Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Uma imagem desta crise é a da moça da propaganda de Lula, a pedir na TV que o povo compre tanquinhos com IPI menor
OS PELO MENOS quarentões talvez se recordem de cenas da crise social que deu cabo da ditadura. O tumulto começou com greves em 1978-79. Mas ficou crítico em 1983. No final do ano, o PT organizaria o primeiro comício pelas diretas em São Paulo (onde andariam Delúbio Soares e cia.? Naquele tempo, o PT dizia se financiar vendendo estrelinhas do PT e camisetas). A CUT foi fundada em 1983. Também em 1983 houve enchente mortífera em Santa Catarina, que recebeu ajuda do país inteiro, evidência então muito alardeada do "espírito cristão de solidariedade do brasileiro", ou algo assim. Negros apareciam na TV apenas como domésticos, escravos, presidiários, sambistas ou atletas.
Havia muito incêndio conveniente em favelas de regiões chiques de São Paulo. Os novos sem-teto eram então banidos para as periferias.
Havia grandes greves e manifestações de rua, escaramuças com a polícia, "revolta da classe média pauperizada", "novo sindicalismo" e até muito estudante de esquerda. Ainda havia "alertas de setores duros das Forças Armadas" (o ditador-general, João Figueiredo, diria em rede nacional de TV, no fim do ano, que "Diretas-Já" era subversão). Houve o calote da dívida externa ("moratória", dizia-se). Havia essas obviedades todas de crises do passado.Ficaram na memória os pequenos acampamentos de desempregados. Eram tendas precárias, de plástico preto, como as "ocupações" do MST antes de o movimento "profissionalizar a gestão" (arrumar grana). As barraquinhas cobriam umas pessoas magrinhas, esfarrapadas e sem banho, que comiam alguma coisa indistinguível em latas vazias de sardinha, recicladas como tigelas.Havia barracas no Ibirapuera, diante da Assembleia Legislativa, e perto do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. O Bandeirantes quase foi invadido por desempregados logo no início do governo de Franco Montoro, da facção do PMDB que viria a ser o tucanato. Na eleição de 1982, Montoro bateu Lula, que então gostava de dizer que não era comunista ou "ista" de qualquer espécie, mas torneiro mecânico (era verdade, né?). José Serra era secretário da Fazenda de Montoro.
Aquilo é que era crise. De 1981 a 1983, o PIB per capita caiu 13%, a maior tragédia desde o tempo em que se sabe o que é PIB. A inflação ficava entre 100% e 250% ao ano.A crise de agora nem parece uma. De 2006 a 2008, a renda per capita cresceu 10%. Em vez de calotear, o país é credor em dólares. FHC e Lula vacinaram o país contra revoltas virulentas.
Criaram uma "rede de proteção social" ("Bolsas" e afins), sugestão do "Consenso de Washington" para amortecer choques advindos de liberalizações, "reformas", crises e outros eventos que desencadeiem ameaças à ordem. Funcionou.
Até agora, uma imagem vívida que fica desta crise é a da moça negra que aparece numa propaganda de Lula na TV. Ela diz que o governo baixou o imposto do tanquinho e do fogão; que é para todo mundo consumir e espantar a crise. Mas não há oposição. Não há greves ou protestos, aqui ou alhures. A CUT aliou-se a quem chamava de pelegos e é pelego do governo Lula. As centrais sindicais administram demissões com as empresas. Uma enchente assassina mata nordestinos. Ninguém liga muito.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Uma imagem desta crise é a da moça da propaganda de Lula, a pedir na TV que o povo compre tanquinhos com IPI menor
OS PELO MENOS quarentões talvez se recordem de cenas da crise social que deu cabo da ditadura. O tumulto começou com greves em 1978-79. Mas ficou crítico em 1983. No final do ano, o PT organizaria o primeiro comício pelas diretas em São Paulo (onde andariam Delúbio Soares e cia.? Naquele tempo, o PT dizia se financiar vendendo estrelinhas do PT e camisetas). A CUT foi fundada em 1983. Também em 1983 houve enchente mortífera em Santa Catarina, que recebeu ajuda do país inteiro, evidência então muito alardeada do "espírito cristão de solidariedade do brasileiro", ou algo assim. Negros apareciam na TV apenas como domésticos, escravos, presidiários, sambistas ou atletas.
Havia muito incêndio conveniente em favelas de regiões chiques de São Paulo. Os novos sem-teto eram então banidos para as periferias.
Havia grandes greves e manifestações de rua, escaramuças com a polícia, "revolta da classe média pauperizada", "novo sindicalismo" e até muito estudante de esquerda. Ainda havia "alertas de setores duros das Forças Armadas" (o ditador-general, João Figueiredo, diria em rede nacional de TV, no fim do ano, que "Diretas-Já" era subversão). Houve o calote da dívida externa ("moratória", dizia-se). Havia essas obviedades todas de crises do passado.Ficaram na memória os pequenos acampamentos de desempregados. Eram tendas precárias, de plástico preto, como as "ocupações" do MST antes de o movimento "profissionalizar a gestão" (arrumar grana). As barraquinhas cobriam umas pessoas magrinhas, esfarrapadas e sem banho, que comiam alguma coisa indistinguível em latas vazias de sardinha, recicladas como tigelas.Havia barracas no Ibirapuera, diante da Assembleia Legislativa, e perto do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. O Bandeirantes quase foi invadido por desempregados logo no início do governo de Franco Montoro, da facção do PMDB que viria a ser o tucanato. Na eleição de 1982, Montoro bateu Lula, que então gostava de dizer que não era comunista ou "ista" de qualquer espécie, mas torneiro mecânico (era verdade, né?). José Serra era secretário da Fazenda de Montoro.
Aquilo é que era crise. De 1981 a 1983, o PIB per capita caiu 13%, a maior tragédia desde o tempo em que se sabe o que é PIB. A inflação ficava entre 100% e 250% ao ano.A crise de agora nem parece uma. De 2006 a 2008, a renda per capita cresceu 10%. Em vez de calotear, o país é credor em dólares. FHC e Lula vacinaram o país contra revoltas virulentas.
Criaram uma "rede de proteção social" ("Bolsas" e afins), sugestão do "Consenso de Washington" para amortecer choques advindos de liberalizações, "reformas", crises e outros eventos que desencadeiem ameaças à ordem. Funcionou.
Até agora, uma imagem vívida que fica desta crise é a da moça negra que aparece numa propaganda de Lula na TV. Ela diz que o governo baixou o imposto do tanquinho e do fogão; que é para todo mundo consumir e espantar a crise. Mas não há oposição. Não há greves ou protestos, aqui ou alhures. A CUT aliou-se a quem chamava de pelegos e é pelego do governo Lula. As centrais sindicais administram demissões com as empresas. Uma enchente assassina mata nordestinos. Ninguém liga muito.
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