade. Até recentemente, os recursos destinados às candidaturas provinham, em maior medida, das doações –legais ou não– de grandes financiadores privados, como empreiteiras.
As distorções desse sistema se revelaram à luz do dia, tendo inspirado resolução do Supremo Tribunal Federal proibindo participação financeira de pessoa jurídica nas arrecadações partidárias.
A presença de doadores corporativos na vida política não tem, todavia, por que ser considerada indesejável. Faltaria, sobretudo, uma regulamentação capaz de evitar os abusos que, evidentemente, se produziram até agora.
Um limite severo para as contribuições de cada empresa, em particular, reduziria de modo considerável os riscos da concentração e do abuso do poder econômico.
Na outra ponta do processo, regras mais austeras quanto aos gastos permitidos em campanha tenderiam a diminuir os desequilíbrios entre candidaturas e sua necessidade crescente de recursos.
Em vez disso, optou-se pelo caminho de cobrar o cidadão pela propaganda que lhe é impingida.
Este se revela, sem dúvida, um objetivo central da reforma política em debate. Outro, decerto, é preservar as chances de reeleição dos atuais parlamentares.
Um segundo ponto de importância no relatório a ser votado na Câmara é o chamado distritão , projeto caro ao presidente Michel Temer e a seu PMDB. O novo sistema é apresentado como passo preparatório para a adoção do voto distrital misto, prometida para 2022.
As alegadas vantagens do distritão, se comparado à prática atual, seriam basicamente a de sua simplicidade e transparência. Prevaleceria o princípio de que, nas eleições para cargos proporcionais, saem vencedores os candidatos mais sufragados, eliminando-se a transferência de votos dentro de cada partido ou coligação.
Como se sabe, no sistema vigente é comum que um candidato especialmente popular obtenha muito mais votos dos que os necessários para vencer; as "sobras" de sua votação se reorientam, desse modo, para seus demais companheiros de chapa, por vezes incapazes de atrair, por si mesmos, mais do que algumas centenas de eleitores.
Impedindo a eleição de candidatos com baixíssima representatividade, o que é correto, o distritão incorre no exagero oposto –personaliza ao extremo as candidaturas –com vantagem para os nomes conhecidos pelo público–em detrimento dos partidos, já demasiado frágeis no país.
O voto distrital misto –pelo qual o eleitor escolhe um candidato de seu distrito e outro de uma lista aberta em seu Estado– seria o sistema capaz de reequilibrar as exigências da proporcionalidade e da clareza na representação política.
Ainda que de viabilização técnica relativamente complexa, não haveria motivos para imaginar uma etapa intermediária antes de aprová-lo, no mais tardar, para as eleições gerais de 2022.
Ao mesmo tempo, duas propostas corretas em tramitação –a da cláusula de barreira para partidos de baixa expressão e o fim das coligações nos pleitos proporcionais– já contribuiriam para os objetivos visados com o distritão.
É positivo, sem dúvida, que o debate tenha avançado no Congresso, e que alguma disposição para corrigir um sistema notoriamente disfuncional se verifique. Mas o relatório da reforma política a ser examinado na Câmara se mostra inadequado para esse fim.
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