- O Globo
A política foi tema de duas intervenções paralelas no seminário da Academia da Latinidade que se encerrou na terça-feira passada no Sultanato de Omã. Visões distintas de dois europeus, o italiano Giani Vatimo, um dos maiores filósofos da atualidade, professor emérito da Universidade de Turim, e o espanhol Daniel Innerarity, professor de filosofia política da Universidade do País Basco.
Vatimo, ex-membro do Parlamento Europeu, mas crítico do modelo de democracia representativa, aproveita o livro de Martha Nussbaum "Emoções políticas" para destacar o que considera "as contradições do capitalismo", e ressalta a atuação de líderes carismáticos como Lula, Chavez e Fidel como exemplos de políticos que atuam com base na emoção, que seria um contrapeso à política liberal asséptica em vigor nos países ocidentais e defendida por Nussbaum.
Na contramão, Innerarity faz uma análise dos problemas que a democracia representativa enfrenta e a defende como a mais eficiente para mediar as aspirações da sociedade, mas a vê ameaçada pelo que chama de "era pós-política", uma época de negação da política em que o populismo e o egoísmo na atuação política colocam em risco a própria democracia.
Uma das expoentes da filosofia política nos Estados Unidos, Martha Nussbaum deu a seu livro, publicado pela Harvard University Press o subtítulo "O amor é importante para a justiça". O filósofo Giani Vatimo considera o tema do livro referência de uma época em que ele vê justamente o contrário: uma justiça liberal, respeitosa dos direitos humanos, uma distribuição de pesos e bens sociais, democracia igualitária, mas onde não estão presentes o amor, e mais genericamente, os sentimentos, que poderiam inspirar uma ação de transformação social.
A autora apresenta a questão da justiça dentro dos limites da política liberal, na opinião de Vatimo, sem se aprofundar nas condições necessárias para que exista uma sociedade justa e equilibrada. O filósofo italiano acha que o tema é abordado devido à crise da democracia representativa, que ele chama de "democracia de baixa intensidade", na qual as pessoas não acreditam mais.
Vatimo diz que acontece com as democracias liberais no mundo o mesmo que Marx previu para o capitalismo: alimenta em seu próprio seio aqueles que vão matá-la. O que há de mais liberal do que um debate político centrado na economia, na administração, nos recursos, pergunta Vatimo, ecoando de certa forma os esquerdistas que criticam a mudança no projeto econômico do governo petista.
"Raramente se fala, nesse tipo de política, em projetos generosos e visão de mundo, pois isso seria cair na ideologia, inimiga de toda discussão política sóbria e realista", critica o filósofo italiano. Para ele, as classes dirigentes só se preocupam com o orçamento, com a estabilidade:"Quem se emociona com a estabilidade?", pergunta.
Na opinião de Vatimo, o livro de Nussbaum é permeado por uma atitude conciliadora que corresponde ao clima social das democracias ditas avançadas, que exigem emoções moderadas e regradas, uma sociedade "racional e razoável" que evita os excessos até mesmo nos processos democráticos como as eleições e alternância de poder, sem violência mas também sem alteração na ordem vigente.
Giani Vatimo critica a tendência de sociedades ocidentais que, em vez de se transformarem radicalmente, pensam somente em manter a estabilidade. Ele se refere ao sentimento de indignação que tem movido ações em vários países, a partir da crise financeira que afetou a Europa e os Estados Unidos, e o compara à paixão amorosa que arrebata. Para ele, a reação dos democratas "formais" a atitudes apaixonadas de ação política de líderes carismáticos como Lula, Chavez, Evo Morales é sinal desses tempos de sentimentos controlados.
Para Vatimo, há um componente irracional na política que escandaliza os que querem apenas, apesar dos bons sentimentos, manter a ordem existente. Ele atribui ao capitalismo a imposição de uma vida social neutralizada, onde as paixões devem ser superadas em nome de um cálculo econômico. Por isso, considera o livro de Martha Nussbaum "precioso", por mostrar, mais uma vez, as contradições do capitalismo "de onde podemos esperar que venham ações transformadoras". (Amanhã, a democracia ameaçada)
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