A doença da candidata oficial de Lula à sua sucessão, ministra Dilma Rousseff, trouxe novamente à baila nos meios políticos a discussão sobre o terceiro mandato consecutivo, tema que vem sendo tratado nos bastidores por políticos governistas, especialmente do PMDB e do PT, mas que foi defendido publicamente por políticos do PTB, como o famigerado Roberto Jefferson, ou o ex-presidente Fernando Collor. Não parece haver uma combinação entre os dois fatos, a não ser o interesse comum de continuar no poder a reboque da popularidade de Lula. Lançar um balão de ensaio com a ajuda de tais lideranças do PTB seria no mínimo a confissão de tremenda inabilidade política.
Mas o fato é que a base política do governo, que conta com cerca de 15 partidos, começa a se desintegrar com a fragilidade da candidatura de Dilma Rousseff, e busca como tábua de salvação ressuscitar a tese da permanência de Lula no governo por mais um mandato.
Além das dificuldades políticas de aprovação de uma emenda constitucional tão polêmica em prazo tão curto — até setembro deste ano — há também o peso da decisão do próprio presidente Lula, a quem caberá papel fundamental: mostrar-se como um líder político com visão histórica, que faz a diferença na América Latina, ou igualar-se a Hugo Chávez, na Venezuela, e Álvaro Uribe, na Colômbia, nessa onda de reeleição eterna que domina a região.
O americano Dick Morris, um dos maiores especialistas em marketing político, divide os políticos em “idealistas inteligentes” ou “demagogos” em seu livro “O novo príncipe”, publicado em 2004.
Os “idealistas inteligentes” seriam aqueles dirigentes que, tendo uma visão para o futuro do país que comandam, conseguem comunicá-la ao eleitorado.
Ao contrário, o “demagogo” não tem uma visão política, mas apenas o objetivo de manipular o eleitorado, ampliando seu poder.
O presidente Lula, no entanto, volta e meia defende a escolha de Chávez alegando, entre outras coisas, que ninguém reclama quando políticos conservadores como Margareth Thatcher ficam no poder durante vários governos.
Ele chegou a fazer esse mesmo comentário com líderes europeus com quem se encontrou recentemente.
O sociólogo Francisco Weffort ressalta que a confusão entre parlamentarismo e presidencialismo não tem razão de ser.
“O mandato do primeiroministro não tem prazo fixo, depende de sua sustentação no Parlamento, a qual, por sua vez, depende dos êxitos de sua política, que pode durar pouco tempo ou muitos anos. Lula talvez nem saiba dessa diferença entre os dois regimes. Mas os europeus devem saber”, ironiza.
O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, do Rio, acha que o desejo de se reeleger “é uma constante universal da política”: “Em geral, os políticos querem sempre ou se reeleger ou retornar ao poder no primeiro momento possível”, analisa.
As consequências de tal ambição, no entanto, “podem ser funestas ou boas, dependendo das circunstâncias. A reeleição pode ser boa ao aumentar o horizonte de tempo de formulação e implementação das políticas governamentais e ao gerar incentivos para que os governantes tentem realizar, pelo menos, um bom primeiro mandato (de modo que consigam um segundo).
A ambição de reeleger-se ou de voltar ao poder pode ser deletéria quando leva a um oportunismo sem limites e ao abuso da máquina pública”.
É caso raro na História política o de George Washington, que cumpriu um mandato de presidente nos Estados Unidos e, embora podendo se recandidatar sem limitações pela lei de então, retirou-se para sua fazenda, num gesto considerado de “grande estadista”.
Nos Estados Unidos, a possibilidade de reeleição indefinida acabou após a morte de Franklin Roosevelt, em 1945, quando exercia o quarto mandato seguido.
Apenas a França, entre os países democráticos desenvolvidos, permite a reeleição indefinida de presidentes, aprovada, aliás, da mesma maneira como Chávez fez na Venezuela, e como Uribe ainda quer na Colômbia: por meio de referendo, convocado em 2000 pelo então presidente, Jacques Chirac.
A proposta de reduzir o mandato de sete para cinco anos, com direito à reeleição direta indefinida, venceu por maioria esmagadora dos votos, mas apenas 30% dos eleitores foram às urnas.
Francisco Weffort não crê em apoio internacional a um possível terceiro mandato de Lula, mas também não vê por que muita gente deveria se opor. “A posição dos europeus (e americanos) a respeito vai depender de como a coisa sair no Brasil. Se Lula realmente quiser o terceiro mandato, vai ter que fazer uma campanha. Pode-se supor, aliás, que a campanha não vai ser fácil, não vai encontrar uma avenida aberta à sua frente para um desfile previamente vitorioso”.
Se houver resistência expressiva aqui ao terceiro mandato, Weffort não crê que nenhum dos líderes internacionais vá querer tocar no assunto: “A única exceção será o Chávez”.
Octavio Amorim Neto analisa que o desejo de voltar à Presidência em 1965 “levou JK a apoiar Lott, um candidato fraco à sua sucessão em 1960, o que contribuiu para a eleição de um irresponsável como Jânio Quadros, o qual levou o país a uma seriíssima crise política”.
Ao fim e ao cabo, diz ele, “as manobras de JK para voltar em 1965 estão na raiz do golpe de 1964 e da sua posterior cassação pelos militares”.
Amorim Neto lembra que, na ocasião, Tancredo Neves disse que “nada mais parecido com a ingenuidade do que a esperteza levada ao extremo”.
Para ele, seria bom que Lula se lembre do fracasso de JK e da frase de Tancredo.
Na coluna de ontem, por um lapso, chamei o presidente da França, Nicolas Sarkozy, de primeiro-ministro.
O trecho da coluna de ontem com os detalhes técnicos sobre o referendo para permitir ao presidente Álvaro Uribe disputar um terceiro mandato consecutivo na Colômbia foi retirado de uma análise política do site do PCdoB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário