Atenção na eleição americana está em decisões da Justiça
O Globo
Trump, favorito entre republicanos, se
defende em quatro processos criminais e tenta manter seu nome nas cédulas
A corrida eleitoral nos Estados
Unidos começa hoje com as prévias no estado de Iowa. De acordo
com as pesquisas, as primárias ao longo do semestre consagrarão mais uma vez
como adversários o republicano Donald Trump e
o democrata Joe Biden.
Ao mesmo tempo, a atenção estará nos tribunais, onde Trump tenta defender sua
candidatura de toda sorte de acusação. Com 50 pontos percentuais de vantagem na
corrida republicana, ele é réu em quatro processos criminais. Seu nome foi
vetado nas cédulas em dois estados, Maine e Colorado, sob a alegação de ter
participado de “insurreição” em 6 de janeiro de 2021.
As tentativas de Trump de reverter o resultado da eleição de 2020 são públicas: repetidas declarações mentirosas sobre fraudes, pedidos para que votos inexistentes fossem contados, discurso para a multidão que invadiu o Capitólio e pressão para que o então vice Mike Pence não confirmasse a vitória de Biden. Mesmo esse histórico não garante que a Justiça arrisque tomar uma decisão radical barrando sua candidatura.
Não há tribunal eleitoral nos Estados Unidos.
A Suprema Corte informou que, a partir de fevereiro, examinará os vetos a Trump
nas cédulas das primárias. O veredito dos juízes estaduais do Colorado e a
suspensão no Maine foram baseados na 14ª Emenda , cuja terceira seção veda
cargos oficiais a quem tenha participado de “insurreição”, mas sem mencionar
explicitamente a Presidência ou a Vice-Presidência.
Há dúvidas sobre a solidez jurídica das
decisões do Colorado e do Maine. Trump nunca foi condenado, nem sequer
denunciado por insurreição. Juristas argumentam que o uso da 14ª emenda para
barrar uma candidatura teria de ser precedido por um ato do Congresso. Ao levar
em conta essas questões, o mais provável é que a maioria dos ministros da
Suprema Corte julgue melhor deixar a cargo dos eleitores a decisão sobre o
destino de Trump.
Um tribunal de segunda instância começou a
examinar na semana passada o caso em que Trump é acusado de conspirar para
fraudar os Estados Unidos, obstruir a homologação oficial dos resultados da
eleição de 2020 e tentar privar cidadãos de direitos civis. A defesa alegou que
ele tem imunidade pelas ações que tomou enquanto presidente. Ao recorrer, os
advogados de Trump querem adiar o julgamento, previsto para começar em março.
Cerca de 25% dos apoiadores de Trump acreditam que ele não deveria ser o candidato
republicano se julgado culpado. Se ele não for condenado e vencer, voltaria a
desfrutar a imunidade presidencial.
Os outros casos envolvendo Trump incluem as
acusações de tentar reverter o resultado eleitoral na Georgia, de furtar
documentos secretos da Casa Branca e de subornar uma atriz pornô para acobertar
um caso em 2016. Paradoxalmente, a evolução dos processos tem contribuído para
torná-lo um candidato mais atraente aos republicanos, que o veem como vítima de
injustiças.
Sem condenação, Trump permanece competitivo
nas urnas. Embora a economia esteja melhor que o esperado, Biden é criticado
pelo período de inflação alta. Os próprios democratas se dizem preocupados com
sua idade avançada (se reeleito, terá 86 anos no fim do mandato). Para
complicar, investimentos aprovados no Congresso ainda não surtiram efeitos
práticos. A esperança dos democratas — e do mundo todo — é que os eleitores
lembrem os anos caóticos de Trump na Presidência. Mas não há garantia.
Formação deficiente de professores explica ensino público
insatisfatório
O Globo
Estudo constatou que ao menos um terço não
tem qualificação adequada para lecionar a disciplina ministrada
Mais de 40% dos professores que davam aula
nos anos finais do ensino fundamental em 2022 e quase um terço dos que
lecionavam no ensino médio não tinham formação adequada à disciplina que
ministravam, constatou um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicado no Caderno de Estudos e Pesquisas
em Políticas Educacionais. Sul e Sudeste são as regiões em que mais professores
tinham a qualificação necessária (cerca de 70%). Ainda assim, quase um terço
padecia de formação deficiente.
O estudo dos pesquisadores Alvana Maria Bof,
Luiz Zalaf Caseiro e Fabiano Cavalcanti Mundim ajuda a entender por que os
estudantes brasileiros continuam mal avaliados em testes internacionais como o
Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Parece evidente que
uma das causas da má qualidade do ensino que aflige as escolas públicas é a
formação insatisfatória dos professores.
Nem São Paulo, estado mais rico da Federação,
escapa das deficiências. Em 2022, 63,3% dos professores de física das escolas
paulistas não tinham licenciatura nem formação acadêmica na disciplina.
Pernambuco, Tocantins, Bahia, Goiás, Acre e Santa Catarina também ultrapassavam
os 50% na proporção de docentes sem formação. O estágio de desenvolvimento da
região não guarda relação com a qualificação dos professores no ensino público.
Ela depende de políticas definidas pelo governo local.
A diferença de qualidade entre ensino urbano
e rural é outro problema. Enquanto apenas 30% dos professores das escolas
rurais têm licenciatura e formação acadêmica compatível com o que ensinam nos
anos finais do ensino fundamental e 52% no ensino médio, nas áreas urbanas os
índices se aproximam de 70%.
Há também descompasso entre a procura por
professores e a oferta dos cursos de licenciatura. Em 2022, os graduados com
licenciatura em matemática correspondiam a apenas metade da demanda por
professores em sete estados: Pará, Amapá, Maranhão, Sergipe, Rio Grande do
Norte, Rio de Janeiro e São Paulo. Para piorar a situação, apenas um terço dos
que fazem licenciatura vai dar aula no ensino básico. Numa sondagem com 1.500
estudantes feita pela Fundação Victor Civita e pela Fundação Carlos Chagas,
citada no estudo, apenas 2% escolheram como primeira opção pedagogia ou
licenciatura com a intenção de ser professores.
Para reverter o esvaziamento da carreira de
professor, os governos precisam encontrar meios concretos de valorizar a
profissão. Não se trata de questão salarial, mas de uma perspectiva de carreira
que reconheça os melhores profissionais com base nos resultados obtidos no
ensino — e não na preservação e ampliação de benesses, pautas corporativas
defendidas com frequência pelos sindicatos.
Abalo em rotas de petróleo traz novo risco à
economia global
Valor Econômico
O conflito entre Israel e o grupo terrorista
Hamas derivou para o caminho nocivo de bloqueio de algumas das mais importantes
rotas marítimas de transporte no mundo. O Irã, que apoia o Hamas em Gaza e o
Hezbollah no Líbano, interceptou e confiscou um petroleiro na quarta-feira,
alegando que tomou de volta o que lhe fora “roubado pelos Estados Unidos” há
algum tempo. Os houthis, insurgentes no Iêmen contra o governo apoiado pela
Arábia Saudita, fizeram desde novembro mais de 25 ataques contra embarcações de
carga no estreito de Bab al-Mandab, obrigando as maiores transportadoras a se
desviarem da rota do Mar Vermelho pela qual passa 15% do comércio mundial. EUA
e Reino Unido bombardearam territórios dos houthis na quinta, um passo a mais
na escalada que já levara os americanos a atacar aliados do Irã no Iraque, que
fustigaram bases americanas no país. Os riscos de internacionalização do
conflito cresceram, assim como o de aumento dos custos do petróleo, movimento
que, se prolongado, pode pôr fim à tendência declinante na inflação e retardar
a queda dos juros.
Como em eventos semelhantes, as cotações do
petróleo dispararam de início e se acomodaram depois. De um impulso inicial de
4%, subiram 1,4% no fim do dia, com o tipo Brent abaixo dos US$ 80 o barril. Na
ausência de um espalhamento do conflito, a média dos preços previstas pelos
especialistas para o ano gira ao redor deste valor.
Apesar dos cortes de produção feitos pela
Opep, que detém 38% da oferta mundial, a produção nos países que não integram o
cartel aumentou. A Arábia Saudita se rendeu aos fatos e reduziu os preços de
seu óleo ao longo de janeiro. Os EUA, o maior produtor mundial, estão batendo
recordes de extração. Em 2024, serão 13,2 milhões de barris diários. Além da
oferta não ter sido ainda reduzida significativamente, a economia mundial vai
crescer menos no ano, com desacelerações importantes dos EUA, quase estagnação
da Europa e expansão contida na China, um dos maiores consumidores do petróleo,
que fez grandes estoques nos últimos meses. O PIB mundial deve ter crescido
2,9% no ano passado e deverá avançar 2,7% em 2024, segundo a OCDE.
Mas os riscos geopolíticos podem mudar essa
perspectiva mais uma vez, sacudindo os preços da energia. Em 2022, a invasão da
Ucrânia pela Rússia, e o corte do fornecimento de gás para a Europa, provocaram
pico de preços de petróleo e derivados mundo afora. A Europa conseguiu
diversificar seu fornecimento com rapidez e recompor seus estoques, contando
com a ajuda de um inverno ameno.
Distúrbios sérios nos fluxos de petróleo
poderiam fazer bons estragos agora. A queda dos preços da energia e o
arrefecimento das atividades econômicas diante das maiores taxas de juros nos
países ricos em 20 anos colocaram os bancos centrais dos dois lados do
Atlântico perto de debelar a inflação. As expectativas dos investidores são de
que os juros começarão a cair logo, ao longo do primeiro semestre. Um petróleo
bem mais caro pode adiar o relaxamento monetário nas principais economias,
empurrando a inflação para cima e obrigando os juros a se manter altos,
contraindo mais as atividades.
O pior cenário pode não se materializar, mas
os custos dos fretes de transporte do petróleo mais que dobraram. A Maersk,
gigante que conduz 20% das cargas globais, decidiu que seus navios ficarão o
mais longe possível das rotas conflagradas, assim como fazem outras
transportadoras. Um trajeto com desvio pelo Cabo da Boa Esperança, na África do
Sul, de um cargueiro da Europa para a Ásia aumenta em 13 mil km em uma ida e
volta. Pelo menos US$ 200 bilhões em cargas tomaram esse rumo. O preço dos
seguros para as rotas tradicionais disparou. Sem a volta à normalidade, o custo
final do petróleo e de várias outras mercadorias subirá.
Os riscos de o conflito entre Israel e Hamas
se internacionalizar estão sendo contidos, mas crescem as chances de
imprevistos. Israel usou drones em Beirute e respondeu aos ataques do Hezbollah
em sua fronteira com o Líbano. Os EUA mataram o líder militar do Hamas no
Iraque. O Exército Islâmico ressurgiu das cinzas para realizar atentado no Irã
que matou mais de 70 pessoas. A incursão aérea de EUA e Reino Unido contra os
houthis se soma a uma situação politicamente explosiva.
O Irã não parece estar disposto a realizar investidas militares por conta própria - usa seus aliados na região para isso. Antes do conflito em Gaza, um de seus temores era que Israel resolvesse atacá-lo para destruir seus centros de enriquecimento de urânio. A Arábia Saudita, o país mais rico e armado do Oriente Médio, não quer problemas para seus negócios. Após os ataques dos EUA e Reino Unido contra seus inimigos houthis, pediram “contenção” ao governo americano. Os governos árabes na região, como tem sido recorrente, não querem correr riscos para defender os palestinos. Ao presidente americano Joe Biden, às voltas com uma difícil reeleição, não interessa um envolvimento militar intenso no Oriente Médio. Mas o espaço para incidentes se ampliou.
Sem populismo
Folha de S. Paulo
Saída de presos tem objetivo meritório; regra
não deve ser debatida sob emoção
É trágica a morte do policial militar mineiro
Roger Dias da Cunha, no dia 7 de janeiro, após ser baleado durante perseguição
a um presidiário foragido do sistema. O criminoso havia sido beneficiado com a
saída temporária, mas não retornou na data prevista.
A funesta ocorrência estimulou senadores
adeptos da abordagem linha dura em segurança para agilizarem a aprovação de um
projeto de lei, já votado na Câmara, que põe fim às saídas temporárias.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), disse ser favorável ao
debate dessa e de outras propostas que tornam mais rígidas as regras do sistema
penal.
Parlamentares são eleitos para, entre outras
funções, criar e aperfeiçoar leis. Porém devem fazê-lo com temperança, baseados
em racionalidade e evidência científica. Legislar ao sabor das emoções não
costuma render bons resultados.
Institutos penais como saída temporária, a
popular "saidinha", livramento condicional, comutação, indulto e a
progressão de regime existem não por bondade do legislador, mas porque
constituem incentivos que visam à ressocialização do preso e a tornar os
presídios manejáveis.
Eliminar partes desse sistema, além de ferir
princípios humanitários, tende a produzir efeitos indesejáveis não
imediatamente óbvios.
No Brasil, as organizações criminosas
costumam recrutar sua mão de obra entre presos recém-ingressos nas
penitenciárias. Eles aderem às facções em troca de proteção, para sobreviver no
ambiente carcerário hostil. Quanto mais lotados os presídios, isto é, quanto
piores forem as condições de vida, mais vantajosa será a barganha.
Obviamente, é preferível testar antes o
comportamento dos presos em saídas temporárias a soltá-los em bases mais
definitivas. E esse, apesar de casos trágicos como o do sargento Cunha, é uma
mecanismo do sistema que funciona.
Levantamento feito pela Folha aponta
que 56,9 mil presos tiveram direito ao benefício no último Natal em em 17
estados e no Distrito Federal. Desse total,
54,2 mil, ou 95,2%, voltaram ao sistema. Há espaço para
aperfeiçoamentos dos critérios, sem dúvida, mas estamos longe de um descalabro.
Algo a evitar é a tendência de alterar leis
de modo açodado e reativo, como resposta a crimes que chocam a opinião pública.
De fato, o sistema penal não pode ignorar por
completo sentimentos e valores da sociedade. Mas daí não se segue que a
legislação deva tornar-se mera caixa de ressonância desses afetos. Se o fizer,
produzirá vingança e não justiça.
Fiasco contra o garimpo
Folha de S. Paulo
Expulsão dos invasores de terras indígenas
requer ação contínua do poder público
As Terras Indígenas Kayapó e Munduruku, no
Pará, e Sararé, em Mato Grosso, são aquelas que registraram as maiores taxas de
invasão pelo garimpo em 2023, conforme série de reportagens da Folha.
Mas pouco foi feito para a desintrusão
—expulsão de não indígenas— dessas zonas críticas, apesar de o Supremo Tribunal
Federal ter ordenado a operação ao governo federal no ano passado.
Agora essas terras integram uma lista
de dez áreas prioritárias que consta do novo plano operacional de desintrusões formulado
pelo Planalto, ainda em atendimento ao STF. Na terça (9), Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) chegou a falar em guerra contra o garimpo ilegal.
Canetadas da corte e declarações bombásticas
não têm sido eficazes para a expulsão de invasores. Os esforços feitos ao longo
de 2023 se concentraram em quatro territórios: Yanomami, em Roraima, onde há
uma crise humanitária; Apyterewa, o mais desmatado do país, Trincheira Bacajá e
Alto Rio Guamá, os três últimos no Pará.
Em novembro do ano passado, o governo federal
pausou ações para retirar compulsoriamente invasores do território Apyterewa,
deixando cerca de cem agentes parados nas bases. Já na terra Yanomami, as
iniciativas pouco minimizaram a crise humanitária. Segundo o
Ministério Público Federal, o governo reduziu de forma "drástica" as
ações de retirada de intrusos.
O combate ao garimpo ilegal requer medidas
coordenadas e contínuas. Sufocar a atividade com o desmantelamento de
estruturas logísticas e financeiras é crucial.
Operações na terra Yanomami em 2023
apreenderam R$ 96 milhões em bens, conforme o Ibama. Tais operações, contudo,
não podem ser pontuais. Espera-se que uma estrutura permanente contra o crime
na região, prevista pelo governo, de fato se concretize.
Aumento do efetivo e melhoria das condições
de trabalho de servidores in loco também precisam ser tratados como prioridade.
Na terra Sararé (MT), a área de extração
ilegal de ouro saltou de 36
hectares em 2022 para 252,3 hectares até outubro de 2023. Mas o
posto de vigilância da Funai próximo a um dos garimpos conta com apenas três
servidores e cinco policiais da Força Nacional para lidar com cerca de 2.000
invasores.
Se foi registrada forte expansão do garimpo sob Jair Bolsonaro (PL), os males gerados por essa atividade resultam de inação de sucessivos governos nacionais. A proteção de indígenas e a preservação do meio ambiente precisam ser tratadas com ações de inteligência e infraestrutura de longo prazo.
Por uma verdadeira segurança pública
O Estado de S. Paulo
Ondas de violência que atingiram o Equador
mostram força do crime organizado e inspiram governos a adotar medidas
autoritárias que enfraquecem a democracia
As cenas de terror protagonizadas por grupos
criminosos no Equador, ao mesmo tempo que foram mais uma demonstração cabal do
avanço dessas organizações na América Latina, serviram para alimentar o
discurso segundo o qual só é possível enfrentar essas gangues com medidas de
exceção, à moda do impetuoso e popularíssimo presidente de El Salvador, Nayib
Bukele – aquele que, quando acusado pela oposição de pretender impor uma
ditadura por meio de suas medidas draconianas contra o crime, se declarou,
ironicamente, “o ditador mais cool (legal) do mundo”.
Por maior que seja a indignação com a
violência dos grupos criminosos que infestam a América Latina e cujos quartéis
são as próprias prisões em que teoricamente cumprem pena, não se pode admitir
que a solução seja a suspensão dos direitos básicos dos cidadãos, sobretudo o
direito que os protege de detenções arbitrárias. O método de Bukele não é uma
solução porque, ao suspender o Estado Democrático de Direito em nome do combate
ao crime, destrói a democracia sem melhorar a segurança de ninguém. Aliás, muito
pelo contrário: sem democracia, não há nenhum tipo de freio para o arbítrio do
Estado, que assim ganha poder ilimitado para coagir todo e qualquer cidadão,
conforme a vontade do ditador e de sua corte.
A violência do Estado, quando fora do
controle das instituições democráticas e quando exercida à margem da lei, é tão
perniciosa quanto a cometida pelos criminosos comuns. É possível sentir-se
circunstancialmente seguro numa sociedade assim, mas é uma segurança ilusória,
porque depende da sorte de ter boas relações com o poder.
A tentação, contudo, é grande. A imensa
popularidade de Bukele em El Salvador criou a sensação de que o jovem
presidente, ao dar uma banana para os direitos básicos, afinal encontrou a
solução ideal para o problema da criminalidade. O igualmente jovem presidente
do Equador, Daniel Noboa, claramente pretende adotar o método de Bukele, em
meio à crise desencadeada há uma semana, após o líder de uma das maiores
facções criminosas do país ter escapado de um presídio em que gozava de vários
privilégios – como cúmulo do escárnio, ele até gravou um videoclipe dentro da
prisão.
A fuga levou Noboa a decretar estado de
exceção. Nas horas que se seguiram ao ato, o país assistiu a rebeliões em
prisões, viaturas policiais queimadas, sequestros de policiais e até a invasão
de uma emissora de TV de Guayaquil durante a transmissão de um programa ao
vivo. Noboa, então, dobrou a aposta e decretou estado de conflito armado
interno, decisão que autorizou o uso das Forças Armadas no patrulhamento de
ruas, suspendeu aulas e impôs um toque de recolher à população. Mais de 300
pessoas foram presas e ao menos 13 foram mortas, enquanto os ataques liderados
pelas facções parecem ter refluído.
Não é a primeira vez que o crime organizado
mostra sua força no Equador. Ainda não esclarecido, o assassinato do candidato
presidencial Fernando Villavicencio em agosto do ano passado foi reivindicado
por uma das tantas facções criminosas que atuam no país. Os episódios assustam
os equatorianos, que até então pensavam viver num país relativamente seguro.
Mas o medo é mau conselheiro – e escancara o
espaço político latino-americano para emergência de líderes que fazem da
promessa de violência estatal seu principal ativo eleitoral. Não à toa, Bukele
é hoje mais popular que a maioria dos políticos do Equador e embala os sonhos
da extrema direita de Honduras, Guatemala, Peru, Argentina e, claro, Brasil –
por aqui, o notório Eduardo Bolsonaro levou uma comitiva de deputados para
conhecer a experiência de Bukele e ressaltou, nas redes sociais, que El
Salvador, “o país mais violento do mundo em 2015, hoje tem taxa de homicídios
igual à Suíça”.
Em resumo, há duas formas de enfrentar o
crime organizado: a que funciona, por meio de um esforço de inteligência e
cooperação entre todos os países afetados, já que o narcotráfico e as milícias
se tornaram transnacionais; e a que não funciona, por meio da suspensão de
direitos e da truculência do Estado – que se torna, ele mesmo, criminoso.
A instrumentalização da PF no caso Marielle
O Estado de S. Paulo
A investigação federal do rumoroso
assassinato da vereadora, além de ser estranha do ponto de vista jurídico,
parece transitar pelo perigoso terreno dos interesses políticos
O diretor-geral da Polícia Federal (PF),
Andrei Rodrigues, disse estar “convicto” de que o caso do assassinato da
vereadora carioca Marielle Franco, ocorrido em 2018, será concluído até o fim
de março. Não há dúvida de que esse é um desfecho aguardado ansiosamente pelo
País, ainda chocado não só com o crime em si, mas com a demora para
responsabilizar todos os envolvidos. Mas a indiscrição do chefe da PF,
inapropriada para um inquérito que corre em segredo de Justiça, chama a atenção
para a instrumentalização do caso Marielle – e, por extensão, da própria PF –
pelo governo de Lula da Silva para fins políticos.
Recorde-se que o País ficou escandalizado,
com razão, quando o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, interferiu diretamente
na Polícia Federal justamente no momento em que esta investigava um dos filhos
do presidente. Portanto, é o caso de reiterar que a Polícia Federal não é órgão
a serviço do governo, mas do Estado brasileiro.
O governo de Lula da Silva está fazendo de
tudo para caracterizar a entrada da Polícia Federal no caso Marielle como
decisiva para que se encontrassem finalmente os mandantes do crime.
Inventaram-se pretextos para que a PF pudesse participar das investigações, uma
vez que o crime nada tem de federal, e agora o governo se jacta de estar bem
perto de solucionar o caso.
Esse roteiro parece servir a diversos
propósitos, mormente o de levantar a suspeita de que a polícia do Rio de
Janeiro, comandada por um governo bolsonarista, teria feito corpo mole para
chegar aos mandantes do crime. Desde sempre se insinua, nos discursos petistas,
que o crime envolveria milicianos de alguma forma relacionados à grei de
Bolsonaro.
“É importante dizer que estamos há um ano à
frente de uma investigação de um crime que aconteceu há cinco anos, com a
convicção de que ainda neste primeiro trimestre a Polícia Federal dará uma
resposta final do caso Marielle”, disse o diretor da PF à Rádio CBN, mal
disfarçando o objetivo político de sua fala. Em outras palavras, Andrei
Rodrigues quis dizer que o caso só está para ser solucionado porque a PF nele
interferiu e que o fez rapidamente, em evidente contraste com a lentidão da
polícia do Rio.
Pode até ser verdade, e no limite é evidente
que a única coisa que realmente importa para o País é que se conheçam todos os
envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco o mais rápido possível,
mas é desconfortável observar de que maneira a Polícia Federal e o Ministério
da Justiça vêm se prestando a alimentar o discurso político anti-bolsonarista
do presidente Lula da Silva.
Logo no dia de sua posse como ministro da
Justiça, em 2 de janeiro de 2023, Flávio Dino anunciou, para efusivos aplausos
da plateia, que uma de suas prioridades era colocar a Polícia Federal no caso
Marielle, “para que esse crime seja desvendado definitivamente”. Dino declarou
que se tratava de uma “questão de honra”. Até aquele momento, a família de
Marielle era contra a federalização das investigações, por compreensível
desconfiança da PF sob Bolsonaro, mas passou a ser favorável depois que o PT
chegou ao governo, acreditando, não sem razão, que a PF sob Lula – ocupada pelo
ex-chefe da segurança do petista na campanha eleitoral – seria mais confiável
para seus propósitos. De um jeito ou de outro, tem-se o retrato de uma PF sem
verdadeira autonomia, vista como submetida a interesses partidários, e não
republicanos – e isso é evidentemente péssimo para o País.
Infelizmente, seria ingênuo esperar que o
novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, por suas sólidas relações com o
lulopetismo, atue de modo muito diferente do que seu antecessor. No entanto,
roga-se ao menos que Lewandowski faça do seu perfil mais discreto um padrão na
sua pasta e que isso se traduza numa chefia da Polícia Federal menos verbosa e
menos militante. Já terá sido um avanço.
Eletrobras resiste à pressão
O Estado de S. Paulo
Aprovação da incorporação de Furnas mostra
que será difícil o governo voltar ao controle
A aprovação a jato da incorporação de Furnas
pelas Eletrobras, numa assembleia convocada em 15 minutos e concluída em outros
15, não deixou dúvidas sobre a disposição dos atuais acionistas de levar
adiante a privatização e a consequente reestruturação da companhia. E torna
cada vez mais difícil a possibilidade de o governo Lula da Silva levar a cabo a
intenção de retomar o controle da ex-estatal. Ainda bem.
A agilidade do processo de votação – iniciado
imediatamente após a cassação, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes, das duas liminares que haviam suspendido a assembleia
original, duas semanas antes – mostra que os investidores compraram a briga com
o governo. Em nome da manutenção do bom ambiente de negócios, o ideal seria que
o confronto parasse por aí. Afinal, a Eletrobras foi privatizada após debate e
aprovação de uma lei pelos representantes da sociedade.
Porta-voz dos descontentamentos do governo
Lula acerca da desestatização da Eletrobras no governo anterior, o ministro de
Minas e Energia, Alexandre Silveira, não se manifestou nem sobre a decisão de
Moraes nem sobre o resultado da assembleia, que contou com votos favoráveis de
95% dos acionistas. Circularam informações de que o ministro teria sido
aconselhado a concentrar esforços no desdobramento da ação que questiona no STF
a constitucionalidade da Lei 14.182/2021, que autorizou a privatização.
A lei limitou o poder de voto de qualquer
acionista ao máximo de 10%, independentemente da quantidade de ações que
detenha. É justamente isso que tornou atrativa a participação na capitalização.
Afinal, o
Estado, que ainda detém, diretamente ou por
intermédio de empresas a ele ligadas, 46,7% do capital, perdeu a forte
ingerência que sempre teve no grupo, o que, por décadas, se traduziu na mão
pesada dos interesses político-partidários em todas as empresas da Eletrobras.
O pedido foi encaminhado pela Advocacia-Geral
da União ao STF em maio do ano passado. Sete meses depois, o ministro Nunes
Marques, relator da ação, determinou a abertura de processo de conciliação na
Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, com prazo previsto
para março.
Difícil imaginar como uma empresa sem
controlador pode negociar uma conciliação com representantes do governo. Ora,
se o princípio básico de uma corporation, caso atual da Eletrobras, é ter
controle pulverizado, nenhum executivo que represente a companhia num processo
de conciliação tem poder para aceitar ou rejeitar qualquer proposta. Pode, no
máximo, se comprometer a convocar uma assembleia para que os acionistas
deliberem.
Assim funciona o universo corporativo. A
assembleia é soberana. Por isso, Furnas será absorvida pela Eletrobras, e uma
esfera decisória, com seus cargos de alto comando, será eliminada. O grupo
inicia assim a drenagem de sua administração, que inclui ainda outras quatro
subsidiárias em diferentes regiões do País. A batalha vencida pelos acionistas
fez as ações da Eletrobras subirem na bolsa. E não foi à toa.
Alerta para as viagens de helicóptero
Correio Braziliense
O Brasil tem uma das maiores frotas do mudo,
com mais de 2 mil aeronaves desse tipo. Em São Paulo são mais d 410 aparelhos,
realizam 2.200 decolagens a aterrisagem por dia
Teve um fim trágico a busca da Força Aérea
Brasileira pelo helicóptero que havia desaparecido na virada do ano, no trajeto
entre São Paulo e Ilhabela. A procura durou 12 dias e terminou na última
sexta-feira, quando a aeronave modelo Robinson 44 foi localizada em uma área de
mata fechada no município de Paraibuna (SP). Os quatro ocupantes - três
passageiros e um piloto - morreram na queda. Durante o voo, uma das passageiras
filmou as péssimas condições climáticas, com chuva e neblina, e há o registro
de que o helicóptero chegou a fazer um pouso em um descampado antes de tentar
retomar a viagem.
Não foi o único caso envolvendo helicópteros
neste ano. Ocorreram outros dois registros, desta vez em Minas Gerais. Em 2 de
janeiro, uma aeronave que transportava quatro pessoas caiu no Lago de Furnas,
deixando uma pessoa morta. No início da semana passada, em Belo Horizonte, um
helicóptero da Polícia Rodoviária Federal que atendia um acidente envolvendo
uma carreta fez um pouso forçado logo após decolar, danificando casas no
entorno.
É uma sequência alarmante de acidentes,
principalmente quando se considera que o Brasil tem uma das maiores frotas de
helicópteros do mundo, com mais de 2 mil aeronaves do tipo, segundo a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac). São Paulo, a cidade do mundo com o maior
número de helicópteros, conta com mais de 410 aparelhos, que realizam 2.200
decolagens e aterrissagens por dia. Rio de Janeiro e Belo Horizonte também
contam com frotas consideráveis.
Pelas próprias dimensões das máquinas, o
transporte por helicópteros é restrito a poucas pessoas por viagens, que são
normalmente operadas por empresas de táxi aéreo em centenas de helipontos. É um
mercado extremamente pulverizado — ao contrário da aviação civil comercial, que
concentra as operações em aeroportos e em grandes jatos — e, por isso mesmo,
mais difícil de ser controlado.
Mas como os três acidentes em pouco tempo
deixaram claro, a Anac e o governo devem intensificar ainda mais as
fiscalizações sobre os helicópteros e seus pilotos. Um dos exemplos dessa
necessidade vem justamente do acidente em São Paulo. Comandante da aeronave que
caiu em Paraibuna, Cassiano Tete Teodoro, 44 anos, chegou a ter a licença de
voo cassada, após acusações de má conduta. Depois de cumprir a punição máxima
de dois anos de suspensão e a realização de novos cursos, ele recuperou a
autorização, três meses antes do acidente.
É fundamental, portanto, que as exigências
para os pilotos do país sejam mais rígidas, de modo a tentar evitar que
condutores inapropriados assumam os manches das aeronaves. Além disso, os
descumprimentos das regras devem ser punidos com muito mais rigor pelas
autoridades responsáveis, com prazos maiores de suspensão para quem chegar a
perder o brevê de voo. No transporte aéreo civil, mais imposições são sinônimo
de mais segurança. Por fim, todos os casos recentes de quedas de helicópteros
devem ser investigados à exaustão, com transparência, e as responsabilidades
pelos acidentes devem ser reconhecidas e devidamente corrigidas.
Mas nada disso adiantará se os pilotos de helicópteros de todo o Brasil não adotarem o binômio da prudência e da perícia. Os motivos da queda da aeronave em Paraibuna ainda estão sendo investigados, mas as péssimas condições climáticas no momento do voo e a insistência do piloto em chegar ao destino, mesmo com baixíssima visibilidade, podem ter contribuído para o acidente fatal — e que seria evitado se as regras do bom-senso tivessem sido respeitadas. Se cada um fizer sua parte, as viagens aéreas do país estarão mais seguras para todos.
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