Se a longa crise política e econômica fez retroceder o otimismo quanto às perspectivas do desenvolvimento brasileiro, também sofre duro golpe a crença no que se considerava uma das conquistas mais preciosas deste início de século –a redução expressiva da vergonhosa desigualdade social do país.
Estudos mais recentes , que ampliam o escopo dos dados analisados, põem em xeque a afirmação, particularmente cara às administrações petistas, de que a distância entre ricos e pobres encurtou no período da expansão acelerada da economia e dos programas de assistência social.
De início, é preciso esclarecer do que se está falando. Não resta dúvida de que os ganhos de todos os estratos aumentaram nos anos de bonança. Entretanto acreditava-se que a base da pirâmide social, e não o topo , havia se apropriado da maior parte da renda gerada.
Agora, há sinais convincentes de que a fatia dos mais abonados no Produto Interno Bruto é muito maior do que se calculava –e, pior, parece ter crescido.
Como se pode chegar a conclusões tão discrepantes, opostas mesmo, em tema que tanto mobiliza os mundos acadêmico e político?
Apenas parte da resposta está na propaganda obstinada dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, aos quais era vital demonstrar que a esquerda no poder fazia a sempre prometida distribuição da riqueza nacional.
Tal retórica amparava-se, porém, em números concretos. As medições de então verificavam a evolução do rendimento habitual declarado pelos entrevistados nas pesquisas periódicas, por amostragem, realizadas pelo IBGE.
Com base em tal procedimento, aceito em todo o mundo, estimou-se que a participação dos 10% mais ricos na renda total brasileira havia caído de 47,4%, em 2001, para 40,9% em 2014.
No entanto essa metodologia tende a subestimar os valores recebidos pelos estratos sociais mais elevados –em especial, daqueles que dispõem não apenas dos frutos do trabalho mas também do capital (aluguéis, juros, dividendos).
Remunerações do gênero muitas vezes não são informadas aos pesquisadores por razões diferentes, incluindo o mero desconhecimento das cifras precisas.
Para sanar a deficiência, tem se tornado mais frequente o uso de dados informados nas declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas. O expediente, que envolve algumas dificuldades de ordem técnica, mostra resultados espantosos –e não no bom sentido.
Um trabalho publicado em 2016 pelo pesquisador Pedro Souza , por exemplo, concluiu que a renda apropriada pelos 15% mais afluentes ficou de estável a ligeiramente maior entre 2006 e 2013.
Agora, um estudo de Marc Morgan, do World Wealth and Income Database (instituto codirigido pelo economista Thomas Piketty) apresenta um levantamento mais extenso. Nele se aponta que os 10% mais ricos da população ficaram com descomunais 54,3% da renda gerada em 2001 e 55,3% em 2015.
A estatística, ainda que não possa ser tomada como definitiva, é plausível o bastante para produzir uma frustração que transcende em muito as querelas partidárias. Está em jogo, afinal, um dos objetivos centrais da redemocratização e do texto constitucional de 1988.
De mais favorável, pode-se dizer que a distribuição dos rendimentos do trabalho de fato melhorou a partir da década passada.
A desigualdade entre os 90% da base da pirâmide baixou por influência dos reajustes do salário mínimo, da expansão do acesso ao ensino e da redução de iniquidades entre homens e mulheres, negros e brancos, campo e cidade.
Programas como o Bolsa Família decerto tiveram papel relevante em reduzir a miséria, mas efeito minúsculo na divisão total do PIB.
A fim de dar conta do desafio, será necessário investimento certeiro na infraestrutura econômica das regiões mais carentes, de forma a integrar amplas camadas de sua população ao mercado. Fundamentais para tanto serão a melhora de qualidade e a expansão do ensino em todos os níveis.
Impõe-se o combate aoacesso privilegiado da elite a recursos públicos , do crédito subsidiado até as benesses da alta burocracia, incluindo salários e aposentadorias.
É evidente, por fim, que renda e patrimônio são pouco tributados no Brasil, onde a carga de impostos se concentra em demasia no consumo de bens e serviços. O debate em torno de uma taxação mais progressiva ainda não alcançou a dimensão e a seriedade que merece.
Parecemos fadados a uma revisão da história recente de nossas mazelas econômicas e sociais. Com enorme atraso, constatamos que ainda sabemos pouco a respeito da desigualdade que é marca do país desde seus primórdios.
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