Em julgamentos recentes se evidenciou divergência ideológica entre membros da mais alta Corte do país
Carolina Brígido e Eduardo Bresciani | O Globo
BRASÍLIA - Os julgamentos polêmicos recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) revelaram que a mais alta Corte do país está hoje dividida, em especial quando se trata de temas políticos e criminais. Existe uma clara cisão ideológica no plenário — o que resulta, muitas vezes, em discussões ásperas entre os ministros, além de votos longos pontuados por apartes dos colegas. O último exemplo foi visto na sessão de quarta-feira, quando o STF levou mais de dez horas para decidir se o afastamento de parlamentares do mandato teria que passar pelo crivo do Congresso Nacional. Ao fim do julgamento, houve inclusive dificuldade em proclamar o resultado, tamanha era a diferença de nuances entre os votos.
Não há dois times estanques no STF. Mas, quando a discussão é sobre Lava Jato ou outras questões criminais, os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso costumam se alinhar no sentido de manter prisões cautelares ou condenar investigados. Por outro lado, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello são costumeiros defensores da libertação de investigados ou da substituição de prisões cautelares por medidas mais brandas, como a prisão domiciliar. A presidente Cármen Lúcia e o decano Celso de Mello buscam fazer uma linha intermediária entre os dois grupos mais antagônicos nestes assuntos. Recém-chegado à Corte, Alexandre de Moraes se pronunciou em poucos processos deste tipo até o momento.
Um integrante do tribunal avalia que decisões muito apertadas, permeadas por discussões intensas, não são positivas, porque não conferem segurança jurídica ao pronunciamento da Corte. Isso porque, se apenas um ministro mudar de ideia no futuro, a decisão já será totalmente modificada. Os entendimentos do STF são importantes para direcionar as decisões de juízes de todo o país.
— Isso não é bom, não traz nenhuma segurança para ninguém — avalia o ministro da Corte.
Um caso emblemático foi quando o STF decidiu, no ano passado, que réus condenados por um tribunal de segunda instância poderiam começar a cumprir pena. A decisão foi tomada por seis votos a cinco e tem repercussão geral — ou seja, deve ser cumprida por juízes de todo o país, na análise específica de cada caso. No entanto, esse entendimento não está cristalizado nem no próprio STF.
Desde o julgamento, ministros mudaram de ideia e cogitam mudar o voto se o caso voltar à discussão em plenário. Gilmar Mendes, que votou pela execução da pena a partir da condenação em segunda instância, anunciou que mudaria o voto para que as prisões fossem determinadas com a confirmação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dando chance para que o condenado passe mais tempo em liberdade. Já Rosa Weber, que no ano passado integrou a minoria, disse recentemente que cogita mudar de lado. Ela votou contra a antecipação da pena, permitindo que o condenado tenha direito de ficar em liberdade até o último recurso ser analisado pelo Judiciário.
Outro fator que poderia mudar o entendimento sobre o caso é a entrada de Alexandre de Moraes no STF este ano. Ele não participou do julgamento do ano passado e está no lugar antes ocupado por Teori Zavascki, que votou pela execução antecipada da pena. Enquanto o assunto não retorna ao plenário do STF, decisões diferentes da tomada no ano passado são constantes na Corte.
No plenário, as discussões costumam se polarizar. Quando o tema é penal ou político, Gilmar Mendes costuma dar os votos mais contundentes, normalmente com duras críticas ao trabalho do Ministério Público Federal. Do outro lado, Barroso e Fux tendem a defender as investigações realizadas pelos procuradores da República. Questionado sobre esses embates recentes, Barroso desconversou:
— Não dou declarações contra o tribunal que integro nem tampouco critico colegas. Não acho que isso traga benefício ao país.
Tanto Cármen Lúcia como Celso de Mello já atuaram como bombeiros em votações importantes. Cármen foi quem criou a solução de garantir ao Supremo a prerrogativa de aplicar medidas cautelares, mas submetendo-as ao Congresso, numa clara tentativa de contemplar os dois lados da Corte — e, de quebra, apaziguar os ânimos do tribunal com a cúpula da Câmara e do Senado. Celso, por sua vez, foi quem liderou a Corte há um ano, rumo a uma decisão que permitiu que réus presidam o Legislativo, vedando apenas o exercício da Presidência da República, em outra tentativa de conciliar visões contrárias.
Nos últimos dois anos, decisões sobre temas sociais e econômicos também racharam o tribunal. No mês passado terminou em 6 a 5 a votação sobre a permissão do ensino religioso confessional em escolas públicas. Nesse caso, Fachin e Gilmar Mendes votaram com a maioria, enquanto Marco Aurélio ficou ao lado de Barroso entre os vencidos. Em assuntos econômicos, as composições dos votos também são diferentes — mas, ainda assim, divididas. Porém, nem sempre as votações são apertadas. Foi unânime, por exemplo, a decisão de afastar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo.
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