Obama não anunciou fórmulas novas, nem planos mirabolantes. Jogou suas fichas nos valores da democracia americana. Foram eles que possibilitaram a construção do “sonho americano”
Desejo muito boa sorte ao novo presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, cuja posse é um divisor de águas na história daquele país e da política mundial. Como ele mesmo disse, as crianças negras passarão a olhar as crianças brancas de outra maneira e as crianças brancas também olharão para as crianças negras de forma diferente. Um colega aqui da redação, tão veterano quanto eu, considera essa visão muito antropológica. Julga que eu deveria dar mais peso às contradições econômicas e sociais com as quais o mundo se depara. Digamos, ter um olhar “mais sociológico”. Não importa, vejo a posse de Obama na presidência dos Estados Unidos como um avanço civilizatório. O mundo mudou, os Estados Unidos também estão mudando, como o novo presidente dos EUA assinalou.
O declínio
Nossa civilização tem os seus fundamentos na Grécia Antiga e no Império Romano, cujos monumentos em ruínas e obras de arte são reverenciados por sua beleza estética e nos remetem a valores de Justiça e Democracia. Entretanto, a riqueza e o esplendor dessas civilizações não permitem maniqueísmo: foram fundados na guerra, na dominação de outros povos e no trabalho escravo. Também é bom lembrar que a decadência de Roma pôs fim à escravidão na Europa, mas também teceu uma cortina de obscurantismo e misticismo no Ocidente, que somente veio a ser rasgada por Cervantes com as aventuras de Dom Quixote.
Para os pessimistas, diante da realidade nua e crua da crise do capitalismo global e dos conflitos e guerras legados pelo unilateralismo de Bush, Obama é uma espécie de novo cavalheiro andante. Discordo, Obama não é um descuidado dos perigos que o cercam, embora seu discurso renovador dos Estados Unidos me lembre a fracassada pretensão de Mikhail Gorbatchov de democratizar o socialismo da antiga União Soviética e demais países do leste europeu. Será possível resgatar o legado moral da Independência e o chamado “sonho americano”? Ou o declínio dos Estados Unidos é irreversível? Prefiro acreditar na primeira hipótese, pois a contrapartida dessa crise de hegemonia não foi a desejada “governança mundial” sustentada no multilateralismo. É armadilha invisível do ódio fundamentalista e o choque de civilizações nas muralhas religiosas do Ocidente e do Oriente.
A esperança
Disse-nos Obama: “Nossa nação está bastante enfraquecida, uma consequência da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas também da nossa incapacidade coletiva de tomar decisões difíceis e preparar a nação para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos foram cortados; empresas destruídas. Nossa saúde é cara demais; nossas escolas deixam muitos para trás; e cada dia traz novas evidências de que a forma como usamos a energia fortalece nossos adversários e ameaça nosso planeta”. Estou entre aqueles que consideram a eleição do novo presidente dos Estados Unidos uma resposta do povo norte-americano a tudo isso que diagnosticou e ao status quo mundial, cujo maior símbolo é a crise de Wall Street.
No coração do capitalismo globalizado, o que se afirma é o compromisso com a liberdade política e uma nova relação de poder entre o Estado defensor do interesse comum e o mercado. Nada será como antes. Nem a desregulamentação dos mercados, nem a vertigem especulativa, nem a ganância dos lucros de curto prazo, nem a desarticulação entre os fluxos financeiros e as necessidades reais. “Aos povos das nações pobres: comprometemo-nos a trabalhar ao lado de vocês para que suas fazendas floresçam e águas limpas possam fluir; para alimentar corpos esfomeados e mentes famintas. E àquelas nações como a nossa, que gozam de relativa abundância, dizemos que não podemos mais aceitar a indiferença ao sofrimento fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem pensar nos efeitos disso. Pois o mundo mudou, e precisamos mudar junto com ele”, promete Obama.
A sorte de Obama está lançada. Ele aposta na força do povo que o elegeu para mudar a política e a economia de seu país e do mundo. É esse significado do que diz ao afirmar: “É a gentileza de socorrer um estranho quando um dique é destruído, a generosidade dos trabalhadores que aceitam reduzir sua jornada de trabalho para que um amigo não perca seu emprego, que nos fazem superar os piores momentos. É a coragem do bombeiro que atravessa uma escadaria cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai para criar um filho, que decidem afinal a nossa sorte”. Obama não anunciou fórmulas novas, nem planos mirabolantes. Jogou suas fichas nos valores da democracia americana, no trabalho e nas relações de solidariedade. Foram esses valores que possibilitaram a construção do “sonho americano” e a hegemonia do “americanismo” no mundo, muito mais do que o poderio econômico e militar, embora muitos dentro e fora dos EUA ainda pensem o contrário.
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