- Copa é mais o catalisador do que o alvo prioritário
- Valor Econômico
Falta exatamente uma semana para o início da Copa do Mundo. Uma Copa que, desta vez, tem um sabor diferente para os brasileiros. Por enquanto, um sabor agridoce. Organizar o Mundial trouxe para o país um elemento novo, um choque de realidade, que contrasta com a fantasia, a sensação de tempo suspenso que os brasileiros reservam ao período.
Copa para o Brasil é como um Carnaval de quatro em quatro anos, porém regido ainda mais pelo signo da imprevisibilidade, que tanto marca a cultura nacional. A esperança de final apoteótico depois de quatro semanas e sete jogos convive com a ameaça de uma quarta-feira de cinzas que pode chegar a qualquer dia num mata-mata.
Mas enquanto a festa dura, é a época em que o brasileiro se olha no espelho e se vê mais bonito do que é no concerto das nações. No futebol, somos os melhores, os maiores vencedores, os mais criativos, que improvisam com a bola nos pés. Organizar o Mundial pôs o país diante do desafio contrário: planejar, executar e gastar com a objetividade e precisão de uma seleção alemã.
A reta final dos preparativos empurra para o espelho todos os defeitos que o brasileiro busca esquecer na Copa do Mundo: aeroportos que são péssimos cartões de visita, como o Galeão, no Rio, estádios inacabados, como o Itaquerão, em São Paulo, e investimentos em mobilidade urbana que ficaram no papel ou só funcionarão na Copa da Rússia de 2018 - e olhe lá.
O resultado era previsível. Em 1950 não foi diferente. O Maracanã serviu à Copa mas ficou pronto, mesmo, 15 anos depois. Recentemente, os Jogos Pan-Americanos de 2007 foram outro exemplo da incapacidade atávica de respeitar prazos e cumprir cronogramas. Coisa chata.
A Copa do Mundo em casa tem sabor agridoce porque trouxe para o torcedor brasileiro a mistura desconfortável de política e futebol. Trouxe uma organização internacional - a Fifa, com mais associados do que a ONU - que impõe regras e padrões exógenos e invade a soberania. Provocou intervenções urbanas lideradas pela coalizão entre gestores municipais, estaduais e federais e grandes empreiteiras - os maiores financiadores de campanha eleitoral - sob os quais sempre pairam suspeitas de superfaturamento de obras públicas.
A Copa encareceu o custo de vida. Injetou bilhões na economia e mostrou que dinheiro há. Mas por que não se faz o mesmo investimento em saúde e educação? A Copa deixou evidente um elemento básico da política. Governar é priorizar. Políticos de esquerda e de direita são - ou deveriam ser - diferentes porque atendem a demandas de setores distintos da sociedade. Mas que grande controvérsia haveria em sediar o Mundial logo aqui, no "país do futebol"? Já o fizemos há 64 anos, com um PIB comparativamente mais modesto que o atual. Copa e Seleção brasileira são fatores de união nacional.
Mas desde junho do ano passado, a Copa virou o bode expiatório para todos os males do país. Manifestantes saíram às ruas para protestar contra os gastos na organização do campeonato, e também contra tantas outras coisas, como a corrupção, a classe política e a PEC 37. Não havia foco até se sintetizar o movimento como a busca da população por melhores serviços públicos. E contra a Copa.
O Mundial, no entanto, é mais o catalisador de todas as insatisfações do que o alvo prioritário. É o ponto de encontro, o momento mais oportuno de se reivindicar - dada a atenção internacional ao país e o temor dos governantes de que algo dê errado. Foi assim na África do Sul, em 2010. É assim agora, quando sindicatos e movimentos sociais organizados tomam a frente dos protestos e aproveitam a melhor hora para serem ouvidos. A "luta continua" - e a Copa dá carona às manifestações. A Copa é um meio e não um fim.
A mistura de política e futebol causou uma confusão na opinião pública, parte dela assustada com o caráter violento das manifestações. O tradicional clima de Copa do Mundo, com ruas pintadas e enfeitadas, está represado. Lojistas evitam decorar vitrines com motivos em verde e amarelo com medo de depredação. O morador ainda tímido teme demonstrar patriotismo para que os vizinhos não lhe recriminem por falta de consciência político-social. A patrulha ideológica - "Não vai ter Copa" - está entre os efeitos mais interessantes - e possivelmente ingênuos - dos protestos de junho.
Uma maioria envergonhada espera a hora de torcer como sempre - ou como nunca, já que ninguém gosta de perder em casa. A manifestação - tão legítima e incontrolável quanto as que tomaram as ruas no ano passado - é inevitável. O resultado será o mesmo do conhecido fenômeno de psicologia das massas, descrito pela filósofa política alemã Elisabeth Noelle-Neumann na chamada teoria da espiral do silêncio.
O fenômeno nada mais é do que a tendência de as pessoas não expressarem o que realmente pensam quando acreditam que suas opiniões são minoritárias em um determinado grupo social - mesmo quando estas opiniões podem ser majoritárias.
Quanto mais os indivíduos se calam, mais pessoas que pensam da mesma forma se sentem intimidadas e provocam a tal espiral de silêncio. No campo eleitoral, o comportamento pode levar a distorções entre as previsões de pesquisas de intenção de voto e resultados surpreendentes colhidos nas urnas. Foi essa repentina mudança de opinião em processos eleitorais na virada dos anos 1960 para os 1970 que levou a alemã a pesquisar o assunto em seu país.
Mas não é preciso ser um analista eleitoral ou da cultura brasileira para prever que o silêncio tem hora para acabar. A espiral, na Copa do Mundo, será, de repente, aquela corrente pra frente. Como sempre.
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