No emaranhado de notícias sobre as crises que cercam o mundo de hoje - clima, uso insustentável de recursos naturais, economia europeia - sobrevêm informações que despertam a esperança de que, apesar de tudo, se possa caminhar. Ou, pelo menos, definir - como nas discussões sobre a Conferência Rio+20 - rumos mais adequados.
Pode-se começar pela notícia (Estado, 24/3) de que a Fundação Getúlio Vargas-São Paulo passará a calcular o índice de Felicidade Interna Bruta, mais amplo que o de evolução do produto interno bruto (PIB), restrito a fatores econômicos, e que passará a ser apenas um dos componentes do novo índice, ao lado dos valores e custos ambientais, gastos com segurança pública, desastres naturais e outros. É um avanço importante. Desde a década de 1990, pelas mesmas razões, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vem calculando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que inclui a esperança de vida ao nascer, taxas de alfabetização de adultos e de matrículas no ensino, ao lado do PIB per capita.
Há pouco tempo o presidente da França encarregou uma comissão integrada pelos Prêmios Nobel Amartya Sen e Joseph Stiglitz, entre outros cientistas, de propor novo índice para medir o desenvolvimento que inclua esses novos fatores, a eles acrescentando o valor do trabalho doméstico, principalmente das mulheres, o valor do trabalho informal e outros. São caminhos para incorporar às políticas públicas ângulos que ficam de fora quando se dá prevalência absoluta a fatores apenas econômicos. Agora, divulga-se também (Folha de S.Paulo, 2/4) que a própria ONU "começa a implementar resolução que busca um "padrão holístico" para medir o desenvolvimento dos países", capaz de também de "mensurar a felicidade e o bem-estar dos povos". O tema será discutido na Rio+20, inclusive por Stiglitz. Brice Lalonde, secretário executivo da conferência, pensa que ali será adotado um mandato de três anos para que a ONU defina indicadores alternativos ao PIB que incluam o peso dos impactos naturais.
Certamente não será fácil nem simples definir como valorar recursos e serviços naturais, incluí-los nas contabilidades nacionais e internacionais, estabelecer critérios para cobrar o custo de impactos nessa área, dizer quem vai pagá-los - cada país, cada empresa, cada pessoa? O exemplo da tentativa europeia de taxas as emissões geradas na aviação e na navegação marítima é muito indicativo: onde se taxará - no país de origem, no destino ou nos países intermediários? Pode-se avançar também para o campo do comércio exterior: onde taxar as emissões geradas pela produção de bens exportados - no país de origem dos recursos ou nos países de destino, consumidores?
Ao que parece, os organizadores da Rio+20 esperam que ao final dos debates se produzam "pelo menos" quatro relatórios "de destaque" (Instituto Akatu, 3/4): uma carta oficial de compromissos dos países com o desenvolvimento sustentável; recomendações da sociedade civil aos governos; ações que possam ser assumidas pelos governos, empresas e cidadãos; e a lista de intenções e metas de desenvolvimento de cada país para seu âmbito interno - tal como enunciou a secretária do Ministério do Meio Ambiente Samyra Crespo.
Se os princípios em discussão chegarem à prática, encontrarão panoramas difíceis, como o apontado pelo professor Ricardo Abramovay, da USP, segundo quem "a extração de recursos da superfície terrestre cresceu oito vezes durante o século 20, atingindo um total de 60 bilhões de toneladas anuais, considerando apenas o peso físico de quatro elementos: minérios, materiais de construção, combustíveis fósseis e biomassa" (Eco 21, fevereiro/2012). Insustentável. É o que começam a dizer tantos economistas sobre a finitude dos recursos materiais. Pelo mesmo caminho, diz o Instituto Carbono Brasil (Fabiano Ávila, 30/3), o aumento do PIB dos países emergentes tem ocorrido com "exploração abusiva da biodiversidade e dos recursos minerais". No caso brasileiro, ao aumento de 34% no PIB entre 1990 e 2008 teria correspondido um queda de 46% no "capital natural" no mesmo período. E acrescenta: "Se todos os fatores sociais, energéticos e manufaturados fossem levados em conta, o "crescimento real" do Brasil seria de apenas 3%". É a conclusão da Conferência Planeta sob Pressão, realizada em Londres.
Pena que num momento como este nossa presidente da República atribua a "fantasias" as críticas de vários setores à construção de hidrelétricas como Belo Monte e outras amazônicas e diga que essas elucubrações distantes da realidade não serão discutidas na Rio+20. Porque, na sua visão, as críticas partem de quem acredita que o desenvolvimento ocorrerá apenas com energia solar (abundante) e eólica (já a preços competitivos) - até porque, segundo ela, não é possível "estocar vento".
O ex-ministro professor José Goldemberg já considerou o discurso da presidente "um mau presságio" para a Rio+20. E tem razão. O que se esperava é que, numa conferência como essa, o governo discutisse a matriz energética nacional; estudos como o que produziram a Unicamp e o WWF já em 2006, mostrando que o País pode economizar cerca de 50% da energia que consome - quase 30% com programas de eficiência e conservação de energia (tal como fez no apagão de 2001); 10% reduzindo as inacreditáveis perdas nas linhas de transmissão (próximas de 17%); e mais 10% repotenciando antigos geradores de usinas, a custos muito mais baixos. E que o governo se dispusesse a discutir o plano de expansão de usinas nucleares, no momento em que quase todo o mundo as abandona (porque são perigosas, caras e sem destinação para o lixo nuclear).
Mas não se deve perder a esperança - mesmo porque não há outro caminho.
P. S. - No artigo da semana passada mencionei incorretamente a data da entrevista do professor Vinicius M. Netto ao caderno Aliás. A correta é 5 de fevereiro de 2012. Peço desculpas.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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