Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
WASHINGTON. Muito além da emoção que tomou conta da capital nos últimos dias e do sentimento de estar participando da História que cada uma das pessoas parece estar vivenciando, a chegada de um político como Barack Obama à Casa Branca significa uma mudança fundamental na maior potência do mundo, certamente por ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, mas, sobretudo, por representar um novo tipo de político, se acreditarmos, como acredito, que ele não é apenas um produto forjado por marqueteiros, ou um político bom de retórica, embora em certos momentos sua busca do consenso justifique concessões que podem significar mais fraqueza do que grandeza política. Mas isso veremos no decorrer do mandato.
É nesse contexto que seu discurso de posse, embora não tenha nenhuma frase de impacto, tem uma visão grandiosa de sua tarefa e do mundo que, por si só, já justifica o sentimento de esperança que se renovou durante o dia de ontem.
Quando ele identifica a necessidade de a sociedade americana retomar os valores básicos - "trabalho duro e honestidade, coragem e justiça, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo" -, coisas antigas, mas verdadeiras, está iniciando uma cruzada transformadora da sociedade americana, a volta aos conceitos básicos que fizeram o país ser a potência que é, embora em declínio.
Quando chama a atenção de todos para a necessidade de "uma nova era de responsabilidade", e faz mea-culpa em nome da sociedade, criticando "os fracos de coração", aqueles que preferem "o lazer ao trabalho, ou apenas a busca de prazeres e riquezas e fama", Obama está chamando os mais de 80% que hoje o apoiam a refazerem a História do país, admitindo que a crise em que se meteram - e meteram o mundo - é conseqüência da "ganância e da irresponsabilidade da parte de alguns, mas também um fracasso coletivo nosso em fazer escolhas difíceis e em preparar o país para uma nova era".
Talvez esteja aí o ponto central da transformação que significa a chegada ao poder de um político jovem e fora da tradição da pequena política de Washington: "o fim das discordâncias mesquinhas e das falsas promessas, das recriminações e dos dogmas gastos", mas, sobretudo, uma nova visão multilateral do mundo e da importância da tecnologia para forjar o futuro. "Vamos restaurar a ciência a seu lugar de direito e utilizar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade dos serviços de saúde e reduzir seu custo. Vamos manipular a energia solar e dos ventos e da terra para abastecer nossos carros e dirigir nossas fábricas. E vamos transformar nossas escolas e faculdades e universidades para atender às demandas de uma nova era".
Mesmo sem negar o "poder de gerar riqueza e expandir a liberdade sem iguais" do mercado financeiro, Obama salientou que a crise mostrou que, "sem um olhar vigilante, o mercado pode sair de controle - e que um país não pode prosperar quando favorece apenas os prósperos".
Mesmo quando abordou o tema delicado da segurança nacional contra o terrorismo, que tanta margem deu para que abusos oficiais fossem cometidos a partir dos atentados do 11 de Setembro, Obama não tergiversou: "Para nossa defesa comum, rejeitamos a falsa escolha entre nossa segurança ou nossos ideais".
Consciente de que os olhos do mundo estavam voltados para seu pronunciamento, Obama mandou um recado firme, de que está preparado para "liderar novamente": os Estados Unidos são "amigos de todas as nações e de cada homem, mulher e criança que busque um futuro de paz e dignidade".
Ao defender a expansão das alianças "com velhos amigos e antigos inimigos", lembrou que gerações anteriores derrotaram "o fascismo e o comunismo, não apenas com tanques e mísseis, mas com alianças vigorosas e convicções duradouras".
E, como a salientar que o poder hegemônico dos Estados Unidos nunca deveria ter sido imposto, relembrou que os antepassados entenderam que, como hoje, "nosso poder sozinho não pode nos proteger, nem nos dá direito a fazer o que quisermos. Ao contrário, eles sabiam que nosso poder cresce com seu uso prudente; nossa segurança emana da justeza de nossa causa, da força de nosso exemplo".
Obama foi também firme quando reafirmou a retirada das tropas do Iraque, entregando o país "de forma responsável" ao seu povo, e prometeu "forjar uma paz muito duramente conquistada no Afeganistão".
Mas mandou um aviso àqueles que "buscam fazer avançar suas metas pela indução ao terror e massacrando inocentes": "Nossa determinação é mais forte e não pode ser quebrada; vocês não podem nos esgotar, e vamos derrotar vocês".
Mesmo que tenha se anunciado um candidato "pós-racial", Obama não fugiu do tema em seu discurso de posse. Ao contrário, homenageou os que sentiram "o estalar do chicote", disse que "a colcha de retalhos de nossa herança é uma força, não uma fraqueza" e "porque experimentamos o gosto amargo da guerra civil e da segregação, e emergimos daquele capítulo obscuro mais fortes e mais unidos, não podemos evitar acreditar que os velhos ódios um dia vão passar".
Mandou um recado para o mundo muçulmano, "um caminho baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo". E encerrou com uma visão dos direitos humanos do mundo, a la Jimmy Carter, chamando a atenção daqueles que "se agarram ao poder através da corrupção e da mentira e silenciando dissidentes, saibam que vocês estão do lado errado da história; mas que estenderemos a mão a vocês se estiverem dispostos a abrirem os punhos".
Um discurso à altura da expectativa do novo papel dos Estados Unidos no mundo, de quem se recusa a abrir mão da liderança mundial, mas a quer como reconhecimento da importância do país, uma imposição dos valores e dos ideais, e não da força.
DEU EM O GLOBO
WASHINGTON. Muito além da emoção que tomou conta da capital nos últimos dias e do sentimento de estar participando da História que cada uma das pessoas parece estar vivenciando, a chegada de um político como Barack Obama à Casa Branca significa uma mudança fundamental na maior potência do mundo, certamente por ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, mas, sobretudo, por representar um novo tipo de político, se acreditarmos, como acredito, que ele não é apenas um produto forjado por marqueteiros, ou um político bom de retórica, embora em certos momentos sua busca do consenso justifique concessões que podem significar mais fraqueza do que grandeza política. Mas isso veremos no decorrer do mandato.
É nesse contexto que seu discurso de posse, embora não tenha nenhuma frase de impacto, tem uma visão grandiosa de sua tarefa e do mundo que, por si só, já justifica o sentimento de esperança que se renovou durante o dia de ontem.
Quando ele identifica a necessidade de a sociedade americana retomar os valores básicos - "trabalho duro e honestidade, coragem e justiça, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo" -, coisas antigas, mas verdadeiras, está iniciando uma cruzada transformadora da sociedade americana, a volta aos conceitos básicos que fizeram o país ser a potência que é, embora em declínio.
Quando chama a atenção de todos para a necessidade de "uma nova era de responsabilidade", e faz mea-culpa em nome da sociedade, criticando "os fracos de coração", aqueles que preferem "o lazer ao trabalho, ou apenas a busca de prazeres e riquezas e fama", Obama está chamando os mais de 80% que hoje o apoiam a refazerem a História do país, admitindo que a crise em que se meteram - e meteram o mundo - é conseqüência da "ganância e da irresponsabilidade da parte de alguns, mas também um fracasso coletivo nosso em fazer escolhas difíceis e em preparar o país para uma nova era".
Talvez esteja aí o ponto central da transformação que significa a chegada ao poder de um político jovem e fora da tradição da pequena política de Washington: "o fim das discordâncias mesquinhas e das falsas promessas, das recriminações e dos dogmas gastos", mas, sobretudo, uma nova visão multilateral do mundo e da importância da tecnologia para forjar o futuro. "Vamos restaurar a ciência a seu lugar de direito e utilizar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade dos serviços de saúde e reduzir seu custo. Vamos manipular a energia solar e dos ventos e da terra para abastecer nossos carros e dirigir nossas fábricas. E vamos transformar nossas escolas e faculdades e universidades para atender às demandas de uma nova era".
Mesmo sem negar o "poder de gerar riqueza e expandir a liberdade sem iguais" do mercado financeiro, Obama salientou que a crise mostrou que, "sem um olhar vigilante, o mercado pode sair de controle - e que um país não pode prosperar quando favorece apenas os prósperos".
Mesmo quando abordou o tema delicado da segurança nacional contra o terrorismo, que tanta margem deu para que abusos oficiais fossem cometidos a partir dos atentados do 11 de Setembro, Obama não tergiversou: "Para nossa defesa comum, rejeitamos a falsa escolha entre nossa segurança ou nossos ideais".
Consciente de que os olhos do mundo estavam voltados para seu pronunciamento, Obama mandou um recado firme, de que está preparado para "liderar novamente": os Estados Unidos são "amigos de todas as nações e de cada homem, mulher e criança que busque um futuro de paz e dignidade".
Ao defender a expansão das alianças "com velhos amigos e antigos inimigos", lembrou que gerações anteriores derrotaram "o fascismo e o comunismo, não apenas com tanques e mísseis, mas com alianças vigorosas e convicções duradouras".
E, como a salientar que o poder hegemônico dos Estados Unidos nunca deveria ter sido imposto, relembrou que os antepassados entenderam que, como hoje, "nosso poder sozinho não pode nos proteger, nem nos dá direito a fazer o que quisermos. Ao contrário, eles sabiam que nosso poder cresce com seu uso prudente; nossa segurança emana da justeza de nossa causa, da força de nosso exemplo".
Obama foi também firme quando reafirmou a retirada das tropas do Iraque, entregando o país "de forma responsável" ao seu povo, e prometeu "forjar uma paz muito duramente conquistada no Afeganistão".
Mas mandou um aviso àqueles que "buscam fazer avançar suas metas pela indução ao terror e massacrando inocentes": "Nossa determinação é mais forte e não pode ser quebrada; vocês não podem nos esgotar, e vamos derrotar vocês".
Mesmo que tenha se anunciado um candidato "pós-racial", Obama não fugiu do tema em seu discurso de posse. Ao contrário, homenageou os que sentiram "o estalar do chicote", disse que "a colcha de retalhos de nossa herança é uma força, não uma fraqueza" e "porque experimentamos o gosto amargo da guerra civil e da segregação, e emergimos daquele capítulo obscuro mais fortes e mais unidos, não podemos evitar acreditar que os velhos ódios um dia vão passar".
Mandou um recado para o mundo muçulmano, "um caminho baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo". E encerrou com uma visão dos direitos humanos do mundo, a la Jimmy Carter, chamando a atenção daqueles que "se agarram ao poder através da corrupção e da mentira e silenciando dissidentes, saibam que vocês estão do lado errado da história; mas que estenderemos a mão a vocês se estiverem dispostos a abrirem os punhos".
Um discurso à altura da expectativa do novo papel dos Estados Unidos no mundo, de quem se recusa a abrir mão da liderança mundial, mas a quer como reconhecimento da importância do país, uma imposição dos valores e dos ideais, e não da força.
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