No Fórum Direito e Cidadania, importante subdivisão do governo federal formada pelos ministros que executam políticas públicas da área social, a presidente Dilma Rousseff surpreendeu, ontem, pela presença inesperada mas, sobretudo, pelo conteúdo de sua intervenção. Em recado claro que não deixou a menor sombra de dúvida, a presidente pediu atenção do governo à nova classe média, que teria subido a esse patamar nos anos recentes, e junto com ela uma extensão desse cuidado à classe média tradicional.
"O governo tem que falar para todos. Somos doutores em agir e falar para os pobres. Tivemos muito sucesso, no governo Lula, com as políticas voltadas para os excluídos. Mas nós fizemos surgir a nova classe média. Temos, também, a classe média tradicional. Precisamos falar para todos, para toda a sociedade". Sem isso, crê a presidente, não estará também governando para todos.
A presidente apontou a essência do que, segundo seu pensamento, deve estar no novo discurso: "Temos que fazer este diálogo falando de valores. Valores referentes à cultura, aos diretos humanos, ao meio ambiente, os valores sociais".
A presidente citou aos ministros já ter ouvido dizer, a respeito do governo que vêm fazendo, o seguinte: "eles promoveram essa nova classe média, que os derrotará mais adiante porque é uma classe média conservadora, como a classe média tradicional".
Seja o que for, é um extenso segmento que não pode ficar à margem. "Queremos - disse aos ministros - falar a essa nova classe média e também à tradicional, e faremos isso falando de valores caros à sociedade".
Ela chamou a atenção dos ministros para que reflitam como o governo falará desses valores e o que poderá fazer. A presidente se alongou em considerações sobre alguns caminhos. A questão ambiental, por exemplo. Pediu que estudem como o governo poderá promover o desenvolvimento sustentável, como melhorar a qualidade de vida desse estrato social.
Referiu-se aos desastres naturais ocorridos no Rio, no Paraná, em Santa Catarina, onde as intensas chuvas arrasaram comunidades inteiras, para mostrar como é importante falar a essa classe média, sempre.
A Amazônia foi outro tema destacado por Dilma. Segundo disse a presidente, "pode parecer algo distante das pessoas", mas está mais próxima do que podem todos imaginar.
Ainda no plano dos exemplos do que vêm a ser esses valores, especialmente relacionados ao cotidiano, a presidente mencionou a qualidade dos eletrodomésticos, o nível de ruído com o qual é possível conviver, enfim, conclamou o governo a adequar-se aos temas da nova classe média de um Brasil moderno e um governo antenado com a sociedade: a cultura, o meio ambiente, os direitos humanos, a defesa do consumidor.
Os ministros, as ministras, integrantes desse fórum, mostraram estar um passo atrás da presidente nessas reflexões e discursaram sobre os direitos e cidadania apenas do ponto de vista dos excluídos. A presidente quer mais e a atualização do seu discurso surpreendeu. Registrou que, nessa questão - a dos excluídos - são doutores, vão continuar agindo, mas não pode o governo continuar falando apenas a uma parte da sociedade.
Não apenas para atualizar o discurso do governo, reciclar seus planos, modernizar seu pensamento, mas, e chega-se então a um ponto motivador, para não serem atropelados na próxima campanha eleitoral por temas e demandas de cuja existência não faziam ideia.
Nesse momento a presidente já havia dado o recado e tinha saído da sala, mas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que participou da direção de sua campanha à Presidência da República, acabou revelando, com uma intervenção no fórum, complementar ao discurso da presidente, o quanto os temas explorados no embate eleitoral foram inesperados e chocaram.
"Ouvi o que a presidente falou, vamos ter que olhar essas questões, dialogar com esses segmentos que têm determinados valores aos quais às vezes não damos atenção", disse Cardozo. Depois, acrescentou, quando vem a época de eleição, a campanha apresenta um nível alto de radicalismo, de ira, todos levam um susto, não sabem a que atribuir e ficam atemorizados a um canto do ringue. Foi a essência de sua manifestação.
O governo, como se nota, não quer ficar encurralado nas campanhas de 2012, mais próxima, e menos ainda na de 2014. As preocupações externadas agora denotam o quanto incomodou a presidente a discussão de temas inesperados e tratados equivocadamente em linguagem de palanque, como o aborto, a religião, o meio ambiente, a saúde. Todos se sentiram despreparados.
Outro assunto no qual a campanha de Dilma claudicou e mostrou-se desequipada foram os direitos humanos. Ressentiu-se a presidente de ter passado superficialmente por um assunto que deveria ser discutido no seu sentido amplo, e não restrito, como ficou, a questões relacionadas à violência, às drogas, ao banditismo, ao tráfico. Devem ser tratados pelo governo no sentido lato, também, o complexo tema da religião.
É à nova classe média que a presidente está vinculando essas demandas. Falou também sobre o assunto, no fórum, o ministro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que foi coordenador geral da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o que consolida a forte impressão do grupo sobre a falta de instrumentos para dialogar com a sociedade sobre as questões levantadas por Dilma.
O governo conhece pesquisas que apontam ser essa nova classe média, para a qual a presidente pede atenção e projetos do governo, tão ou mais conservadora que a classe média qualificada como tradicional. É com base em seus valores que a presidente pretende estabelecer um diálogo.
O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, está à beira de dar-se por impedido de tratar das negociações da Vale com o governo Dilma Rousseff. Senador pelo PMDB, com campanhas eleitorais sucessivas no Maranhão, expoente do grupo de apadrinhados do presidente do Senado, José Sarney, clã político da região e circunvizinhança, o ministro tem sua base onde a presença política e promoção eleitoral da direção da Vale é intensa. Começa a ver tolhida a possibilidade de uma ação disciplinadora mais firme.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
"O governo tem que falar para todos. Somos doutores em agir e falar para os pobres. Tivemos muito sucesso, no governo Lula, com as políticas voltadas para os excluídos. Mas nós fizemos surgir a nova classe média. Temos, também, a classe média tradicional. Precisamos falar para todos, para toda a sociedade". Sem isso, crê a presidente, não estará também governando para todos.
A presidente apontou a essência do que, segundo seu pensamento, deve estar no novo discurso: "Temos que fazer este diálogo falando de valores. Valores referentes à cultura, aos diretos humanos, ao meio ambiente, os valores sociais".
A presidente citou aos ministros já ter ouvido dizer, a respeito do governo que vêm fazendo, o seguinte: "eles promoveram essa nova classe média, que os derrotará mais adiante porque é uma classe média conservadora, como a classe média tradicional".
Seja o que for, é um extenso segmento que não pode ficar à margem. "Queremos - disse aos ministros - falar a essa nova classe média e também à tradicional, e faremos isso falando de valores caros à sociedade".
Ela chamou a atenção dos ministros para que reflitam como o governo falará desses valores e o que poderá fazer. A presidente se alongou em considerações sobre alguns caminhos. A questão ambiental, por exemplo. Pediu que estudem como o governo poderá promover o desenvolvimento sustentável, como melhorar a qualidade de vida desse estrato social.
Referiu-se aos desastres naturais ocorridos no Rio, no Paraná, em Santa Catarina, onde as intensas chuvas arrasaram comunidades inteiras, para mostrar como é importante falar a essa classe média, sempre.
A Amazônia foi outro tema destacado por Dilma. Segundo disse a presidente, "pode parecer algo distante das pessoas", mas está mais próxima do que podem todos imaginar.
Ainda no plano dos exemplos do que vêm a ser esses valores, especialmente relacionados ao cotidiano, a presidente mencionou a qualidade dos eletrodomésticos, o nível de ruído com o qual é possível conviver, enfim, conclamou o governo a adequar-se aos temas da nova classe média de um Brasil moderno e um governo antenado com a sociedade: a cultura, o meio ambiente, os direitos humanos, a defesa do consumidor.
Os ministros, as ministras, integrantes desse fórum, mostraram estar um passo atrás da presidente nessas reflexões e discursaram sobre os direitos e cidadania apenas do ponto de vista dos excluídos. A presidente quer mais e a atualização do seu discurso surpreendeu. Registrou que, nessa questão - a dos excluídos - são doutores, vão continuar agindo, mas não pode o governo continuar falando apenas a uma parte da sociedade.
Não apenas para atualizar o discurso do governo, reciclar seus planos, modernizar seu pensamento, mas, e chega-se então a um ponto motivador, para não serem atropelados na próxima campanha eleitoral por temas e demandas de cuja existência não faziam ideia.
Nesse momento a presidente já havia dado o recado e tinha saído da sala, mas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que participou da direção de sua campanha à Presidência da República, acabou revelando, com uma intervenção no fórum, complementar ao discurso da presidente, o quanto os temas explorados no embate eleitoral foram inesperados e chocaram.
"Ouvi o que a presidente falou, vamos ter que olhar essas questões, dialogar com esses segmentos que têm determinados valores aos quais às vezes não damos atenção", disse Cardozo. Depois, acrescentou, quando vem a época de eleição, a campanha apresenta um nível alto de radicalismo, de ira, todos levam um susto, não sabem a que atribuir e ficam atemorizados a um canto do ringue. Foi a essência de sua manifestação.
O governo, como se nota, não quer ficar encurralado nas campanhas de 2012, mais próxima, e menos ainda na de 2014. As preocupações externadas agora denotam o quanto incomodou a presidente a discussão de temas inesperados e tratados equivocadamente em linguagem de palanque, como o aborto, a religião, o meio ambiente, a saúde. Todos se sentiram despreparados.
Outro assunto no qual a campanha de Dilma claudicou e mostrou-se desequipada foram os direitos humanos. Ressentiu-se a presidente de ter passado superficialmente por um assunto que deveria ser discutido no seu sentido amplo, e não restrito, como ficou, a questões relacionadas à violência, às drogas, ao banditismo, ao tráfico. Devem ser tratados pelo governo no sentido lato, também, o complexo tema da religião.
É à nova classe média que a presidente está vinculando essas demandas. Falou também sobre o assunto, no fórum, o ministro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que foi coordenador geral da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o que consolida a forte impressão do grupo sobre a falta de instrumentos para dialogar com a sociedade sobre as questões levantadas por Dilma.
O governo conhece pesquisas que apontam ser essa nova classe média, para a qual a presidente pede atenção e projetos do governo, tão ou mais conservadora que a classe média qualificada como tradicional. É com base em seus valores que a presidente pretende estabelecer um diálogo.
O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, está à beira de dar-se por impedido de tratar das negociações da Vale com o governo Dilma Rousseff. Senador pelo PMDB, com campanhas eleitorais sucessivas no Maranhão, expoente do grupo de apadrinhados do presidente do Senado, José Sarney, clã político da região e circunvizinhança, o ministro tem sua base onde a presença política e promoção eleitoral da direção da Vale é intensa. Começa a ver tolhida a possibilidade de uma ação disciplinadora mais firme.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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