Folha de S. Paulo
A mudança na tecnologia da informação é
central nesse processo
Erik Kaufmann, professor da Universidade de
Buckingham, em artigo no Wall Street Journal, anuncia o início da era
"pós-progressista" na política ("Welcome to the Post-Progressive Political Era",
14/5). Depois de algumas décadas em que as pautas progressistas acumularam
vitórias —chegando a parecer o curso inevitável da história—, agora a maré
virou.
A questão mais visível é a pauta trans, que foi de bandeira progressista a tema espinhoso. Mas não para por aí. Políticas de diversidade e inclusão de maneira geral estão sob ataque, bem como a imigração em massa. Não é apenas uma reação ao excesso de bandeiras identitárias ou ao politicamente correto, embora esses excessos sejam reais. As sociedades —até mesmo os jovens— estão mais conservadores.
O Brasil também passa por isso. Estamos mais
conservadores, especialmente nos costumes, e o conservadorismo está mais
autoconfiante, mais vocal. O crescimento dos evangélicos tem
tudo a ver com isso. Quinze anos atrás, sonhávamos com um futuro em que o
Brasil liberalizaria sua lei de aborto. Hoje, a
vitória é não tornar o acesso a ele ainda mais restrito.
A mudança cultural é mais determinante para
nosso futuro do que as contingências momentâneas da política. Olhemos
para Portugal:
o partido Chega tem o melhor resultado de sua curta história, empatando com os
socialistas. O governo de centro-direita pode se negar a uma aliança, mas essa
escolha fica cada vez mais custosa. Não é mais impensável que o Chega —ou o RN
na França,
o AfD na Alemanha—
chegue ao poder.
Aqui no Brasil temos o Supremo, que se coloca
como uma vanguarda iluminista da sociedade em diversos temas. É dele que se
esperam novas vitórias progressistas. Essa possibilidade, contudo, encontrará
cada vez mais resistência junto à população e, portanto, ao Congresso.
Um fenômeno global pede causas também
globais. Por isso vejo a mudança na tecnologia da informação como central nesse
processo. As redes não criaram as opiniões conservadoras, mas forneceram o
veículo para que novas lideranças, portadoras dessas bandeiras, pudessem falar
com as massas e crescer mesmo sem a chancela da imprensa e da universidade. E a
própria dinâmica das redes, que valoriza a conexão pessoal direta, favorece a
política mais estridente, mais personalista, menos institucional, menos calcada
em números e mais em sentimentos, que marca a guinada conservadora.
Há dois grandes riscos nesses novos tempos: a
violação de direitos humanos fundamentais e a degradação das regras do jogo
democrático. E a ameaça pode vir de diversos lados. Trump coage
universidades, persegue estudantes; Bolsonaro tramou
um golpe. Ao mesmo tempo, autoridades inglesas processam e prendem cidadãos por
posts satíricos contra imigrantes; nosso Supremo investiga, processa, prende e
bloqueia contas em nome da democracia.
Fora desses pontos, é hora de aceitar que o
debate público mudou, que o progressismo não tem mais o monopólio do discurso e
que de nada adiantam seus protestos de superioridade moral. Para vozes
progressistas ou secularistas recuperarem sua influência e voltarem à
preeminência social, terão que disputar corações e mentes na arena aberta do
debate público e da comunicação. Democracia é isso.
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