segunda-feira, 19 de junho de 2023

Miguel de Almeida - O PT bolsonarista

O Globo

Qual PT vibrará sob o espólio de Lula? O que defende Putin e Nicolás Maduro? Ou o que vota com os bolsonaristas?

Mal se avista 2024, e parte do PT, na dúvida ou muito pelo contrário, já se posiciona no pós-Lula. Nas duas principais capitais, Rio e São Paulo, o partido ameaça romper acordos ou promessas firmados no ano passado. Acostumado a jogar parado, o presidente, se agora toma bolas nas costas de Arthur Lira, corre também o risco de perder em casa.

Muito da indisciplina petista se explica com o diagnóstico verbalizado, à semelhança de um deboche, pelo próprio Lira: Lula será candidato à reeleição? Ao deixar em aberto o cenário — algo que não ocorreu desde que ela brotou pelas mãos de FH —, o presidente abre um flanco, baixa a guarda e se coloca como refém de seus algozes — a começar pela turma de copa e cozinha. Existem motivos para pulga atrás da orelha, de parte a parte, dado que até hoje se verifica um casamento de conveniência entre Lula e setores de seu partido. Ele, um tipo de centro, não de esquerda, como já reconheceu anos atrás; mas adequado à franja esquerda pela origem operária; e a política ama qualquer simbologia. Até que se esgarce no tempo — Lula era torneiro mecânico, função há muito desaparecida, mas aquele modelo de indústria ultrapassada luta pela sobrevivência no mundo digital. Antes de qualquer brinde, bom lembrar: no Brasil, o passado demora a passar.

Ainda hoje é Lula a maior referência eleitoral do partido, embora seus truques políticos não escondam mais surpresas. Maldosamente, Lira assopra que ele está lento. Tem razão. Perto de José Dirceu, o ministro Rui Costa é um operador de grêmio estudantil. E, se antes podia contar com José Genoíno, um hábil conversador, agora vemos o irmão dele, José Guimarães, líder do PT, mastigado e cuspido pelo Centrão; não necessariamente nesta ordem. Vale anotar que alguns deputados petistas votaram a favor da proposta de lei assinada pela filha de Eduardo Cunha, aquela que quer criar ainda mais benefícios para os políticos. Como se não bastassem as dezenas de assessores, verbas secretas etc. Não é de agora que petistas e bolsonaristas integram o mesmo coro.

O baile segue, e a dança vai aos tropeços. Em São Paulo, berço do PT, a direita do partido ameaça romper um acordo, costurado por Lula, de apoio a Guilherme Boulos. O afamado quadro petista Jilmar Tatto, espécie de Ciro Nogueira da Zona Sul paulistana, se nega a apoiar qualquer nome fora do partido. Faz sentido. Boulos é da esquerda do PSOL; os Tattos (todos eles) são vistos como mal necessário (de cepa fisiológica) dentro da imensa paróquia e abrigo de tendências agrupadas sob a denominação PT. Assim como a divisão carioca abandonou no ano passado Marcelo Freixo por uma discreta torcida por Cláudio Castro, já se percebe o movimento tímido dos Tattos em apoio à reeleição do atual prefeito paulistano, Ricardo Nunes. É uma espécie de síndrome de Estocolmo, haja vista Jilmar Tatto tenha sofrido a pior derrota da história petista em São Paulo para a chapa Bruno Covas-Ricardo Nunes.

No Rio, onde, ao contrário de São Paulo, o PT jamais foi uma força municipal, e sempre soou algo tão problemático como as letras de Djavan, Lindbergh Farias e outros deputados se recusam a apoiar a reeleição de Eduardo Paes. Querem candidatura própria. Pelos nomes postos, desejam repetir a vexatória performance de Freixo nas urnas.

Muitos intelectuais, até em livros e em artigos, costumam cravar o PT como único partido de fato surgido desde o fim da ditadura brasileira. Mas esses pensadores, exceto o provocador Chico de Oliveira, já falecido, jamais fizeram objeção de caráter ético ou ontológico à barafunda petista na Petrobras. Tampouco demonstraram alegria com o dinheiro recuperado — e foram bilhões, vale lembrar. O partido perdeu o brilho de nomes como Florestan Fernandes, e referências da Igreja, uma de suas bases, mantêm estratégico distanciamento. Ouvir Lula defender Nicolás Maduro cobra seu preço. Assim como ser operário deixou de ser iconografia política de voto, a defesa de ditadores amigos da esquerda não agrega empatia nem no público universitário. É uma visão fóssil da História.

Centros urbanos do Sul e do Sudeste têm negado vitórias ao partido. Haddad, o melhor quadro petista, visto como sucessor de Lula, ganhou na capital paulista, mas foi exceção. Perdeu no interior conservador. Lula, puxado por Haddad, repetiu padrão semelhante na votação.

Qual PT vibrará sob o espólio de Lula? O que defende Putin e Nicolás Maduro? Ou o que vota com os bolsonaristas? Dando subsídio a carro popular com combustível fóssil, o país não chegará à economia verde.