O tráfico de drogas é uma praga nacional, mas é no Rio de Janeiro onde as facções criminosas mais têm desafiado e feito progressos contra o poder do Estado. Pelas dimensões que atingiu e pelas ameaças que representam ao bem-estar público, é urgente retirar o controle do narcotráfico sobre territórios e comunidades. O Rio precisa de ajuda federal coordenada e permanente. Esse desafio não será vencido só com armas.
Condições políticas e econômicas propiciaram o reaparecimento ruidoso das facções nos morros cariocas. Uma briga de gangues por controle de mercado escancarou o que já era sabido desde que a Unidade Pacificadoras (UPPs) começaram a definhar - o governo do Rio perdeu o controle da situação. A nova onda de violência está conseguindo o impensável, que é mudar a rotina dos cariocas - de todos, pois os que moram nas comunidades são infernizados em tempo integral por marginais há muito tempo - e espalhar caos e balas por toda a cidade.
O Rio tem papel central no mapa das drogas, o que dá às facções recursos financeiros e bélicos que parecem inesgotáveis. A falência do Estado fluminense permite supor que hoje os traficantes estão mais bem equipados do que a própria polícia. E, em um toque surreal, os principais movimentos desestabilizadores da paz pública são comandados por bandidos que estão sob a tutela do Estado, atrás das grades.
A escalada de terror é fruto da derrocada das UPPs, uma das mais sérias tentativas de enfrentar o reinado absoluto dos traficantes nas comunidades. Os primeiros resultados foram estusiasmantes e ratificaram as convicções de que, para encarar a sério essa tarefa, a polícia deveria ser a primeira a ir às comunidades - o que foi feito. Mas o segundo passo, vital, era que o Estado também subisse os morros, levando a eles serviços públicos de que historicamente carecem - saúde, educação, segurança. Isso não ocorreu e destruiu qualquer propensão à eficácia que o bem arquitetado plano pudesse ter.
A corrupção foi grande aliada do narcotráfico e suas gangues. A política predatória de vários governos, anos a fio, culminando na roubalheira sistemática e compulsiva de Sérgio Cabral (PMDB), desviou recursos vultosos que poderiam sustentar programas sociais, entre eles as UPPs. Quando o preço do petróleo batia recordes e os royalties abundavam, a malversação de recursos uniu-se à incompetência: o governo fluminense ampliou gastos permanentes com base em receitas que poderiam desaparecer de uma hora para outra. Na fartura, a falta que os recursos desviados roubados poderiam fazer no futuro não apareciam. Com a longa e severa recessão e a Operação Lava-Jato, tornaram-se visíveis o assalto frenético às verbas públicas, por quem deveria bem geri-las, e a deterioração da infraestrutura de hospitais, escolas etc.
A União fez acordo com o Rio, depois da relutância fluminense em aceitar as medidas de ajuste necessárias, e isso permitirá colocar os salários dos funcionários em dia - inclusive os dos policiais, obviamente desmotivados. Esse apoio de emergência foi importante, e dada a falência do Rio, inevitável. No limite, isto dará alguma capacidade de o Estado recuperar sua capacidade de iniciativa de combate às facções. A participação das Forças Armadas foi outro expediente necessário, cuja repetição não oculta sua relativa precariedade e ineficiência. Com a saída dos soldados, o espaço deixado volta a ser um território dominado pelos traficantes. As escaramuças da Secretaria de Segurança do Rio com o Ministério da Defesa e o Exército deram o tom patético à tragédia.
Às facções não interessa combater frontalmente o Exército, cuja presença garante trégua provisória, se tanto. É preciso criar uma força-tarefa para apertar o cerco aos traficantes com serviços de inteligência, estrangular as fontes de financiamento do comércio das drogas, impedir que gangues controlem a vida de comunidades. Um plano de obras públicas nas zonas carentes, que sustente e resgate as UPPs, precisa ser concebido e executado. É um intento a longo prazo, a ser perseguido com paciência e determinação. Com o país saindo da recessão, os recursos, hoje escassos, reaparecerão, e é vital que sejam destinados ao que é prioritário. É preciso que a segurança tenha um fluxo ininterrupto de recursos e o concurso dos melhores especialistas do país na área. Não é pouco o que está em jogo.
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