Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Os países ricos, ao fornecerem recursos via FMI para os pobres pagarem suas dívidas, protegem seus próprios bancos
A FINAL NÃO houve surpresas no comunicado oficial do G20. Os chefes de governo concordaram sobre três pontos: a) reconheceram que a crise originou-se na desregulação dos mercados financeiros e decidiram re-regular e aumentar a supervisão desses mercados a nível nacional e internacional, no segundo caso com a criação de uma nova instituição -o Conselho de Estabilidade Financeira; b) reconheceram que a crise bancária se transformou em uma crise de crédito e, em seguida, em uma crise de demanda e se comprometeram a aumentar o gasto fiscal; e c) decidiram aumentar os recursos das agências financeiras multilaterais, principalmente do FMI.
As duas primeiras orientações são consensuais. Em relação à primeira, o problema será o de definir o que e como regular. Ou a nova regulação proíbe a prática de inovações financeiras que aumentam a opacidade das operações e elevam seu nível de risco com o objetivo de aumentar sua rentabilidade ou de nada adiantará. Os governos também se dispõem a regular o sistema de incentivos aos financistas de forma que estes deixem de ser compensados por resultados no curto prazo que prejudicam os de longo prazo. Ótimo, como também excelente que decidam afinal limitar o espaço dos paraísos fiscais e a supervisionar as agências de risco. Vamos ver agora como cumprem o prometido.
Em relação às políticas fiscais expansionistas, também não há dúvida. O problema será saber o quanto caberá às reduções de impostos (que interessam os ricos) em comparação com o aumento de despesa e, em relação a estas, o quanto será destinado aos investimentos públicos (que interessam às empresas) e o quanto à despesa social (que interessa aos pobres).
Já o grande aumento dos recursos ao FMI está longe de ser consensual.Por que tomar essa decisão beneficiando uma organização que foi uma das responsáveis por essa crise ao estimular, em vez de refrear, os países em desenvolvimento a incorrer em déficits em conta corrente (a política de "crescimento com poupança externa") levando-os a repetidas crises de balanço de pagamento?
Confesso que minha pergunta é retórica, porque sei a resposta. Ela é pertinente porque não faz sentido premiar culpados, mas o problema aqui é outro: é proteger os bancos internacionais que não se limitaram a especular com inovações financeiras -também emprestaram irresponsavelmente a países em desenvolvimento. Depois da sucessão de crises de balanço de pagamentos que enfrentaram nos anos 1990, muitos países aprenderam a não incorrer em déficits em conta corrente. Houve, entretanto, alguns desavisados que incorreram em grandes déficits e agora estão quebrados.
É preciso, portanto, socorrê-los.
Mas socorrer especificamente quem? São mesmo os países ou são os maravilhosos bancos dos países ricos que financiaram esses déficits ou essa política de crescimento com poupança externa? Para alguns países em desenvolvimento, pode ser preferível o socorro à quebra, mas, para outros, a moratória branca e a obtenção de um substancial desconto seria preferível.Para os países ricos, porém, não há dúvida de que fortalecer o capital do FMI é necessário.
Dessa forma, aparentarão estarem protegendo os pobres, mas, na verdade, ao lhes fornecer recursos para pagarem suas dívidas, estarão protegendo seus próprios bancos -aqueles bancos arrogantes e seus economistas ainda mais arrogantes que, até há pouco, ensinavam ao mundo os princípios da racionalidade econômica.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Os países ricos, ao fornecerem recursos via FMI para os pobres pagarem suas dívidas, protegem seus próprios bancos
A FINAL NÃO houve surpresas no comunicado oficial do G20. Os chefes de governo concordaram sobre três pontos: a) reconheceram que a crise originou-se na desregulação dos mercados financeiros e decidiram re-regular e aumentar a supervisão desses mercados a nível nacional e internacional, no segundo caso com a criação de uma nova instituição -o Conselho de Estabilidade Financeira; b) reconheceram que a crise bancária se transformou em uma crise de crédito e, em seguida, em uma crise de demanda e se comprometeram a aumentar o gasto fiscal; e c) decidiram aumentar os recursos das agências financeiras multilaterais, principalmente do FMI.
As duas primeiras orientações são consensuais. Em relação à primeira, o problema será o de definir o que e como regular. Ou a nova regulação proíbe a prática de inovações financeiras que aumentam a opacidade das operações e elevam seu nível de risco com o objetivo de aumentar sua rentabilidade ou de nada adiantará. Os governos também se dispõem a regular o sistema de incentivos aos financistas de forma que estes deixem de ser compensados por resultados no curto prazo que prejudicam os de longo prazo. Ótimo, como também excelente que decidam afinal limitar o espaço dos paraísos fiscais e a supervisionar as agências de risco. Vamos ver agora como cumprem o prometido.
Em relação às políticas fiscais expansionistas, também não há dúvida. O problema será saber o quanto caberá às reduções de impostos (que interessam os ricos) em comparação com o aumento de despesa e, em relação a estas, o quanto será destinado aos investimentos públicos (que interessam às empresas) e o quanto à despesa social (que interessa aos pobres).
Já o grande aumento dos recursos ao FMI está longe de ser consensual.Por que tomar essa decisão beneficiando uma organização que foi uma das responsáveis por essa crise ao estimular, em vez de refrear, os países em desenvolvimento a incorrer em déficits em conta corrente (a política de "crescimento com poupança externa") levando-os a repetidas crises de balanço de pagamento?
Confesso que minha pergunta é retórica, porque sei a resposta. Ela é pertinente porque não faz sentido premiar culpados, mas o problema aqui é outro: é proteger os bancos internacionais que não se limitaram a especular com inovações financeiras -também emprestaram irresponsavelmente a países em desenvolvimento. Depois da sucessão de crises de balanço de pagamentos que enfrentaram nos anos 1990, muitos países aprenderam a não incorrer em déficits em conta corrente. Houve, entretanto, alguns desavisados que incorreram em grandes déficits e agora estão quebrados.
É preciso, portanto, socorrê-los.
Mas socorrer especificamente quem? São mesmo os países ou são os maravilhosos bancos dos países ricos que financiaram esses déficits ou essa política de crescimento com poupança externa? Para alguns países em desenvolvimento, pode ser preferível o socorro à quebra, mas, para outros, a moratória branca e a obtenção de um substancial desconto seria preferível.Para os países ricos, porém, não há dúvida de que fortalecer o capital do FMI é necessário.
Dessa forma, aparentarão estarem protegendo os pobres, mas, na verdade, ao lhes fornecer recursos para pagarem suas dívidas, estarão protegendo seus próprios bancos -aqueles bancos arrogantes e seus economistas ainda mais arrogantes que, até há pouco, ensinavam ao mundo os princípios da racionalidade econômica.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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