- Valor Econômico
Foco do Banco Central deve ser a inflação para além do curto prazo, dizem especialistas
O pedido de demissão de Sergio Moro fez o mercado financeiro rever as expectativas - alimentadas pelo próprio Banco Central - de um corte mais forte de juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem. Mas a aposta é que, ainda assim, a Selic cairá.
Um experiente operador compara a situação atual com maio de 2017, o chamado “Joesley Day”, quando o jornal “O Globo” revelou que o empresário Joesley Batista, da JBS, havia gravado um diálogo comprometedor com o presidente Michel Temer. Nos dias anteriores ao escândalo, o Banco Central vinha indicando a aceleração do ritmo de distensão monetária. O mercado de juros futuros precificava 73% de chance de um corte da Selic superior a um ponto percentual. Já havia consenso dentro do Banco Central para um corte de juros de 1,25 ponto percentual. O mercado reagiu no “Joesley Day” de uma forma muito semelhante à notícia da demissão de Moro, com uma forte inclinação da curva de juros futuros. O Banco Central divulgou uma nota dizendo que não havia “relação direta e mecânica com a política monetária” e “as informações recentemente divulgadas pela imprensa”. Nos dias seguintes, o mercado se acalmou um pouco, e o Banco Central cortou os juros em um ponto percentual, mesmo ritmo das reuniões anteriores.
Na sexta-feira, o mercado de juros futuros precificava majoritariamente um corte de juros de 0,5 ponto na semana que vem, para 3,25% ao ano. Menor do que a baixa de 0,75 ponto que, anteriormente, era dada como certa e bem distante de um estímulo monetário de um ponto percentual que os mais otimistas sonhavam.
O argumento em favor de fazer uma baixa de juros, ainda que menor, é o Banco Central evitar colocar mais gasolina na crise. Manter os juros reforçaria a percepção de que o governo Bolsonaro acabou. Também desestabilizaria o mercado, que estava fortemente posicionado numa baixa mais forte da taxa Selic.
Alguns participantes do mercado argumentam, porém, que na atual situação o correto seria uma baixa de apenas 0,25 ponto percentual. Existe muita ansiedade sobre como o Banco Central vai reagir a um eventual processo de impeachment de Bolsonaro. Muitos notaram que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, estava presente no discurso de defesa feito na sexta no Palácio do Planalto.
Eles argumentam que, numa situação como essa, o comandante da autoridade monetária deveria manter certa distância do presidente da República. Num agravamento da crise, o Banco Central seria a única âncora para manter a estabilidade da economia. Um ex-integrante da equipe de Alexandre Tombini lembra que, no governo Dilma Rousseff, ele não comparecia ao Palácio do Planalto. Não havia dúvida, por outro lado, de que Ilan Goldfajn agiria de forma independente de Michel Temer.
O mercado tem acompanhado de perto também as intervenções do Banco Central na área de câmbio, que alguns consideram excessivas. A autoridade monetária vendeu US$ 2,2 bilhões no mercado à vista na sexta, além de US$ 1 bilhão no mercado futuro. Um participante do mercado argumenta que o Banco Central deveria deixar o câmbio encontrar um valor de equilíbrio mais alto, já que os fundamentos da economia doméstica mudaram. Não apenas pela saída de Moro, mas também pelo avanço da ala do governo que quer uma resposta mais keynesiana à crise, um sinal de enfraquecimento do ministro Paulo Guedes.
A postura do Banco Central inclinada a cortes mais agressivos de juros também está pressionando a taxa de câmbio. Há ruídos na sinalização do Banco Central de mais corte de juros, que foi feita em um evento fechado na última segunda, organizado pelo banco Morgan Stanley, com a participação de Campos Neto e do diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk. Como não há um registro oficial desse evento, com o encadeamento lógico da nova estratégia de política monetária, as opiniões de mercado têm sido formadas a partir de versões conflitantes de quem foi admitido ao encontro.
A aceleração do corte de juros em maio - o que equivale a uma antecipação do ciclo de distensão - é vista por muitos especialistas como controversa. Em teoria, argumentam, há duas razões para o Banco Central antecipar um corte de juros. Uma delas é o Banco Central ter muita certeza do cenário econômico - sendo capaz de medir com uma razoável precisão o impacto da atual crise na inflação e a resposta adequada de política monetária. Outra razão para antecipar o ciclo é o BC ter um bom nível de segurança de que, agindo assim, vai evitar uma perda mais forte de atividade econômica e também a queda da inflação abaixo da meta.
Nenhuma dessas condições estariam presentes no momento atual, argumentam economistas ouvidos pelo Valor. As incertezas sobre o choque causado pela crise do coronavírus são muito grandes. Elas envolvem não apenas o choque em si, mas a reação do governo a essa pandemia, em especial na política fiscal, e sua interação com o Congresso, onde devem ser aprovadas as reformas. As incertezas são imensas, também, se o estímulo monetário vai ser de fato transmitido. A alta do dólar que se seguiu à indicação do BC de acelerar o corte de juros levanta sérias dúvidas. Também não é certo que o estímulo feito agora vai, de fato, chegar à economia no momento correto. Hoje, estímulos têm efeito mínimos - com o comércio fechado e incertezas sobre o futuro da economia, poucos vão tomar decisões ousadas de consumo e investimentos apenas porque os juros ficaram mais baixos.
A tese de corte de juros se apoia nas projeções de inflação de curto prazo, que são muito baixas e dão espaço para novos estímulos. Porém, nesse momento, dizem alguns economistas, o foco do Banco Central é zelar pelo controle de expectativas para além de 2021. Com o novo quadro fiscal, com déficits mais altos e persistentes e aumento da dívida bruta, os juros de equilíbrio tendem a subir. Já não estava fácil manter os ganhos da austeridade monetária dos últimos anos - e as dificuldades aumentaram depois que a demissão de Moro expôs a fragilidade política do governo Bolsonaro.
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