Ajuste orçamentário e reforma do Estado seguem imperativos mesmo na pandemia
A bem-vinda iniciativa do Senado de votar o marco regulatório do saneamento básico indica que é possível, além de desejável, retomar a agenda de reformas econômicas sem prejuízo das medidas emergenciais de combate à pandemia.
Motivos para tanto não faltam, embora as atenções do mundo político ainda estejam, compreensivelmente, concentradas em providências de caráter temporário destinadas a mitigar os efeitos recessivos da crise do coronavírus.
A indiscutível necessidade de elevar os gastos públicos para socorrer famílias e empresas, por sua vez, não só pôs em suspenso o processo de ajuste orçamentário e redesenho do Estado como deu novo fôlego aos setores que a ele se opõem, por interesse ou convicção.
Com o segundo semestre do ano prestes a ter início e, espera-se, com o pior da recessão deixado para trás, cumpre planejar com realismo os próximos passos da gestão econômica —quando menos porque a proposta de Orçamento de 2021 precisa ser enviada ao Congresso até o final de agosto.
Se respeitar os preceitos básicos da responsabilidade fiscal, o texto sepultará ilusões acerca de algum plano grandioso de obras, como especulado nos meios militares do governo, ou de um programa de transferência de renda muito maior que o Bolsa Família, aventado pelo ministro Paulo Guedes.
A peça projetará, tudo indica, um setor público ainda mais endividado —o passivo de União, Estados e municípios deve ultrapassar a casa de 90% do Produto Interno Bruto— e uma recuperação econômica não mais que modesta.
O espaço para as despesas federais continuará sendo tomado por salários e aposentadorias. Para a Instituição Fiscal Independente (IFI, vinculada ao Senado), haverá elevado risco de rompimento do teto constitucional de gastos.
Tal cenário exige atuação em duas frentes: de um lado, evitar o estrangulamento orçamentário, especialmente com a redução de encargos com servidores públicos; de outro, contribuir para o crescimento econômico com reforma tributária, melhoras na regulação e permanência dos juros baixos.
Nada disso impede que se tomem medidas para atenuar os impactos da pandemia e, para além da emergência, reduzir a pobreza e a desigualdade. Subsídios e incentivos fiscais devem ser revistos; uma taxação mais progressiva da renda deve ser buscada; programas sociais devem ser aperfeiçoados.
A superação da crise dependerá da diligência do Congresso e de alguma articulação da equipe do hoje inerte Ministério da Economia. A deterioração do quadro político representa decerto um empecilho considerável, mas conformar-se com a tragédia seria a pior escolha.
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