O presidente da República, Michel Temer, se livrou finalmente, cinco meses depois das estranhas conversas no Jaburu com o empresário Joesley Batista, das duas denúncias da Procuradoria Geral contra ele e pode agora voltar a governar. A dúvida agora é saber o que isso significa. Seu já baixo prestígio foi corroído ao longo de duas votações na Câmara dos Deputados, para as quais mobilizou intensamente emendas de parlamentares e vantagens para grupos de pressão, em especial o dos ruralistas. Na quarta, Temer não arregimentou sequer a metade dos deputados a seu favor e conseguiu arquivar a denúncia por um placar de 251 votos a 233.
A dispersão do apoio político ao Planalto é grande e permite entrever tendências opostas. Em um cenário factível, embora improvável, o presidente caminha para a "sarneyzação", estado terminal de dependência do Congresso em que propostas políticas próprias têm escassas chances de sucesso. Nesse caso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, comandará a agenda política do país e a Temer restará ficar resmungando pelos cantos do Palácio do Planalto até entregar a faixa presidencial em janeiro de 2019.
A julgar pelas votações no Congresso, no entanto, há mais simbiose que oposição das bancadas governistas com o Planalto. As legendas do Centrão tendem a acompanhar sempre, e em primeiro lugar, quem tem o poder de decisão - no caso, o PMDB e Temer. Um movimento mais contundente contra o governo poderá ocorrer se um forte polo eleitoral aglutinador surgir claramente no horizonte. Ele não existe hoje e provavelmente não existirá até perto do pleito.
Da mesma forma, há escaramuças e disputas de espaços de poder, mas não oposição de fundo entre Temer e Rodrigo Maia. O presidente da Câmara pode criar, e já criou, dificuldades para o Planalto, mas até agora nunca evitou a composição. A nuvem de fumaça sobre antagonismo de ambos para disputar quem tem a primazia na condução da agenda política tem tudo para se dissipar. Basta cotejar as reformas a que ambos querem dar prioridade para ver que, se não são idênticas, são muito parecidas.
O calendário eleitoral se acelera a partir de agora e ditará o relacionamento das forças políticas com o Planalto. Se a situação da economia melhorar consistentemente, o desprestigiado núcleo político de Temer pode influir na escolha de um sucessor amparado pelo PMDB e algumas legendas do centrão. Até há pouco, o DEM estava com um pé junto a seus parceiros do PSDB e outro junto ao PMDB. Maia manteve conversas com o tucano João Doria, assim como Temer. O entusiasmo de ambos deve ter se arrefecido recentemente, com a perda de cacife eleitoral de Doria. Meirelles poderia unir ambos, mais o PSD de Kassab, tendo como âncora a melhoria da economia e como cabo eleitoral a blindagem parcial de sua equipe às demandas fisiológicas.
O PSDB caminha para ter o Geraldo Alckmin como candidato e a maior parte da bancada tucana, que votou a favor da denúncia contra Temer, pode em breve se distanciar dele. O DEM mantém a porta aberta aos tucanos. A incerteza eleitoral é a raiz da ambiguidade de Maia. Comandar a agenda marcará em tese independência de um presidente impopular e lhe dará visibilidade, sem no entanto exigir rompimento com Temer, cuja proposta econômica é bem semelhante à sua.
A indefinição de candidaturas viáveis e competitivas, assim, pode levar águas distintas para o mesmo moinho das reformas. Não há muito tempo hábil para isso. É possível que um último esforço para aprovar mudanças parciais na Previdência possa ser bem-sucedido. O problema aí não será tanto a Câmara, mas o Senado. Eunício Oliveira (PMDB-CE), abriu suas baterias contra essa reforma ontem, qualificando-a de inoportuna e contrária à sociedade brasileira. Se a prioridade for a Previdência, o que é correto, haverá de escolher entre temas constantes de 9 MPs que perdem validade até o fim de novembro, como apontou o Valor na edição de ontem.
No terreno das possibilidades encontram-se uma simplificação de tributos, nova regulamentação do setor elétrico e privatizações de aeroportos e da Eletrobras. Isto é, sem a sombra imediata da Justiça a lhe perseguir, e sem uma oposição forte, Temer tem instrumentos para aprovar nos 14 meses que lhe faltam parte das reformas necessárias e da agenda microeconômica que estava em andamento. Sem grandes expectativas, é possível romper a paralisia.
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